Acórdão nº 219/14.7PFMTS.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Setembro de 2018
Magistrado Responsável | RAUL BORGES |
Data da Resolução | 26 de Setembro de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Por sentença proferida no processo sumário n.º 219/14.7PFMTS do Juízo Local Criminal de … – Juiz 2, da Comarca do …, em 22-07-2014, transitada em julgado em 30-09-2014, foi o arguido AA condenado pela prática em 16-07-2014, em autoria material, de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.°, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de 5 € (cinco euros) – fls. 19.
Por despacho de 10-09-2015, proferido a fls. 22, transitado em julgado em 10-09-2015, ut certidão de fls. 12, foi julgada extinta a pena de multa pelo cumprimento.
Tendo o arguido requerido o pagamento das custas em prestações, no mesmo despacho foi autorizado o pagamento em seis prestações mensais e sucessivas.
O Ministério Público na Procuradoria da República junto do Juízo Local Criminal de …, vem em 24-11-2017, ao abrigo do disposto nos artigos 449.°, n.º 1, alínea d), 450.°, n.º 1, alínea a) e 451.°, n.º 1, e 2, todos do CPP, e em beneficio do arguido, interpor o presente recurso extraordinário de revisão daquela sentença de 22-07-2014, invocando o seguinte fundamento (em transcrição integral e incluindo realces): “E isto, porque em data posterior à prolação da supra referida sentença - e por conseguinte à apreciação da prova efectuada pela Mm.ª Juiz de 1.ª instância no julgamento que ali teve lugar - adveio aos autos o conhecimento de factos novos bem como de novos meios de prova que permitem concluir pelo não cometimento do crime em causa por parte do arguido e por conseguinte pela injustiça da decisão da condenação que lhe foi imposta nos autos.
Vejamos.
1. Da pertinência da interposição do presente recurso extraordinário de revisão.
É consabido que “Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria da causa, como estabelece o n.º 1 do art.º 613.° do CPC, aplicável ao processo penal por força do art.º 4.° do CPP”— vide ac. do STJ de 17-06-2015, in www.dgsi.pt.
Daí que “O STJ tem considerado, para efeito de fundamentar o pedido de revisão de decisões penais, que os factos serão novos quando não foram apreciados no processo que conduziu à condenação, mesmo que não fossem ignorados pelo arguido no momento em que o julgamento teve lugar, e que sejam susceptíveis de levantar dúvidas graves sobre a culpabilidade do condenado” — vide AC do STJ de 23-10-2008, in www.dgsi.pt Ora, no caso dos autos, verifica-se esta situação dado que em data posterior à prolação da sentença condenatória adveio o conhecimento de que o arguido é titular de licença de condução de ciclomotores, facto que embora não fosse desconhecido ao arguido, era desconhecido do MP quando deduziu a acusação em processo sumário e do tribunal de 1.ª instância quando em sede de julgamento apreciou a prova constante dos autos e da qual não contava tal informação.
2 — Do fundamento do presente recurso extraordinário de revisão.
O arguido AA foi condenado nestes autos, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 5 euros, o que perfaz a quantia global de 950 [450] euros, pela prática em 16-07-2014, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.°, n° 1 e 2 do DL 2/98, de 3/01.
Isto porquanto, depois de produzida a prova em audiência de julgamento, designadamente depois de se ter ouvido o arguido que nessa sede confessou a prática dos factos bem como de se analisar o teor do documento constante de fls.4 (proveniente da base de dados do IMT), por sentença datada de 22-07-2014, se deu como provado que no dia 16-07-2014, por volta das 13h40 horas, o arguido conduziu o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula …-…-DO na Rua de …, desta cidade de …, sem que para tanto fosse titular de carta de condução.
Sucede que, já depois de ter sido proferida a condenação (sentença) acima referida adveio aos autos o conhecimento de factos e novos meios de prova que apontam no sentido do arguido não ter cometido o crime acima referida mas antes a contraordenação, p. e p. pelo artigo l23.°, n°4 do CE.
Com efeito, conforme se alcança do teor da certidão junta aos autos a fls. 108 e seguintes, mais concretamente do aditamento da PSP sob o NPP 3…8/2017, do teor dos documentos emitidos pela Câmara Municipal de … e pelo destacamento de trânsito do Porto da GNR, o arguido AA é titular de licença de condução de ciclomotores n°MTS3…4, emitida em 23-06-2000, pela Câmara Municipal de …, com validade até 10-02-2034.
A licença de condução em causa, estando válida, é equipada [equiparada] a carta de condução da categoria AM.
De facto, estabelece o artigo 62.°, n.º 1 e 2 do DL 138/2012, alterado pelo DL 37/2014, 14/03 – referente ao Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir – que: “As licenças de condução de ciclomotores, motociclos de cilindrada não superior a 50 cm3, do modelo aprovado pelo Despacho n.º 17 784/98, de 15 de Outubro, emitidas por câmaras municipais, bem como as licenças de condução de ciclomotores emitidas ao abrigo do artigo 6. ° Decreto-Lei n.º 138/2012, de 5 de julho mantém-se em vigor, devendo ser trocadas por carta de condução da categoria AM: a) Nos seis meses que antecedem o termo da sua validade; b) Logo que ocorra o primeiro escalão etário fixado para a revalidação de acordo com os previstos na alínea a) do n.º 2 do artigo 16.º se não tiverem averbado data de validade; c) Á requerimento do titular ainda que se encontre dentro do prazo de validade; d) Em caso de perda ou deterioração; e) [Revogada].
2 - As licenças de condução de ciclomotores e motociclos de cilindrada não superior a 50 cm3 ainda em circulação, que se encontrem válidas, são equiparadas a carta de condução da categoria A/VI, para os efeitos previstos no Código da Estrada e no presente Regulamento”.
Ora, nos termos do artigo 123.° do Código da Estrada “1- carta de condução habilita o seu titular a conduzir uma ou mais das categorias de veículos fixadas no RHLC, sem prejuízo do estabelecido nas disposições relativas à homologação de veículos.
2 - A condução de veículos afetos a determinados transportes pode ainda depender da titular idade do correspondente documento de aptidão profissional, nos termos de legislação própria.
3 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, quem conduzir veículo de qualquer categoria para a qual a respetiva carta de condução não confira habilitação é sancionado com colina de (euro) 500 a (euro) 2500.
4 - Quem, sendo apenas titular de carta das categorias AM ou A1, conduzir veículo de qualquer outra categoria para a qual a respetiva carta de condução não confira habilitação é sancionado com coima de (euro) 700 a (curo) 3500.
Daí que se imponha concluir que o arguido não cometeu o crime pelo qual foi condenado e se tome premente proceder à revisão da sentença proferida nos autos, nos termos e com os efeitos do artigo 449.°, n.º 1 al. d), do C.P.P., devendo ser a mesma autorizada nos termos do artigo 457.º, n.º 1 do C.P.P..
*** CONCLUINDO: 1 - O arguido AA foi condenado nestes autos, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 5 curos, o que perfaz a quantia global de 450 euros, pela prática em 16-07-2014, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.°, 1101 e 2 do DL 2/98, de 3/01.
2 - Isto porquanto, depois de produzida a prova em audiência de julgamento, se deu como provado que no dia 16-07-2014, por volta das 13h40 horas, o arguido conduziu o veículo ligeiro de passageiros na Rua …, desta cidade de …, sem que para tanto fosse titular de carta de condução.
3 - Sucede que, já depois de ter findado a produção de prova e de ter sido proferida a condenação (sentença) acima referida adveio aos autos o conhecimento de factos e novos meios de prova que apontam no sentido do arguido não ter cometido o crime acima referida mas antes a contra - ordenação p. e p. pelo artigo 123.°, n° 4 do CE.
4 - Com efeito, o arguido AA é titular de licença de condução de ciclomotores n°MTS3…4, emitida em 23-06-2000, pela Câmara Municipal de …, com validade até 10-02-2034.
5 - A licença de condução em causa, estando válida, é equipa[ra]da a carta de condução da categoria AM, nos termos do artigo 62.°, n.º 1 e 3 do DL 138/2012, alterado pelo DL 37/2015, 14/03.
6 - Ora, dispõe o artigo 123.°, 04 do Código da Estrada que “Quem, sendo apenas titular de carta das categorias AM ou A1, conduzir veículo de qualquer outra categoria para a qual a respetiva carta de condução não confira habilitação é sancionado com coima de (euro) 700 a (euro) 3500.” 7 - Daí que se imponha concluir que o arguido não cometeu o crime pelo qual vem acusado e se torne premente proceder à revisão da sentença proferida nos autos de processo sumário 19/17.2PJMTS do Juízo Local Criminal de … J…, nos termos e com os efeitos do artigo 449.°, n°1 al. d), do C.P.P., devendo ser a mesma autorizada nos termos do artigo 457.°, n°1 do C.P.P..
Prova: a dos autos, designadamente documentos de fls.3 e 4, 12/13,22 a 24,67/68,e 108 a 137.
Este é o entendimento do Ministério Público.
Porém, VªS Exªs, decidindo, farão, como sempre, inteira justiça”.
*** Pelo despacho de 4-12-2017, a fls. 10, a Exma. Juíza admitiu o recurso.
Notificado do despacho de admissão, o arguido silenciou.
*** A Exma. Juíza no Juízo Local Criminal de ….-Juiz …, da Comarca do Porto, em despacho de fls. 60, considerou não ser necessária a produção de qualquer diligência de prova, uma vez que os meios de prova em que se baseia o recurso já constam dos autos.
Consignou que o recurso deverá proceder, pelos motivos aduzidos pelo Ministério Público (artigo 454.º do Código de Processo Penal).
*** Mostra-se junta certidão de auto de notícia, acusação e acta de audiência do sumário n.º 219/14.7PFMTS, com dispositivo da sentença e despacho a extinguir a pena de multa pelo cumprimento (fls. 12 a 22), e de elementos do processo sumário n.º 19/17.2PJMTS, de fls. 23 a 57.
*** O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça emitiu douto parecer de fls. 66 a 68...
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