Acórdão nº 2406/16.4T8LRA.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução24 de Janeiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I - AA instaurou contra BANCO BB, S.A.

, ação declarativa, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 57.000,00, com juros vincendos desde a citação ou, em alternativa, a declaração de nulidade de qualquer contrato de adesão ou a declaração de ineficácia de tal contrato, condenando-se o Banco a restituir-lhe a quantia de € 57.000,00 e juros vencidos e vincendos. Pediu ainda cumulativamente a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 3.000,00 a título de danos não patrimoniais.

Alegou que subscreveu num balcão do CC, em 2006, uma aplicação financeira que, segundo um funcionário do R., seria um investimento seguro, igual a um depósito a prazo, com capital garantido. Porém, tal aplicação era em Obrigações DD, produto de risco que o A. não pretendia contratar.

Na data do vencimento não lhe foi restituído o quantitativo de € 50.000,00 correspondente ao capital investido numa Obrigação DD 2006, tendo-lhe sido dito que aguardasse até à sua maturidade, nem foram pagos os juros do último semestre, o que provocou ao A. dificuldades financeiras para gerir a sua vida e um estado de tristeza, ansiedade, perda da alegria de viver e doença.

A R. contestou e alegou que o produto financeiro em causa era, à data da sua subscrição, um produto seguro, tendo o A. sido informado das condições do mesmo e de que não se tratava de um depósito a prazo. A operação traduziu-se numa proposta da DD que foi veiculada pelo R. e subscrita pelo A.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu o R. dos pedidos, não tendo sido apreciada a exceção de prescrição, por ter sido considerada prejudicada pela solução dada.

O A.

apelou e a Relação revogou a sentença e condenou o R. no pagamento da quantia de € 57.000,00 e juros de mora desde a citação. No mesmo acórdão foi considerada improcedente a exceção de prescrição, tendo em conta a qualificação da atuação do R. como culpa grave.

A R. interpôs recurso de revista em que concluiu essencialmente o seguinte: a) A circunstância de o funcionário do Banco R. ter assegurado ao A. que a aplicação financeira era um produto sem risco e com capital garantido, não transmitindo a característica da subordinação, não configura a prestação de informação falsa; b) O uso de tal expressão apenas se pode ter como referência à mecânica de funcionamento do investimento que é feito por um determinado prazo, findo o qual o capital é reembolsado na totalidade, acrescido da rentabilidade; c) É utópico ver nesta referência qualquer espécie de garantia absoluta de investimento, que não existe, sendo que o investimento era seguro e não um produto de risco; d) À data da subscrição da obrigação subordinada DD o funcionário do Banco R. não tinha a obrigação de informar o investidor sobre os riscos do instrumento financeiro e designadamente sobre o risco de insolvência dos emitentes ou o mero risco de não retorno do capital investido na data de maturidade do investimento, ou sequer analisar a robustez financeira do emitente ou a posição dos credores em caso de insolvência da emitente; e) A característica da subordinação era, à data, em face das relações entre o Banco e a entidade emitente irrelevante para a decisão de subscrição, por ninguém supor um cenário de incapacidade financeira do banco ou da sociedade-mãe; f) Em lado algum se vislumbra que o cliente agiria de forma distinta se tivesse conhecimento das características da subordinação; g) O que está em causa é apenas o incumprimento do dever de reembolso da obrigação pela emitente, não tendo relevância a natureza subordinada da mesma, já que nem ficou demonstrado que se a obrigação não fosse subordinada o A. teria recebido o capital; h) O que levou o A. a subscrever o produto foi a sua aparente segurança e o facto de ser emitido pela dona do Banco, de modo que a sua posição numa possível situação de insolvência da emitente não mudaria ou teria influência na decisão de aplicar ou não o seu dinheiro no produto; i) O CMV exige que seja prestada informação e, uma vez cumprido este dever, não estava o funcionário impedido de, em boa fé, acrescentar ao seu argumentário o seu juízo pessoal sobre a segurança do produto, não constituindo qualquer violação do dever de informação; j) Cabia ao A. provar a ilicitude da atuação do Banco R., sendo que mesmo que se considere a possibilidade de existência de uma presunção de ilicitude, esta se refere ao incumprimento dos deveres principais e não dos deveres acessórios, como é o caso da informação no âmbito da intermediação financeira; k) O CVM não prevê qualquer obrigação de o intermediário se assegurar que o investidor compreendeu a informação que lhe foi prestada, bastando que a informação seja apresentada de modo a ser compreendida pelo destinatário médio colocado na situação do destinatário concreto; l) Um declaratário médio não teria depreendido que com as expressões de “garantia e segurança” era o Banco que caucionava as obrigações DD ou que o investimento estava imune a fracasso; m) Não houve da parte do Banco R. qualquer informação falsa ou utilização de artifício falacioso, não podendo considerar-se verificada a culpa; n) A condenação do R. no pagamento do valor da obrigação não respeita o critério da diferença; o) Não resulta da lei qualquer presunção de causalidade, de modo a que seja o R. a provar que o facto não é adequado a provocar o dano; p) O A. não provou que se a informação lhe fosse prestada a respeito da subordinação da obrigação não teria subscrito a aplicação financeira; q) A conduta do funcionário do Banco R. não pode ser integrada na culpa grave, mas apenas na negligência inconsciente.

Houve contra-alegações defendendo a manutenção do acórdão recorrido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – Factos provados: 1. O A., e uma empresa de informática de que era titular, foram clientes do CC, S.A., atualmente o R., na sua agência de Caldas da Rainha, com a conta à ordem nº ..., onde movimentava parte dos dinheiros, realizava pagamentos e efetuava poupanças.

  1. A certo momento, procurando uma aplicação para a importância de € 50.000,00, o A. indagou junto de várias instituições bancárias qual o produto que lhe poderia oferecer uma melhor taxa de juro e, nesse contexto, um funcionário (a gestora de conta) da referida agência bancária do R. sugeriu uma aplicação com uma rentabilidade ligeiramente superior a um depósito a prazo, que em qualquer momento poderia reaver o dinheiro, bastando para tal avisar a agência poucos dias antes, e que era um produto de capital garantido, no sentido de que existiam no mercado produtos com taxa de juro superior mas que envolviam outros riscos.

  2. O A. não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer aprofundadamente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem.

  3. Por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro.

  4. O A. não queria investir em produtos de risco, como era do conhecimento dos funcionários da referida Agência do R.

  5. As orientações e comunicações internas existentes no CC e que este transmitia aos seus comerciais nos respetivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez e boa rentabilidade, com um risco semelhante a um depósito a prazo junto do próprio Banco.

  6. Na sequência do referido em 2.

    , no dia 19-4-06, junto da agência do R., o A. assinou o boletim de subscrição relativo encimado pelos dizeres “CC ” e “DD 2006 Boletim de Subscrição”.

    Sob a epígrafe “EMISSÃO DE OBRIGAÇÕES SUBORDINADAS” no valor de € 50.000,00, desse boletim constava, além do mais, o seguinte: “NATUREZA DA EMISSÃO Emissão de até 1.000 obrigações subordinadas, ao portador e sob a forma escritural, com o valor nominal de € 50.000,00 cada uma (…) MÍNIMO DE SUBSCRIÇÃO € 50.000,00 (1 obrigação) PERÍODO DE SUBSCRIÇÃO (…) DATA DE LIQUIDAÇÃO FINANCEIRA 08 de Maio de 2006.

    PRAZO E REEMBOLSO O prazo de emissão é de 10 anos, sendo o reembolso do capital efetuado em 09 de Maio de 2016. O reembolso antecipado da emissão só é possível por iniciativa da DD, SGPS, SA, a partir do 5º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.

    REMUNERAÇÃO Juros pagos semestral e postecipadamente, às seguintes taxas: 1º semestre Taxa Nominal bruta 4,5% * Taxa anual efetiva líquida: 3,63% (…) IDENTIFICAÇÃO DO SUBSCRITOR (…) ORDEM DE SUBSCRIÇÃO (…) ORDEM DE DÉBITO (…) O Banco (…) O Subscritor: Declaro conhecer e aceitar as condições desta emissão, tal como definidas no respetivo Prospeto, disponível nas Agências do CC” (doc. fls. 23, vº), 8. O A. subscreveu o produto referido em 7.

    convencido de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura, no sentido de se tratar de risco reduzido ou de risco mais aproximado ao risco de um depósito a prazo.

  7. Foi explicado ao A. o prazo de 10 anos do referido produto que subscreveu e as condições de reembolso e de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que apenas seria possível por via de endosso que era, à data, extremamente fácil e rápido, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta.

  8. O A. sabia perfeitamente que o produto que subscreveu não era um depósito a prazo.

  9. Não foi explicado ao A. que CC e DD eram duas entidades distintas e que investir em DD era diferente de aplicar dinheiro no CC (facto aditado pela Relação).

  10. Após a subscrição do produto acima referido, os respetivos juros foram sendo semestralmente pagos, o que se manteve até Novembro de 2015, data em que o Banco R. deixou de pagar os juros respetivos.

  11. Não foi emitido qualquer outro documento a esse propósito, para além das habituais comunicações/avisos/extratos relativos ao pagamento dos juros semestrais mencionados em 12.

    , o que sucedeu até Novembro de 2015.

  12. O A. esteve sempre convencido que o R. lhe restituiria o capital e os juros quando os solicitasse.

  13. As “Obrigações DD 2006” foram emitidas, como o próprio nome indica, pela...

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