Acórdão nº 422/14.JAPRT.G2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Setembro de 2018
Magistrado Responsável | MANUEL BRAZ |
Data da Resolução | 20 de Setembro de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: Na instância central – secção criminal – J3 – da comarca de Vila Real foi proferido acórdão condenando arguido AA.
Julgando recurso interposto dessa decisão, a Relação de Guimarães proferiu, em 19/10/2015, acórdão decidindo matéria de facto e determinando o reenvio do processo para novo julgamento relativamente a questões concretamente identificadas.
Realizado o novo julgamento, o tribunal de 1ª instância proferiu acórdão decidindo, além do mais que aqui não importa, condenar o arguido AA: a) pela prática de um crime de homicídio p. e p. pelos artºs 131º do Código Penal, na pena de 14 anos de prisão; b) pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artºs 131º e 132º, nºs 1 e 2, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 7 anos de prisão; e c) em cúmulo jurídico, na pena única de 19 anos e 6 meses de prisão.
O arguido interpôs recurso dessa decisão para a Relação de Guimarães, que, não alterando a decisão sobre matéria de facto nem a qualificação jurídica dos factos, aplicou as penas de 13 anos de prisão, pelo homicídio do artº 131º do CP, e 6 anos e 6 meses de prisão, pela tentativa de homicídio qualificado, e, em cúmulo jurídico, a pena única de 16 anos e 3 meses de prisão.
Ainda inconformado, o condenado recorreu desse acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça concluindo e pedindo nos termos que se transcrevem: «Omissão de pronúncia A. Entende o arguido que o acórdão recorrido enferma da nulidade por omissão de pronuncia, nos termos do disposto na alínea c) do nº 1 do artº 379º do CPP, porque B. Pediu o recorrente que a relação incluísse na matéria factual provada os factos contantes dos pontos c) e d) das conclusões daquelas alegações, por entender que houve erro de julgamento.
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O tribunal recorrido não se pronunciou sobre a matéria referida por entender que na decisão sobre o 1º recurso interposto, a Relação conheceu da impugnação da matéria de facto fixando-a e que, por isso, formou-se caso julgado.
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Ora, o tribunal não se pronunciou sobre esta questão, colocada na conclusão 254ª do 1º recurso. E o arguido não pôde arguir a omissão de pronúncia porque, por causa da decisão de reenvio, este acórdão é irrecorrível nos termos al. c) do nº 1 do artº 400º do CPP.
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Por outro lado, a primeira instância proferiu novo acórdão sobre todo o objecto do processo, isto é, não se limitou a decidir sobre a concreta questão identificada para novo julgamento, ficando o arguido com o ónus de interpor novo recurso sobre todas as questões que considerou erradamente julgadas, como fez.
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E manteve interesse em ver apreciada pela Relação aquela matéria de facto, refazendo as questões anteriormente colocadas na conclusão 254ª, como constam das conclusões c) e d).
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Sobre estas questões o tribunal da Relação nunca se pronunciou, nem quando do 1º recurso nem agora.
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Entendemos que tem o tribunal obrigação de se pronunciar sobre estas questões, sob pena de violação das garantias constitucionais de defesa do arguido, mormente o direito ao recurso previsto no nº 1 do artº 32º da CRP e tratados internacionais, nomeadamente a CEDH (Convenção Europeia dos Direito do Homem), no seu Protocolo n° 7, mediante o seu artº 2º, nº 1, veio estabelecer o comando geral que “Qualquer pessoa declarada culpada de uma infracção penal por um tribunal tem o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a sua declaração de culpabilidade ou condenação.
I. Não o fazendo, como não fez, fica a decisão ferida de nulidade nos termos do disposto na alínea al. c) do nº 1 do artº 379° do CPP, o que aqui se argui.
Violação do princípio da proibição de dupla valoração J. Arguiu o recorrente, na motivação do recurso que apresentou no Tribunal da Relação de Guimarães, que a decisão da primeira instância violou o princípio da proibição de dupla valoração quando utilizou as circunstâncias de a vítima BB ser ascendente do arguido e de ser particularmente indefesa em razão da idade para qualificar o crime e para quantificar a pena aplicada.
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Veio a Relação a dar razão ao recorrente, argumentando que apenas uma das circunstâncias era necessária para qualificar o crime e que a outra poderia ser utilizada para agravar a pena.
L. Porém, quando da fixação da pena o tribunal recorrido continuou a manter as duas circunstâncias como qualificativas do crime e quantificava da pena, sem qualquer alteração em benefício do arguido como se impunha.
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A redução da pena em 6 meses deveu-se à inexistência de pré determinação em cometer os crimes e às consequências da agressão para a vítima BB, como se pode ler na fundamentação do acórdão recorrido e não à não consideração de uma das agravantes.
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Pelo que a decisão recorrida continua a violar o princípio da proibição da dupla valoração, devendo ser corrigida em benefício do arguido, isto é, diminuindo a pena fixada.
Penas excessivas e desproporcionais O. Sem prejuízo da decisão sobre a impugnação da matéria de facto referida, que a ser procedente, entendemos que enquadrará o comportamento do arguido no conceito de “compreensível emoção violenta” e, alterará necessariamente as penas aplicadas ao arguido, entendemos que, mesmo com a actual factualidade não se justificam as penas aplicadas de 13 anos pelo homicídio simples e 6 anos e 6 meses pelo homicídio qualificado na forma tentada.
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Desde logo porque nada nos factos nos permite concluir, como fez a decisão recorrida, que a imagem da gravidade dos crimes se situe acima da média.
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Basta ler algumas decisões dos nossos tribunais para termos a percepção de que nos homicídios cometidos com facas, o número de golpes é quase sempre bem superior aos contados neste caso.
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A vítima era irmã do arguido, mas estavam desavindos há cerca de três anos e ela desconsiderava-o, por isso, esta relação de parentesco não pode revelar como agravante.
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Matar é um comportamento desumano, até contranatura e que terá sempre subjacente um dolo forte, intenso, para que se consiga executar o acto. Contido no conceito de homicídio, e por isso na moldura penal, já está esse intenso dolo.
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Para que a intensidade do dolo agrave a pena a aplicar ao arguido tem que haver algo mais no seu comportamento que o justifique, que vá para além do acto de matar em si mesmo. O que no caso dos autos não existe.
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As consequências físicas no homicídio qualificado na forma tentada foram 15 dias de incapacidade para o trabalho e duas cicatrizes.
V. Os dois crimes foram cometidos no mesmo momento, foi um único episódio de violência com duas vítimas, sem que o arguido tivesse tido tempo para reflectir sobre o que estava a fazer, nesse curtíssimo espaço de tempo é compreensível que o arguido não tivesse conseguido entender as suas emoções e refreá-las, travá-las a tempo de não cometer o segundo crime.
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É por essa razão que o cometimento dos dois crimes não deve ter um efeito agravante.
X. O arguido, com 69 anos de idade, é uma pessoa considerada na comunidade, mantendo essa consideração mesmo após os factos de 8 de Março (factos 45 e 46). Não tem antecedentes criminais. Está perfeitamente inserido na sociedade, mantém uma vida discreta e sempre fiel ao direito.
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O arguido está em liberdade desde 10 de Março de 2016.
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Já decorreram mais de 4 anos sobre a prática dos crimes e o arguido tem mantido uma excelente conduta, estando perfeitamente inserido na comunidade que continua a tê-lo em boa consideração.
AA. Pelo que se disse, as necessidades de prevenção geral e especial são mínimas.
BB. Assim, será adequado e proporcional penas parcelares próximas do limite mínimo da moldura penal.
CC. Que, ainda assim, deverão ser especialmente atenuadas nos termos do disposto al. d) nº 2 do artº 72º do CP.
DD. Será proporcional e adequada a aplicação de uma pena única que se situe entre 8 e 9 anos e quatro meses de cadeia, o que se pede».
O recurso foi admitido.
Respondendo, o MP na instância recorrida e os assistentes defenderam a sua improcedência.
No Supremo Tribunal de Justiça, o senhor Procurador-Geral-Adjunto foi de parecer que o recurso não merece provimento.
Foi cumprido o artº 417º, nº 2, do CPP.
Não foi requerida a realização de audiência.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Fundamentação: Foram considerados provados os seguintes factos (transcrição): 1. O arguido AA é irmão da ofendida CC e são ambos filhos da ofendida BB .
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O arguido AA teve a sua residência habitual na Alemanha e, quando em Portugal, reside na Rua ......, nº..., Meixedo, Montalegre.
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Esta residência é contígua à residência da ofendida CC, sita no nº 6 da mesma rua, existindo entre ambas as residências acessos comuns e espaços exteriores comuns.
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O arguido AA e a ofendida CC deixaram de se falar entre si, cerca de três anos antes dos factos infra descritos.
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O arguido AA criou em si um sentimento de animosidade para com a sua irmã CC e a sua mãe BB.
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No dia 8 de Março de 2014, cerca das 12:00horas, o arguido AA chegou à sua residência, sita em Montalegre, e apercebeu-se da presença da sua irmã CC que se encontrava sozinha junto do alpendre que serve de garagem à residência desta.
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Dirigiu-se junto da sua irmã CC.
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O arguido AA brandiu uma faca, de características não concretamente apuradas e com ela atingiu o corpo de CC desferindo-lhe seis golpes, melhor descritos no relatório de autopsia-médico legal junto a fls. 916 a 926 e que aqui se dá por integralmente reproduzido, sendo estes dois golpes na zona dorsal, um na zona do ombro, dois no abdómen e um no membro superior direito, ou seja: A) No tórax: • Lesão identificada no relatório de autópsia com a letra A: corresponde a uma solução de continuidade linear com 1 cm de comprimento; de bordos lisos, irregulares, infiltrados e ligeiramente macerados; disposta na horizontal a nível da linha axilar anterior direita no 7º espaço intercostal, com a extremidade mais posterior angulosa e a extremidade mais anterior romba. As características morfológicas desta lesão são compatíveis com...
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