Acórdão nº 3134/14.0TBBRG.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelGRAÇA AMARAL
Data da Resolução15 de Janeiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça, I – relatório 1. AA veio (em 05.06.2014) apresentar-se à insolvência, tendo formulado pedido de exoneração do passivo restante.

  1. Em 09.06.2014, foi proferida sentença que declarou a insolvência da requerente.

  2. , Foi realizada a assembleia de credores (em 01.08.2014) no âmbito da qual foi proferido despacho de encerramento do processo ao abrigo do disposto nos artigos 230.º, n.º1, alínea d) e 232.º, n.º2, ambos do Código de Processo da Insolvência e Recuperação de Empresas (doravante CIRE) face à inexistência de bens susceptíveis de apreensão para a massa insolvente.

  3. Em 20-02-2015 foi proferido despacho inicial de exoneração do passivo restante.

  4. Em 15-11-2017, a credora BB, SA, requereu a reabertura do processo de insolvência invocando a sentença de 17-12-2015, proferida no âmbito do processo n.º 497/12. 6TBPCV (acção declarativa de impugnação pauliana instaurada pela Requerente a 18-10-2012) que ordenou a restituição ao património da Insolvente dos bens doados por esta[1] a seu filho através das escrituras outorgadas a 20 de Janeiro de 2010 e 1 de Abril de 2010. 6. Por decisão de 11-01-2018 foi indeferido o pedido de reabertura do processo com fundamento no disposto no artigo 616.º do Código Civil, considerando que a procedência da acção de impugnação pauliana não importa o regresso dos bens à propriedade da insolvente, mas à possibilidade do credor de os atingir. 7. Inconformada a Requerente BB, SA apelou do referido despacho, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães (por acórdão de 30-05-2018) julgado a apelação procedente e, revogando a decisão recorrida, determinou a sua substituição por outra que ordene a reabertura da Insolvência, com a subsequente apreensão e liquidação dos bens que constituíram o objecto da acção de impugnação pauliana.

  5. Veio agora a Insolvente interpor recurso de revista (que apelidou de excepcional) nos termos do artigo 14.º, n.º1, do CIRE, invocando que o acórdão proferido se encontra em oposição com o acórdão da Relação de Coimbra de 01-03-2016, proferido no âmbito do processo n.º 631/15.4T8CBR-A.C1.

    Formula as seguintes conclusões (transcrição): “1-Vem o presente recurso interposto do Douto acórdão que julgou procedente a apelação e, em consequência revogou a decisão então recorrida, ordenando a sua substituição por outra que reabra o processo de insolvência "com a subsequente apreensão e liquidação dos bens que constituíram o objecto de impugnação pauliana".

    2-A recorrente não se conforma com o Douto Acórdão recorrido por considerar que viola o disposto no art. 616.° do C. C. e o disposto no art. 127.° do CIRE e que por entender que a interpretação feita pelo Tribunal "a quo" dos artigos 616.° do C.C. e 127.° do CIRE é inconstitucional por violação do arts. 2.°e 111.°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa.

    3-Em 15/11/2017, a credora BB, S.A. requereu a reabertura do processo de insolvência invocando o acórdão proferido no âmbito da ação de impugnação pauliana e fundamentando jurisprudencialmente o seu requerimento num acórdão em que é decidido a anulação de uma venda.

    4-O Tribunal de Comarca profere despacho decidindo pela não reabertura do processo de insolvência considerando em resumo que "a procedência da acção de impugnação pauliana não importa um regresso dos bens à propriedade dos insolventes".

    5-Inconformada com esta decisão, a credora BB, S.A. recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães, que decide revogar o despacho recorrido, ordenando "a sua substituição por outra que ordene a reabertura da Insolvência, com a consequente apreensão e liquidação dos bens que constituíram o objeto da acção de impugnação pauliana".

    6-A ora recorrente não pode concordar com o Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães.

    7-O artigo 1044.° do Código Civil de 1867, integrado no Capítulo XI (Dos actos e contratos celebrados em prejuízo de terceiro) dispunha que "Rescindido o acto ou contrato, revertem os valores alienados ao cúmulo dos bens do devedor, em benefício dos seus credores"..

    8-Por sua vez, o n.° 4 do art. 616.° do actual Código Civil dispõe que "Os efeitos da impugnação aproveitam apenas ao credor que a tenha requerido".

    9-Resulta, assim claro, que foi afastada a doutrina anterior segundo a qual os bens objecto de uma impugnação pauliana revertiam ao património do devedor.

    10-Resulta também claro que o ato impugnado não está ferido de qualquer vício intrínseco que origine a sua nulidade ou anulabilidade, mas apenas a sua ineficácia relativamente ao credor impugnante (neste sentido o Acórdão de 30/04/2015 do Tribunal da Relação de Guimarães) 11- Este entendimento é também perfilhado pelo Acórdão de que se recorre.

    12-No entanto, e após tudo o que foi exposto, afirma o Acórdão recorrido "Sendo estas considerações pacíficas em termos gerais, a verdade é que, conforme decorre do teor do ac. do STJ citado pela Recorrente9, existem aqui razões (bem) fundadas para considerar, em termos excepcionais, o regresso dos aludidos bens objeto da impugnação pauliana, à massa insolvente".

    13-EM TERMOS EXCEPCIONAIS? QUAL É A LEI QUE PREVÊ ESTA EXCEPÇÃO? 14- Entende o Acórdão ora recorrido que "A impugnação deixa de ser pessoal para ter uma eficácia universal. O bem reentra no património do devedor, servindo à satisfação de todos os créditos que contra esse património são invocados" 15-Salientando ainda que "Estamos já para além da previsão do art. 616°, n.° 4 do Código Civil" (sublinhado e negrito nosso).

    16-Concorda-se em absoluto com esta última afirmação: atribuir uma eficácia universal à impugnação pauliana vai além, e mesmo em sentido contrário, ao fixado na lei.

    17-Mas então qual o fundamento para se aplicar uma norma em sentido contrário ao fixado na própria norma? 18-O Acórdão recorrido adere à posição de Marisa Vaz Cunha que, em resumo, refere que "A exigência de tutela do credor singular é absorvida pela massa que integra o interesse indiviual do credor. § Se assim não for, apenas se poderá concluir que o regime constante do art. 127° é flagrantemente contrário à lógica do sistema jurídico, admitindo uma excepção ao princípio da universalidade e permitindo a constituição de um direito equivalente a um direito de preferência depois da declaração de insolvência, sem qualquer fundamento" 19-Analisemos então a evolução dos efeitos da impugnação pauliana no regime insolvencial português.

    20-O Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF) dispunha, no seu art. 157.° que "São impugnáveis em benefício da massa falida todos os actos susceptíveis de impugnação pauliana nos termos da lei civil".

    21-Resulta, assim, que à data em que se encontrava em vigor o CPEREF a impugnação pauliana, quando procedente, tinha como efeito a reversão dos bens para o património dos devedores insolventes, aproveitando a todos os credores.

    22-No entanto, o novo Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) veio afastar este regime, não existindo qualquer norma semelhante à anteriormente em vigor (neste sentido o Acórdão de 03/12/2015 do Tribunal da Relação de Évora) 23-No novo código o legislador reforçou o instituto da resolução a favor da massa insolvente, que aproveita a todos os credores, ou seja tem caráter universal.

    24-Da evolução legislativa não restam quaisquer dúvidas que o legislador não pretendeu criar qualquer excepção aos efeitos da impugnação pauliana.

    25-Considerar que não se admitir uma impugnação pauliana com efeitos colectivos significa uma excepção ao princípio da universalidade é esquecer a unidade do nosso sistema jurídico como um todo.

    26-Na verdade, temos uma regra geral: os efeitos da impugnação pauliana só aproveitam ao credor que a requereu 27-No passado, tínhamos uma norma especial que alargava os efeitos da impugnação pauliana a todos os credores, no caso de insolvência.

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