Acórdão nº 457/14.2TTLSB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelANTÓNIO LEONES DANTAS
Data da Resolução15 de Janeiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I AA, BB, CC e DD instauraram a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra EE, S.A., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 90.042,15, a título de subsídios de férias e Natal e compensação por violação do direito a férias, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento de cada uma das importâncias que a integram, até integral e efectivo pagamento e, ainda, como litigante de má-fé.

Invocaram como fundamento das suas pretensões, em síntese, que foram admitidos ao serviço da Ré para, sob a sua autoridade, direção e fiscalização, exercerem as funções, o 1.º e o 2.º Autor, de professor de natação e PT, a 3.ª Autora, de professora de postura, hidroterapia, hidroginástica sénior e treino personalizado, e a 4.ª Autora, de hidro, hidrobike, spinning, strectching, PT, pré e pós parto, nas instalações do ginásio sito em Lisboa, mediante o pagamento à hora, no final de cada mês, e em horários de trabalho que aquela lhes atribuía.

Mais alegaram que a Ré lhes disciplinava o trabalho a realizar e ministrava ações de formação; tinham que lhe comunicar o período de férias e arranjar outra pessoa para os substituir e, ainda, utilizavam os instrumentos pertença daquela.

Por fim, invocaram que a Ré lhes propôs o abaixamento do valor hora, circunstância que os levou, em agosto de 2013, a pôr termo ao contrato de trabalho que com ela celebraram, por carta registada com aviso de receção que lhes remeteram, pese embora tenham assinado um escrito intitulado “contrato de prestação de serviços”.

A Ré contestou a ação, defendendo-se por exceção e por impugnação.

Por exceção, arguiu a ininteligibilidade da petição inicial e a prescrição dos créditos de que o 2.º Autor se arroga alegando que o contrato firmado entre ambos foi por ele denunciado em agosto de 2007.

Por impugnação, alegou que os Autores sempre estiveram vinculados a si por contratos de prestação de serviços e não por qualquer vínculo laboral, nada lhes sendo devido.

Os Autores responderam às exceções invocadas, pugnando pela respetiva improcedência, e concluíram como na petição inicial.

No despacho saneador indeferiu-se a exceção de ininteligibilidade arguida pela Ré.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo a ação sido decidida por sentença proferida em 22 de junho de 2015, que integra o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, o Tribunal julga a ação improcedente e, em consequência, decide: 1. Absolver «EE,, SA..» dos pedidos formulados por «AA», «BB», «CC» e «DD.

  1. Condenar «AA», «BB», «CC» e «DD» a pagarem as custas processuais.» Inconformados com esta decisão, dela recorreram os Autores para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão proferido em 12 de outubro de 2016, deliberou nos seguintes termos: «Face ao exposto, julga-se procedente o recurso interposto, reconhece-se a existência de contratos de trabalho entre Autores/recorrentes e a Ré /recorrida. Em consequência revoga-‑se a sentença recorrida, devolvendo os autos ao tribunal recorrido a fim de apreciar os créditos laborais em dívida decorrentes dos contratos de trabalho que vigoraram entre Autores e Ré.» Deste acórdão foi interposto recurso de revista pela Ré.

    Neste Supremo Tribunal de Justiça, por despacho do Relator de 8 de março de 2017, só foi admitido o recurso relativamente à 4.ª autora DD e, apreciado este, foi proferido acórdão em 21 de setembro de 2017 a determinar a remessa dos autos ao Tribunal da Relação para suprir a insuficiência da matéria de facto e julgar novamente a causa.

    Descidos os autos, a apontada insuficiência da matéria de facto foi suprida pelo Tribunal de 1.ª Instância nos termos constantes de fls. 1295-1299 e, remetidos os autos, de novo, ao Tribunal da Relação de Lisboa, foi a causa novamente julgada por acórdão de 11 de julho de 2018, nestes termos: «Face ao exposto, reconhece-se a existência de contrato de trabalho entre a Autora DD e a Ré / recorrida, a partir de 1 de abril de 2003, devendo os créditos laborais em dívida decorrentes do referido contrato de trabalho serem apurados em incidente de liquidação.» Não se conformando com esta decisão, veio a Ré interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «1. Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido a fls. dos autos, o qual, revogou a sentença proferida pela 1.ª instância, considerando que existia um Contrato de Trabalho celebrado entre a Recorrente e a Recorrida.

  2. O referido acórdão, salvo o devido, respeito, é ilegal e o presente recurso merece franco provimento, como se demonstrará.

  3. O Acórdão de que ora se recorre justi[fica] a sua decisão pela aplicação aos presentes autos da presunção de laboralidade constante do artigo 12° do Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.° 7/2009, de 12 de fevereiro, conforme está transcrito no corpo das presentes Alegações de Recurso.

  4. Com interesse para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos: • Por escrito datado de 02/01/20008, intitulado "CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS", a Ré admitiu o 1º Autor para desempenhar funções de Instrutor de …, …, …, mediante o pagamento de € 8,50 à hora, a efetuar no final de cada mês depois de apurado o número de horas prestadas.

    • Por escrito datado de 01/02/2002, intitulado "CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS", a Ré admitiu o 2.º Autor para desempenhar funções de Instrutor de …, Lisboa, mediante o pagamento de € 9,50 por aula enquanto Instrutor de Natação e € 6,50 por hora enquanto Nadador Salvador, a efetuar no final de cada mês depois de apurado o número de horas prestadas.

    • Por escrito datado de 01/07/200, intitulado "CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS", a Ré admitiu o 3º Autor para desempenhar funções de Instrutor de …, Lisboa, mediante o pagamento de € 9,50 por cada aula de Hidroterapia e de € 14,90 por cada aula de Postura, sendo o pagamento efetuado no final de cada mês depois de apurado o número de horas prestadas.

    • A Ré admitiu a 4.ª Autora para ministrar aula na ..., Lisboa, a partir de 1 de abril de 2003, pelo prazo de um ano, automaticamente renovável, mediante o pagamento de € 17,50 por cada aula ministrada, tendo ambos para o efeito o escrito de fls. 1276-1278, cujo teor se dá por reproduzido a íntegra.

    • Os Autores utilizavam equipamentos e instrumentos da Ré.

    • Os Autores ministravam as aulas em horários definidos pela Ré.

    •Aos Autores foi ministrada formação.

    •Os Autores comunicaram o período de férias à Ré.

    • O 2.° Autor, por carta datada de 29/07/2013, comunicou à Ré o que consta da missiva de fls. 45 dos autos, cujo teor se reproduz na íntegra.

    • Em consequência do supra descrito em 1), os Autores emitiram à Ré os recibos verdes juntos aos Autos.

    • A Ré não pagava subsídios de férias e Natal aos Autores.

    • Nas ausências dos Autores, a Ré providenciava, se necessário, pela sua substituição.

  5. Ainda foi referido que os Autores estavam sujeitos a orientações gerais e sugestões dadas por instrutores ou coordenadores.

  6. O acórdão de que se recorre, para aplicar a presunção de laboralidade constante do artigo 12.º do Código do trabalho de 2009, refere que não foi sequer posta em causa a aplicação da presunção estabelecida no artigo 12.° do CT/2009, pelo que a questão essencial em apreciação é assim a de saber se pode presumir que, através da prova efetuada pelos Autores dos factos integradores da aludida presunção, existem contratos de trabalho.

  7. Não descortina a Recorrente o que será, nos termos do Acórdão de que ora se recorre, "pôr em causa", até porque na sentença proferida pela primeira instância, foi entendido que a legislação aplicável seria o Código do Trabalho de 2003 e a ora Recorrente discordou, quer no corpo das suas contra-alegações ao recurso de apelação interposto pelos ora recorridos, que em sede conclusões do mesmo articulado, da aplicação do regime do Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei 7/20009, de 12 de fevereiro.

  8. Salvo o devido respeito, a presunção contante do artigo 12.° do Código do trabalho, na versão aprovada pela Lei n.° 7/2009, de 12 de fevereiro é, precisamente, a legislação que não pode ser aplicada.

  9. De acordo com o disposto no n.° 1 do artigo 7.° da Lei n.° 7/2009, de 12 de fevereiro (que aprovou aquele que se convencionou designar por Código do trabalho revisto), ficavam sujeitos ao regime do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.° 7/2009, os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho celebrados ou adotados antes da entrada em vigor da referida lei, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento.

  10. O regime constante desta norma acolhe o regime comum de aplicação da lei do tempo constante do n.° 2 do artigo 12.º do Código Civil, que estatui que quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhe deram origem, entender-se-á que a lei abrande as próprias relações já constituídas que subsistiram à data da sua entrada em vigor.

  11. Sobre esta norma, [cfr.] Oliveira Ascensão (in O Direito, Introdução e Teoria Geral, Uma Perspetiva Luso-Brasileira, 10.a edição revista, Almedina, Coimbra, 1997, p.489) pronuncia-se nos seguintes termos: «A lei pode regular efeitos como expressão duma valoração dos factos que lhe deram origem: nesse caso aplica-se só aos novos factos. Assim, a lei que delimita a obrigação de indemnizar exprime uma valoração sobre o facto gerador da responsabilidade civil; a lei que estabelece poderes e vinculações dos que casam com menos de 18 anos exprime uma valoração sobre o casamento nessas condições; pelo contrário, pode a lei atender diretamente à situação, seja qual for o facto...

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