Acórdão nº 27881/15.0T8LSB-A.L1.A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução15 de Janeiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc. 27881/15.0T8LSB-A.L1-A.S1 R-697[1] Revista Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, divorciada, de nacionalidade espanhola e residente em Madrid, propôs, em 2015, uma acção declarativa com processo especial, ao abrigo do disposto no artigo 1002º do Código de Processo Civil, contra: BB, casado, de nacionalidade portuguesa, residente em Lisboa, tendo peticionado que o Tribunal a quo [o processo corre termos pelo Juízo Central da Comarca de Lisboa – Juiz 10] regulasse o uso da fracção autónoma em causa nos autos, por se tratar de bem comum segundo o regime de bens do casamento, ao qual seria aplicável o regime da compropriedade, “de forma alternada, cabendo um mês a cada um, ou estabelecendo-se outra rotação que o Tribunal considere mais adequada”.

O Réu contestou a acção, por impugnação e por excepção, invocando, neste âmbito e no que aqui releva, a excepção de incompetência absoluta, por falta de competência internacional dos tribunais portugueses, por a acção de divórcio ter corrido e a acção de inventário correr termos em Espanha, onde as medidas de administração dos bens comuns do casal, na sua perspectiva, deveriam ser apreciadas, já que se trata de matéria de regime de bens do casamento, e onde a Autora já solicitou tais medidas, as quais lhe foram negadas.

O Réu invocou, ainda, a prejudicialidade, em relação à presente acção, da decisão proferida no processo de inventário a correr termos em Espanha.

Por despacho de 21 de Setembro de 2016, foi ordenada a suspensão do processo até decisão final do processo de inventário a correr termos em Espanha.

Tendo sido proferida decisão definitiva sobre a formação do inventário neste último processo – e apesar de inexistir decisão sobre o procedimento de liquidação e partilha da comunhão conjugal -, a Autora veio requerer o levantamento da suspensão decretada.

O Réu opôs-se ao levantamento da suspensão requerida e, em qualquer caso, renovou a dedução da excepção de incompetência internacional, alegando que deveria ser logo absolvido da instância por a Autora não ter pedido a revisão e reconhecimento da decisão proferida no processo de inventário, nos termos do Código de Processo Civil, por o Regulamento EU 1215/2012, de 12 de Dezembro, não ter aplicação ao caso por força do disposto na alínea a) do n.º 2 do seu artigo 1.º.

Findos os articulados, por despacho datado de 14 de Dezembro de 2017 (ref.ª Citius 371738137), foi decidido (cf. fls. 106 verso e 107): - julgar improcedente a exceção da incompetência absoluta; - notificar a Autora, para, no prazo de 20 dias, dar cumprimento ao disposto no art.º 37º do Regulamento (UE) nº 1215/2012.

*** Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o Réu, para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo que seja dado provimento à apelação com a consequência de: (i) ser revogada a decisão recorrida, julgando-se procedente a excepção de incompetência internacional dos Tribunais Portugueses para conhecer da presente acção e absolvendo-se o Recorrente da instância; (ii) ou, caso assim não se entenda, ser suspensa a instância e determinado o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia (doravante TJUE), para ser confrontado com a questão prejudicial da interpretação da excepção ao âmbito de aplicação do Regulamento (EU) 1215/2012, de 12 de Dezembro, prevista na alínea a) do n.º 2 do art.º 1º desse Regulamento (iii); ou, caso assim não seja entendido, ser revogada e substituída por outra a decisão recorrida que, por um lado julgue procedente a excepção de incompetência em razão da matéria, absolvendo o Recorrente da instância e, por outro, revogue a decisão recorrida na parte em que considerou os tribunais espanhóis a propósito da natureza de bem comum da fracção autónima em causa sujeita ao reconhecimento automático do Regulamento n.º 1215/2012. (cfr. fls. 133 a 134).

*** O Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 24.7.2018, complementado com o Acórdão da Conferência de 25.10.2018, julgou improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida “embora com diferentes fundamentos.

” *** Inconformado o Réu recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça, e alegando, formulou as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso de revista interposto do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.05.2018 que confirmou – embora com diferente fundamentação – a decisão proferida pelo Tribunal de l.ª Instância de julgar improcedente, por um lado, a excepção de incompetência internacional dos Tribunais Portugueses e, por outro, a excepção de incompetência em razão da matéria do Tribunal de 1ª Instância (invocada, naturalmente, a título subsidiário): b) Recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão sobre competência absoluta do Tribunal 2. A decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa no que toca à competência dos Tribunais Portugueses para conhecer da presente acção – em razão das regras de competência internacional e em razão da matéria – (susceptível de recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.°2 do artigo 629.° e na alínea a) do n.°2 do artigo 671.°, ambos do Código de Processo Civil; c) Recurso de revista quanto à decisão relativa à incompetência absoluta em razão das regras de competência internacional i. Nulidade por contradição entre a decisão recorrida relativamente à competência internacional e os seus fundamentos 3. Para sustentar a decisão de confirmação da competência internacional dos Tribunais Portugueses para conhecer a presente acção, o Tribunal a quo reconheceu – e bem! – (i) que os Tribunais Espanhóis são competentes para conhecer e julgar o processo de formação e liquidação de inventário conjugal, (ii) que o “pedido formulado nos presentes autos constitui, como bem sustenta o Recorrente, uma medida de administração de um bem incluído na comunhão conjugal (segundo a Autora, e (iii) que a medida de administração requerida pela Recorrida nos presentes autos deveria ter sido formulada nesse processo de inventário (cfr. página 34 do Acórdão recorrido); 4. Todavia, e não obstante reconhecer que os Tribunais Espanhóis são internacionalmente competentes para conhecer do pedido formulado pela Recorrida nos presentes autos, e que este constitui uma medida de administração de um bem incluído na comunhão conjugal, o Tribunal a quo acaba por concluir, contraditoriamente, que verifica, in casu, “o factor princípio da coincidência entre a competência internacional e a competência interna referido na alínea a) do artigo 62.º do Código de Processo Civil” (cfr. página 34 do Acórdão recorrido); 5. Salvo o devido respeito, se os Tribunais Espanhóis são competentes para conhecer e julgar o processo de formação e liquidação de inventário conjugal, incluindo para a medida de administração, que, tal como afirmado pelo Tribunal a quo, está em causa nos autos, então ter-se-á de concluir que os Tribunais Portugueses não têm competência internacional para conhecer da presente acção; 6. Em face do supra exposto, e salvo melhor opinião, verifica-se que a decisão recorrida padece, neste ponto em específico, de nulidade por contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos, nos termos do disposto na alínea c) do n.°1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, o que, desde já, se INVOCA para todos os efeitos legais; ii. (Em qualquer caso) Erro na aplicação do Direito da decisão recorrida relativamente à incompetência absoluta dos Tribunais Portugueses por violação das regras de competência internacional 7. Sem prejuízo da nulidade acima invocada, a verdade é que a decisão que julgou improcedente a excepção da incompetência dos Tribunais Portugueses é, salvo melhor opinião, ilegal; 8. De facto, e considerando – como bem decidiu o Tribunal a quo – que o Regulamento n.°1215/2012 não se aplica ao caso concreto, há que recorrer ao regime interno de competência internacional previsto nos artigos 62.° e 63.° do Código de Processo Civil para aferir se os Tribunais Portugueses têm competência para conhecer a presente acção, ao abrigo do disposto no artigo 59.° do Código de Processo Civil; 9. O Tribunal a quo sufraga que os Tribunais Portugueses seriam internacionalmente competentes para conhecer a presente acção porquanto se verificariam, in casu, as alíneas a) (princípio da coincidência) e c) (princípio da necessidade) do artigo 62.° do Código de Processo Civil (cfr. páginas 34 e 35 do Acórdão recorrido); 10. Sucede, porém, que, salvo o devido respeito, a decisão proferida pelo Tribunal a quo não tem qualquer fundamento, na medida em que os Tribunais Portugueses também não são competentes para conhecer a presente acção à luz das regras internas previstas no Código de Processo Civil; 11. Em primeiro lugar, e ao contrário do que sufraga o Tribunal a quo, não se encontram verificados os pressupostos de aplicação da alínea a) do artigo 62.° do Código de Processo Civil que consagra o denominado critério da coincidência; 12. De acordo com o princípio da coincidência, os Tribunais Portugueses apenas são internacionalmente competentes para conhecer uma determinada acção plurilocalizada quando essa mesma acção possa ser proposta em Portugal de acordo com as regras específicas de competência territorial consagradas nos artigos 70.° a 79.° do Código de Processo Civil; 13. E note-se que, para efeitos de apuramento do princípio da coincidência previsto na alínea a) do artigo 62.° do Código de Processo Civil, apenas se chamam à colação normas específicas previstas nos artigos 70.° a 79.° do Código de Processo Civil, mas já não as normas gerais estipuladas nos artigos 80.° a 82.° do Código de Processo Civil – domicílio do réu (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.07.2013, Processo n.°372/12.0TBTVD.L 1-6, disponível em www.dgsi.pt); 14. A este propósito, importa salientar que, ao contrário do que sucedia com o regime processual Português anterior à Lei n.°52/2008, de 28 de Agosto, actualmente, não basta que o...

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