Acórdão nº 2312/16.2T8FNC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Dezembro de 2018
Magistrado Responsável | MARIA DA GRAÇA TRIGO |
Data da Resolução | 19 de Dezembro de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. Massa Insolvente de AA, S.A.
, e Massa Insolvente BB, S.A.
, ambas com sede em Portugal, instauraram, em 29 de Março de 2016, a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra CC International, com sede na Irlanda, pedindo que: a) Seja declarada a prática de abusos de posição dominante pela R., ao abrigo do artigo 6° da Lei n° 18/2003, de 11 de Junho (correspondente ao artigo 11° da Lei nº 19/2012, de 8 de Maio) e do artigoº 102º do Tratado de Funcionamento da União Europeia; b) Seja declarada a prática de abusos de dependência económica pela R., ao abrigo do artigo 7° da Lei n° 18/2003, de 11 de Junho (correspondente ao artigo 12° da Lei n° 19/2012, de 8 de Maio); c) Seja a R. condenada a pagar à AA, nos termos discriminados, a quantia de € 39.068.150,95, acrescidos de juros moratórios à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento; e d) Seja a R. condenada a pagar à BB, nos termos discriminados, a quantia de € 1.035.081,31, acrescidos de juros moratórios contados à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento.
Fundam o seu pedido nos comportamentos alegadamente abusivos por parte da R. CC e que se consubstanciam em: - Proibição de exportações para outros Estados-Membros da União Europeia, no quadro do contrato de distribuição que vigorava entre a AA e a R.; - Apropriação do cliente DD e das vendas online, retirando a R. às AA. a parte mais lucrativa dos contratos de distribuição que vigoravam entre as partes; - Imposição de obrigações suplementares aos contratos de distribuição que vigoravam entre as partes, como seja o despedimento e afastamento de colaboradores da AA, a imposição da venda dos APRs da BB, bem como o despedimento de pessoal associado a esses APRs da BB; - Definição unilateral dos preços e descontos pelos quais a AA deveria passar a vender produtos da R. aos grandes retalhistas, imposição de encomendas e atrasos nas entregas, definição de quantidades a fornecer aos clientes, recusa de venda de bens e abusos nos serviços de reparação e manutenção; - Exclusão da AA do mercado, decorrente do facto de a R. ter colocado termo, de forma ilícita e unilateral, à sua relação comercial com a AA, com os consequentes lucros cessantes e despedimento de pessoal daquela A..
Foi proferida pelo tribunal de 1ª instância a seguinte decisão: “Caso Julgado/Incompetência internacional dos tribunais portugueses A ré começa por invocar na sua contestação a excepção de caso julgado, tendo em conta a decisão proferida no processo nº 135/12.7TCFUN, da … Secção das Varas de Competência Mista do ….
A excepção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa depois de a primeira já ter sido decidida por sentença que não admite recurso ordinário e visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (artigoº 580º, nºs 1 e 2 do C.P.C).
O caso julgado fundamenta-se em razões de segurança e certeza jurídicas.
Efectivamente, as autoras instauraram acção ordinária contra a aqui ré, a qual correu termos como processo nº 135/12.7TCFUN, da … Secção das Varas de Competência Mista do …, a qual terminou com a absolvição da instância da ré, por se ter julgado procedente a invocada excepção dilatória de incompetência internacional dos tribunais portugueses, decisão que veio a ser confirmada pelo Tribunal da Relação de … e pelo Supremo Tribunal de Justiça, tendo transitado em julgado.
Com efeito, nesse processo instaurado em 2012 pela AA, S.A. e pela BB, S.A., contra CC International, peticionavam as autoras (cfr. p.i. junta aos autos a fls. 1205 a 1278): a) Que fosse declarada a prática de abusos de posição dominante pela R., ao abrigo do artigo 6.° da Lei n.° 18/2003, de 11 de Junho e do artigo 102.° TFUE; b) Que fosse declarada a prática de abusos de dependência económica pela R., designadamente da imposição do contrato AD Agreement, celebrado contra disposição imperativa da lei, proibido ao abrigo do artigo 7.° da Lei n.° 18/2003, de 11 de Junho; c) Que fosse a Ré condenada a pagar à AA a quantia de € 39.183.667,40, acrescidos de juros moratórios à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento e; d) Que fosse a Ré condenada a pagar à BB a quantia de €1.042.791,76, acrescidos de juros moratórios contados à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento.
As autoras alegavam nessa acção que o peticionado se fundava na responsabilidade civil extra-contratual subjectiva, tendo em conta que a ré alegadamente tinha praticado uma série de actos que consubstanciam práticas restritivas da concorrência, em concreto, práticas abusivas de posição dominante e práticas abusivas de posição dominante e práticas abusivas de dependência económica, previstas nos artigos 6º e 7º da LdC e no artigoº 102º do TFUE.
Esses comportamentos abusivos mostram-se sumariamente descritos nos artigos 529º a 544º da petição inicial apresentada pela autora naquele processo, que infra se transcrevem: • artigoº 529º: “A AA era informada pela CC dos preços e descontos que esta decidira ou negociara com os clientes da AA, não restando a esta última qualquer opção senão aplica-los”; • artigoº 530º: “A imposição de um contrato “leonino”, com o súbito, sem precedentes e extraordinário decréscimo das margens de lucro concedidas à AA, e as demais alterações das condições comerciais, nos termos supra descritos, sem que tais modificações fossem objectivamente justificadas nem correspondessem proporcionalmente às alterações das obrigações e à natureza da relação entre as partes, constitui uma imposição unilateral de um preço iníquo como condição para a continuação da relação comercial entre as duas empresas”; • artigoº 531º: “Estas imposições, bem como todo o conjunto de práticas em seu torno, tiveram por propósito e por efeito tornar economicamente inevitável o negócio da AA, excluindo-a do mercado, e, no entretanto, maximizar a margem de lucro da CC”; • artigoº 532º: “A CC procurava também impor uma disciplina de preços ao nível retalhista, esforçando-se por impedir importações paralelas de produtos que permitissem aos retalhistas oferecer produtos abaixo dos preços definidos pela CC para o mercado português”; • artigoº 533º: “A CC pressionava repetidamente a AA a submeter encomendas de produtos, contra a sua vontade, e permitia-se entregar produtos com grandes atrasos que inviabilizavam o seu escoamento pela AA, em especial quando essas entregas eram feitas em cima do lançamento de um novo modelo do mesmo produto e sem o benefício de protecção de preço; • artigoº 534º: “Quanto à repartição de mercados ou de fontes de abastecimento (alínea d) do nº 1 do artigo 4º da LdC), a CC determinava unilateralmente, como se referiu, não só a quantidade de produtos que fornecia à AA, como ainda as quantidades que deviam ser distribuídos pelos dois canais (Retail e Prosumer) e as quantidades precisas a serem distribuídas pelos principais clientes. Daqui resultou necessariamente uma pré-determinação e limitação pela CC da quota de mercado da AA, ao nível grossista, bem como das quotas de mercado dos grandes e pequenos retalhistas, que não podiam concorrer tão agressivamente quanto desejariam e quanto a AA lhes poderia permitir que fizessem”; • artigoº 535º: “Em acréscimo, a CC manteve uma política rigorosa e inflexível de repartição dos mercados nacionais da União Europeia, protegendo ilicitamente os territórios atribuídos a cada distribuidor, inviabilizando em geral as exportações pela AA para outros Estados membros e intervindo directamente para impedir a realização de negócios concretos além-fronteiras”; • artigoº 536º: “A decisão unilateral e injustificada, da CC de se apropriar do principal cliente da AA, a DD, bem como das vendas online em Portugal constituem igualmente abusos desse tipo”; • artigoºs 537º a 539: “Quanto à aplicação, sistemática ou ocasional, de condições discriminatórias de preço ou outras relativamente a prestações equivalentes (alínea e) do nº1 do artigoº 4º da LdC, e alínea c) do artigo 102º do TFUE), a CC obrigou sistematicamente a AA a passar aos seus clientes condições discriminatórias por si decididas, tanto no que respeita ao tratamento preferencial das suas lojas especializadas (APRs), como no que respeita à limitação dos produtos que podiam ser disponibilizados aos retalhistas e à imposição de tratamentos preferenciais injustificados entre grandes clientes, tendo ainda repetidamente dado tratamento preferencial à sua Online Store em termos que inviabilizam a concorrência pela AA, nos termos supra referidos”; • artigoº 540º: “Quanto à recusa, directa ou indirecta, da compra ou venda de bens (alínea f) do n° 1 do artigo 4.°da LdC) e à limitação da distribuição dos investimentos (alínea c) do n° 1 do artigo 4.° da LdC e alínea h) do artigo 102.° do TFUE), a CC recusou injustificadamente fornecer certos produtos a determinados grandes cientes da AA, obrigando esta a recusar as suas encomendas ou mesmo a pôr termo às relações comerciais”; • artigoº 541º: “Em relação à subordinação da celebração de contratos à aceitação de obrigações suplementares que, pela sua natureza ou segundo os usos comerciais, não tenham ligação com o objecto desses contratos (alínea g) do n° 1 do artigo 4. da LdC, e alínea d) do artigo 102.° do TFUE), a CC impôs várias condições para manutenção da relação comercial com a BB e a AA que não só não são usuais, como vão muito para além da fronteira de uma relação aceitável entre empresas independentes.
• artigoº 542º: “Assim, a CC tinha por hábito ordenar à AA que nomeasse ou demitisse trabalhadores e mesmo o seu administrador”; • artigoº 543º: “Recentemente a CC obrigou a BB a vender as lojas de retalho de produtos CC (APRs) que detinha, em condições que sabia que seriam necessariamente muito desvantajosas comercialmente”; • artigoº 544º: “Quanto à ruptura injustificada, total ou parcial, de uma relação comercial estabelecida (alínea b) do nº 2 do artigo 7º da LdC), a...
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