Acórdão nº 1376/16.3T8CSC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelRIBEIRO CARDOSO
Data da Resolução09 de Janeiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1]) ([2]) 1 - RELATÓRIO AA intentou contra BB, S.A, a presente ação, pedindo que seja:

  1. Reconhecida a relação estabelecida entre si e a R. entre 15 de agosto de 2007 e 28 de maio de 2015 como consubstanciando um contrato de trabalho, por ali trabalhar em exclusividade durante todo o período de duração do contrato; b) A R. condenada a pagar-lhe os montantes correspondentes à retribuição de maio/junho de 2015, bem como os montantes correspondentes a subsídios de natal e subsídios de férias, no período indicado na alínea anterior, proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal, respeitantes a 2015, tudo no montante de € 29.021,93 (vinte e nove mil, vinte e um euros e noventa e três cêntimos), acrescidos dos respetivos juros moratórios vencidos, os quais ascendem presentemente a € 3.896,73 (três mil oitocentos e noventa e seis euros e setenta e três cêntimos), e bem assim os juros moratórios vincendos, até efetivo e integral pagamento; c) Julgada ineficaz a cessação do contrato de trabalho, por decisão unilateral pela R. e, em substituição da reintegração, ser esta condenada a pagar-lhe uma indemnização não inferior a € 16.029,65 (dezasseis mil, vinte e nove euros e sessenta e cinco cêntimos), acrescida dos juros moratórios que se vierem a vencer desde a citação até efetivo e integral pagamento.

    Como fundamento alegou que foi admitido ao serviço da R. em 15 de agosto de 2007 como instrutor de ginástica, funções que exerceu sob as ordens direção e fiscalização desta. Cumpria horário de trabalho, desempenhava as suas funções nas instalações da R., usava instrumentos desta e tinha de justificar e comunicar-lhe as ausências, a qual organizava a marcação das aulas e controlava a sua atividade. No dia 8 de maio de 2015 foi impedido de exercer as suas funções, tendo-lhe sido comunicada a cessação do contrato de trabalho com efeitos a 28.05.2015. Não lhe foram pagas as quantias peticionadas, nada tendo recebido de férias ou subsídio de férias.

    A R. contestou por exceção e por impugnação.

    Por exceção, defendeu que a pretensão do A. configura abuso do direito porquanto desempenhou as suas funções de 2007 a 2015 e nunca exigiu o seu enquadramento jurídico como seu trabalhador.

    Por impugnação, sustentou que não manteve com o A. qualquer relação laboral.

    Concluiu pedindo a sua absolvição do pedido e a condenação do A. como litigante de má-fé.

    O A. respondeu pugnando pela improcedência do pedido de litigância de má-fé e peticionando a condenação da R. como litigante de má-fé.

    Saneado o processo e realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença julgando a ação totalmente improcedente e absolvendo a R. do pedido.

    Inconformado, o A. apelou, requerendo a alteração da decisão sobre a matéria de facto, na sequência do que foi proferida a seguinte deliberação: «Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência revogar a sentença nos termos seguintes: - Modificar o ponto 59 do acervo fá[c]tico; - Reconhecer que a relação estabelecida entre o A. e a R. entre 15/08/2007 e 28/05/2015 consubstancia um contrato de trabalho; - Condenar a R. a pagar ao A. os montantes, a liquidar, correspondentes aos subsídios de férias e de Natal no período acima indicado e proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal respeitantes a 2015, bem como os 20 dias de Maio de 2015; - Condenar a R. a pagar ao A. uma indemnização em substituição da reintegração em montante a liquidar; - Absolver a R. do mais que vem pedido.

    Custas por ambas as partes, na proporção de 2/10 para o Apelante e 8/10 para a Apelada.

    Notifique.

    » Desta deliberação recorre a R. de revista para este Supremo Tribunal, impetrando a revogação do acórdão recorrido.

    O recorrido contra-alegou pugnando pela manutenção do julgado.

    Recebido o recurso e cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, o Exmº Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido da concessão da revista, repristinando-se a sentença da 1ª instância.

    Notificadas, as partes não responderam.

    Formulou a recorrente, após convite à sua síntese, as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([3]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal: ”

    1. Das normas jurídicas violadas I. Nos presentes autos discute-se a natureza jurídica do contrato que vigorou entre as partes, nomeadamente se este negócio jurídico seria um contrato de trabalho previsto no art. 1152° do Código Civil e art. 10º do Código de Trabalho aprovado pela Lei 99/2003 de 27 de Agosto, ou um contrato de prestação de serviços tal como previsto no art. 1154º do Código Civil.

      1. O Tribunal da Relação de Lisboa, face à matéria provada, considerou o regime aplicável à relação jurídica entre as partes a prevista no art. 1152º do Código Civil e art. 10º do Código de Trabalho, ou seja entendeu existir um contrato de trabalho.

        III. A Recorrente discorda deste entendimento por considerar que não foi realizada uma correta aplicação do direito aos factos provados, pois entende que o enquadramento jurídico deveria ter resultado na subsunção dos fa[c]tos ao regime do contrato de prestação de serviços previsto no art. 1154º do Código Civil.

        IV. Invoca-se, assim, o erro na determinação da norma aplicável, pois deveria ter sido aplicável o previsto no art. 1154º do Código Civil à relação jurídica dos autos, sendo esta a violação da norma jurídica que serve de fundamento ao presente recurso, ou seja, a do art. 1154º do Código Civil.

      2. Acresce que a Recorrente também discorda da aplicação do direito, no que diz respeito à presunção prevista no art. 12° do Código de Trabalho aprovado pela Lei 99/2003 de 27 de Agosto, nos termos do qual presume-se a existência de um contrato de trabalho quando se verifiquem cumulativamente os seguintes indícios: i. O prestador de trabalho esteja inserido na estrutura organizativa do beneficiário da atividade e realize a sua prestação sob as orientações deste; ii. O trabalho seja realizado na empresa beneficiária da atividade ou em local por esta controlado, respeitando um horário previamente definido; iii. O prestador de trabalho seja retribuído em função do tempo despendido na execução da atividade ou se encontre numa situação de dependência económica face ao beneficiário da atividade; iv. Os instrumentos de trabalho sejam essencialmente fornecidos pelo beneficiário da atividade; v. A prestação de trabalho tenha sido executada por um período, ininterrupto, superior a 90 dias".

        VI. A Recorrente discorda da aplicação deste normativo pois não resulta da matéria provada a verificação de todos os indícios previstos na presunção legal.

      3. Invoca-se, também, a violação do art. 342º nº 1 do Código Civil, pois ao não se verificar todos os indícios estabelecidos na presunção legal de laboralidade, ao Recorrido impendia o ónus de alegar e provar estarem preenchidos os elementos constitutivos do contrato de trabalho, através da demonstração dos pertinentes índices de laboralidade, mediante factos que os integrem, o que não logrou fazer, VIII. E bem assim, a violação do art. 350º do Código Civil, pois ainda que se verificassem os índices em questão estabelecidos na presunção do art. 12º, ainda assim, a Recorrente, conforme tudo o acima exposto, teria ilidido a presunção de laboralidade, ou seja, provado factos reveladores da existência de uma relação jurídica de trabalho autónomo.

      4. A Recorrente invoca, ainda, a violação do art. 607º nº 4 do CPC, por não ter sido levado em consideração na decisão recorrida factos provados por documentos juntos aos autos, designadamente, o facto de o Recorrido ter prestado a sua atividade a outras entidades que não a Recorrente, o que está provado pelas declarações de IRS juntas pelo Recorrido aos autos.

      5. Subsidiariamente, e sem conceder de tudo o alegado no presente recurso, a Recorrente invoca também a violação do art. 334º do Código Civil, pois ainda que (por absurdo) se considerasse verificada a relação laboral alegada pelo Recorrido, sempre se diria que o mesmo estaria a exercer o direito de vir exigir o pagamento das quantias peticionadas em manifesto abuso de direito, excepção peremptória impeditiva do direito alegado pelo Recorrido.

      6. Mais uma vez sem conceder, ainda que se considerasse a existência de uma relação laboral entre as partes, não podia a Recorrente ser condenada ao pagamento de créditos laborais, e indemnização nos termos em que decidiu o Tribunal da Relação, pois não foram considerados provados nos autos os valores auferidos pelo Recorrido, invocando-se, para este efeito, a violação do art. 609º, nº 2 do CPC.

      7. Por fim, sem conceder de todo o exposto no presente recurso, sempre deverá ser considerada que a interpretação do art. 12º do Código de Trabalho aprovado pela Lei 99/2003 de 27 de Agosto, realizada pelo Tribunal a quo no sentido de que o Recorrido beneficia a seu favor de uma presunção de existência de contrato de trabalho sempre violaria o princípio da igualdade consagrado no art. 13° da Constituição da República Portuguesa, XIII. Invocando-se a violação do art. 13º da CRP, e a interpretação que é realizada ao art. 12º do Código de Trabalho aprovado pela Lei 99/2003 de 27 de Agosto nos termos acima referidos.

    2. Do Recurso XIV. O Tribunal da Relação deveria ter tido diferente entendimento no que diz respeito à caracterização da natureza do vínculo laboral entre a Recorrente e o Recorrido, pois na verdade, salvo melhor opinião, não fez a correta subsunção jurídica da matéria provada.

      1. O art. 12º do Código de Trabalho aprovado pela Lei 99/2003 de 27 de Agosto, na versão originária (com a retificação nº 15/2003 de 28 de Outubro) estabelecia que: "Presume-se que as partes celebraram um contrato de trabalho sempre que, cumulativamente: a) O prestador de trabalho esteja inserido na estrutura organizativa do beneficiário da atividade e realize a sua prestação sob as orientações deste; b) O trabalho...

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