Acórdão nº 3696/16.8T8VIS.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelANA PAULA BOULAROT
Data da Resolução08 de Janeiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I M e C, instauraram acção de processo comum contra Z, V e CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, SA, pedindo, a título principal, a condenação dos Réus: i) a reconhecerem que os Autores são donos e legítimos possuidores da fração autónoma designada pela letra A, correspondente a casa número um composta de rés do chão, andar, destinada a habitação correspondente ao lado direito do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, descrito na conservatória do Registo Predial de Tarouca sob o nº quatrocentos e sessenta e um, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 615; ii) a reconhecerem que receberam a quantia de € 65.000,00 pela venda da referida fração, tendo assumido a obrigação de cancelamento da hipoteca; iii) a restituírem os referidos € 65.000,00 por incumprimento da obrigação assumida quanto ao cancelamento da hipoteca. Subsidiariamente solicitaram ainda os autores a condenação da ré “Caixa Geral de Depósitos”: i) a juntar aos autos a avaliação feita à fração B “do prédio em referência”; ii) a reconhecer que a hipoteca efectuada em 17/12/2004 não corresponde à realidade fáctica, devendo proceder ao seu cancelamento e à constituição de nova hipoteca que incida apenas sobre a referida fracção B.

Para tanto, alegaram que adquiriram adquirido à primeira Ré uma fracção autónoma, pelo preço de € 65.000,00, tendo aquela e o Réu marido assumido a obrigação de procederem ao distrate e cancelamento de hipoteca que sobre a mesma incidia. No entanto, contrariamente à obrigação assumida, os Réus recusam-se a diligenciar pelo cancelamento da referida hipoteca.

Os Réus contestaram, tendo a Ré CGD confirmado a celebração do mútuo bancário invocado, considerando ainda que o pedido subsidiário formulado pelos Autores, pelo qual pretendem alterar a hipoteca constituída sobre o imóvel em discussão nos autos, não é legalmente admissível, visto que a hipoteca constituída sobre um terreno estendesse às edificações posteriormente nele incorporadas. Assim, pugnando pela improcedência da acção, concluindo pela improcedência da acção.

Em sede de pedido reconvencional, os Réus solicitaram a condenação dos Autores no pagamento da quantia de € 65.000,00 estipulada para a aquisição da fracção, acrescida de juros, concluindo pela improcedência da acção e pela condenação dos Autores condenados como litigantes de má-fé por usarem a via judicial para obterem a titularidade do imóvel, sem o pagamento do respectivo preço.

Os Autores apresentaram réplica na qual, no essencial, impugnaram a matéria da reconvenção, reiterando que os Réus receberam a quantia de € 65.000,00 mas não cancelaram a hipoteca, embora tenham chegado a constituir mandatário para o efeito, concluindo no mais como na Petição Inicial.

Veio a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente e procedente o pedido reconvencional, tendo absolvido os Réus do pedido e condenado os Autores/Reconvindos a pagarem aos Réus Reconvintes a quantia de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa de 4%, desde a data da notificação da contestação.

Inconformados os Autores interpuseram recurso de Apelação, o qual veio a ser julgado procedente, tendo sido revogada a sentença e julgado improcedente o pedido reconvencional dele se absolvendo os Autores e indeferido o pedido de condenação destes como litigantes de má-fé.

Irresignados com este desfecho, recorrem agora os Réus, de Revista, apresentando o seguinte acervo conclusivo, no que ao thema decidendum diz respeito: - Os aqui Recorridos por não se conformarem com a Douta decisão, dela vieram interpor recurso de apelação.

- Entenderam os Autores que a Meritíssima Juiz fez uma incorreta interpretação dos factos e do direito, nomeadamente na consubstanciação entre os factos e o direito inerente e na omissão sobre questões que deveria apreciar, apreciando e julgando no sentido oposto às pretensões dos ora apelantes, atuando incorretamente na questão aa interpretação das normas jurídicas relativamente a todos os factos carreados para os autos.

- Pelo que não se conformaram quanto à apreciação da matéria de facto e a sua subsunção ao direito da forma como foi interpretada e, consequentemente pretendiam os Autores apresentar recurso quanto à matéria de direito aplicada aos factos que compõem ou sustentam a presente discórdia.

- Os Autores apresentaram as suas conclusões, pelo que o seu recurso ficou delimitado por essas mesmas conclusões.

- Por sua vez, os aqui Réus pugnaram, em resposta, pela confirmação da decisão, considerando que o Tribunal " a quo" apreciou de forma criteriosa e correta toda a prova carreada para os autos, não merecendo a decisão qualquer censura.

- Com efeito, no recurso interposto, não assiste razão aos Apelantes, desde já, pela falta de fundamento, uma vez que o referido Tribunal procedeu a uma correta aplicação do direito pela interpretação correta dos factos.

- Sucede que, o Tribunal da Relação de Coimbra, entendeu que o Tribunal de primeira instância não estava impedido de valorar livremente todos os meios de prova produzidos relativamente à alegação dos factos que revelavam que os Réus tinham agido em erro ao declararem o recebimento do preço, assim como a alegação de que o preço nunca foi pago, mas também o Tribunal de Recurso não está vedado de reavaliar essa prova, face à impugnação pelos Réus, da matéria de facto.

- O Tribunal da Relação contrariando toda a convicção do Tribunal de Primeira instância considerou que a Ré teve um depoimento muito apaixonado e prestado de uma forma quase dramática, não merecendo qualquer credibilidade, uma vez que ao longo do mesmo é notória a preocupação de manter um discurso de filha vitimizada que não é compatível com a realidade espelhada nomeadamente no facto dos Pais terem sido seus fiadores no empréstimo contraído quando tinha 21 anos de Idade.

- Ora, o Tribunal de primeira instância na motivação da decisão de facto ponderou as declarações de parte produzidas pela Ré Z, as quais, segundo este Tribunal configuraram um relato sincero e coerente, tendo, em grande parte, merecido corroboração nos outros meios de prova, designadamente na documental.

- Mais, o Tribunal de primeira instância também considerou que o depoimento do Réu V foi efetuado de forma sincera.

- Já quanto ao depoimento do Autor, para o Tribunal de Primeira instância, o mesmo não configurou qualquer declaração confessória, mas prestou um depoimento confuso, que, no essencial, não mereceu qualquer corroboração nos demais meios de prova.

- Ora, o Tribunal da Relação de Coimbra considerou que apesar de atabalhoado, este depoimento se mostrou mais conforme com a normalidade das coisas.

- E com base neste fundamento, o Tribunal da Relação de Coimbra, deu como não provados todos os factos impugnados pelos Autores, em sede de recurso, e com isso alterou toda a decisão de primeira instância, ao abrigo do artigo 662° n.º3 do Código do Processo Civil, julgando a apelação procedente e improcedente o pedido reconvencional, indeferindo o pedido de condenação dos Autores como litigantes de má fé.

- Acontece que o Tribunal da Relação não levou em linha de conta a convicção do Tribunal a quo quanto ao depoimento das restantes testemunhas e fez tábua rasa de toda a motivação da decisão de facto formada pelo Tribunal de primeira instância.

- Assim, e salvo melhor opinião, o Tribunal da Relação de Coimbra violou e errou na aplicação da lei ao processo.

- Desde logo, o Tribunal da Relação de Coimbra violou o artigo 205° da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 607° n.° 4 e 662 n.° 1 do Código do Processo Civil.

- Isto porque, o recurso da matéria de facto é um verdadeiro recurso e, como tal, para que proceda, importa que se possa concluir, com segurança, pela verificação do erro de julgamento de facto, não bastará ao Tribunal da Relação adquirir uma convicção probatória divergente da que foi adquirida em primeira instância para que seja alterada a decisão de facto da primeira instância, sendo necessário para tanto que o Tribunal da Relação esteja em condições de afirmar a existência de um erro de apreciação e valoração da prova por parte do Tribuna! de primeira instância, o que claramente não se verificou.

- A apreciação e valoração da prova é uma atividade dotada de alguma margem de variabilidade em função não só do concreto material probatório produzido, mas também por força do sujeito que efetua tal apreciação e valoração.

- O horizonte cognitivo e a experiência da vida de quem assiste à produção da prova têm um papel decisivo na aferição crítica da prova que vai sendo produzida e, além disso, o juiz que preside à audiência de discussão e julgamento, em primeira instância, e assiste à produção de prova perceciona dados relevantes para tal valoração que a gravação da audiência não faculta ao Tribunal da Relação.

- Daí que se imponha uma particular prudência no juízo do Tribunal da Relação sobre a verificação da existência de um erro na apreciação da prova determinante da alteração do julgamento da matéria de facto.

- Não bastará ao Tribunal da Relação adquirir uma convicção probatória divergente da que foi adquirida em primeira instância para que seja alterada a decisão de facto da primeira instância, sendo necessário para tanto que o Tribunal da Relação esteja em condições de afirmar a existência de um erro de apreciação e valoração da prova por parte do tribunal de primeira instância.

- O Tribunal da Relação de Coimbra, no caso em concreto, não fundamentou qual o erro de apreciação e valoração da prova, apenas referiu ter adquirido uma outra convicção em relação a todos os depoimentos e declarações de parte.

- A impugnação da matéria de facto é um verdadeiro recurso e, como tal, para que preceda, importa que se possa concluir, com segurança, pela existência de um erro no julgamento da matéria de facto.

- O recurso da matéria de facto não é um novo julgamento em que o Tribunal da Relação, sem imediação com a...

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