Acórdão nº 236/14.7T8PRT.P2.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução22 de Novembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Caixa BB, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 51.500,00, bem como os juros de mora sobre tal quantia já vencidos, no montante de €4.166,60, e vincendos até efectivo e integral pagamento.

Alegou, para tanto e em síntese, que a R. retirou de uma sua conta de depósito títulos no valor de € 51.500,00, contra a sua vontade e sem o seu conhecimento.

Contestou a R. invocando, em síntese, que a A. obteve, em 03/11/2009, o depósito de tais títulos em conta por si titulada com fundamento numa procuração de seu pai, co-titular de uma outra conta de depósito, e que, após ter constatado a ausência de intervenção da co-titular desta conta de depósito, “rectificou” a R. o erro por si cometido, consubstanciado no facto de ter aceitado uma procuração emitida por apenas um dos co-titulares de uma conta solidária.

A fls. 169 foi proferida sentença, que julgou a acção procedente e condenou a R. a pagar à A. a quantia de € 51.500,00, acrescida de juros moratórios, calculados à taxa legal, contados desde 25 de Maio de 2010.

Desta decisão interpôs a R. recurso para o Tribunal da Relação do …, o que ditou a sua anulação, ordenando-se a prolação de despacho pré-saneador, convidando a A. a aperfeiçoar a petição e seguindo-se os adequados trâmites processuais.

No cumprimento do decidido no acórdão da Relação, foi proferido despacho a convidar a A. a aperfeiçoar a petição inicial, o que fez (a fls. 245), com a subsequente resposta da R. (a fls. 252).

Por sentença de fls. 298 foi proferida a seguinte decisão: “Em face do exposto, julgo a presente acção procedente e, em consequência, condeno a Ré “Caixa BB” a pagar à Autora AA a quantia de € 51.500,00 (cinquenta e um mil e quinhentos euros), acrescida dos juros moratórios, calculados à taxa legal, contados desde 25 de Maio de 2010 e até efectivo e integral pagamento”.

Novamente inconformada, a R. apelou da sentença, pedindo a sua revogação e a consequente absolvição do pedido.

Por acórdão de fls. 323, o recurso foi julgado improcedente, confirmando-se, por unanimidade, a sentença recorrida.

  1. Veio a R. interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, por via normal e por via excepcional. Por decisão da relatora, o recurso não foi admitido por via normal. Por acórdão de fls. 406 da formação a que alude o nº 3, do art. 672º, do Código de Processo Civil, o recurso foi admitido por via excepcional.

  2. Formula a Recorrente as seguintes conclusões: [excluem-se as conclusões relativas à admissibilidade do recurso] “II - DO OBJECTO DO RECURSO 9. Importa analisar os seguintes factos provados, e como tal assentes, nos presentes autos: a) Em 23-11-2009, o pai da Autora revogou a procuração a favor desta emitida; b) A Ré procedeu à correcção (anulação) da transferência efectuada para a conta da Autora em 25-05-2010; c) Nesse mesmo dia, em resposta a reclamação avançada pela Autora, a Ré informou-a que havia efectuado a correcção do movimento referente à alteração da titularidade da conta de títulos, justificando que a procuração emitida em nome da Autora não conferia poderes para aquele acto, pois que, d) Em função da reclamação apresentada pelo pai da Autora, CC, entendeu a Ré que a procuração por aquele emitida a favor da Autora deveria ter sido emitida com intervenção e acordo expresso da co-titular DD, atento o regime de solidariedade das contas bancárias em causa; e) Tendo, em razão desse entendimento, a Ré procedido à (re)transferência das Obrigações de Caixa BB da conta titulada pela Autora, para uma nova conta titulada pelos identificados CC e DD.

  3. Resulta do exposto que, assente que seja que a procuração emitida a favor da Autora o deveria ter sido também com a intervenção e acordo expresso da sobredita DD, atento o regime de solidariedade das contas bancárias em causa, assoma como questão jurídica central saber se era lícito ao banco Réu anular a execução de uma ordem de transferência bancária ordenada pela Autora.

  4. Depósito solidário é aquele em que qualquer um dos credores/titulares da conta (ou autorizados por estes a movimentá-la nas mesmas condições em que aqueles podem fazê-lo), tem a faculdade de exigir por si só a prestação integral, ou seja, o reembolso de toda a quantia depositada e em que a prestação assim efectuada libera o devedor/banco depositário, para com todos eles. - cfr art. 512º do C.C.

  5. Tal como qualquer outra conta de depósito, seja ela singular ou plural, também a conta solidária firma, antes do mais, numa relação de confiança entre os titulares (depositantes) e o seu banco, mesmo porque sobre este impendem obrigações genéricas que não podem ser menosprezadas, destas se destacando, as relativas à lealdade e respeito consciencioso dos interesses dos seus clientes.

  6. No caso sub judice essa múltipla confiança foi posta em causa a partir do momento em que os titulares da conta de depósito nº 276.51.1443 (CC e DD) dirigiram à recorrente a carta/reclamação datada de 30/03/2010, através da qual põem em causa a legitimidade da procuração utilizada pela A., não sem que aí esgrimam o argumento da inexistência do acordo da co-titular DD naquele mesmo instrumento.

  7. Apreciado o teor desta comunicação, ademais subscrita por ambos os titulares da conta, permitiu-se a recorrente extrair as seguintes conclusões: Primum, que a relação de confiança, sem a qual a solidariedade não pode nascer nem subsistir, havia sido posta em causa; Secundum, que os titulares da conta, mas em particular a co-titular DD, não aceitavam qualquer procuração que não fosse outorgada por ambos e, Tertio, que tais factos não podiam deixar de ser do conhecimento da Autora.

  8. Confrontada com um tal quadro (de desavença, mas também de expressão clara de vontades), em cumprimento do dever de diligência que lhe é exigível, cuidou a recorrente de proceder à (re)transferência das Obrigações de Caixa, da conta titulada apenas pela A. (onde haviam sido depositadas por força da procuração indevidamente aceite) para uma conta, destarte titulada pelos identificados CC e DD.

  9. Pois que, caso assim a recorrente não o fizesse, aí sim, se veria na contingência de incumprir com as obrigações que sobre ela impendem, nomeadamente as que relevam para efeitos de neutralidade, lealdade e respeito consciencioso dos interesses que lhe estão confiados- vide arts. 73º, 74º e 76º do RGICFS, Continuando, 17. Associado ao contrato de abertura de conta bancária, pode surgir um conjunto de operações bancárias a envolver o banco e os respectivos clientes, como é o caso da transferência bancária ou transferência de conta 18. A transferência bancária, enquanto operação abstracta, é formada, na sua estrutura, por dois elementos: a ordem de transferência e a execução dessa ordem.

  10. Sendo perspectivada como um mandato, a transferência bancária pode ser revogada, enquanto não estiver consumada (artº 1170.º do Código Civil), com efeitos directos na esfera jurídica do beneficiário, que assim não disporá dos respectivos fundos.

  11. Mas, a transferência bancária efectuada por erro do banco, conhecido do beneficiário, é anulável, com os efeitos previstos no art.º 289.º do Código Civil.

  12. Revertendo ao caso concreto dos autos, verifica-se que a ordem de transferência, dada por escrito, foi posteriormente revogada pelo ordenante e apesar da revogação, que era admissível, o certo é que a transferência em...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT