Acórdão nº 4378/16.6T8VCT.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelCATARINA SERRA
Data da Resolução08 de Janeiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. RELATÓRIO Recorrente: AA, S.A.

Recorridos: BB BB, menor, representado por sua mãe, intentou acção declarativa de condenação contra AA, S.A.

, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia total de 39.987,50 euros, como indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que lhe advieram de acidente e da quantia que se apurasse em execução de sentença relativa à indemnização pelos danos futuros.

Proferiu-se sentença a julgar a acção parcialmente procedente, condenando-se a ré a pagar ao autor a quantia de 217,50 euros, a título de indemnização pelos danos patrimoniais, a quantia de 5.000,00 euros, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais e a quantia de 3.500,00 euros [1], a título de indemnização pelos danos futuros, absolvendo-se a ré quanto ao mais peticionado pelo autor.

Do assim decidido, interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães o autor e a ré.

No Acórdão de 7.06.2018, os juízes do Tribunal da Relação acordaram em julgar parcialmente procedente o recurso do autor, e improcedente o recurso da ré, e em consequência, alteraram a sentença, condenando a ré a pagar ao autor a quantia de 10.000,00 euros a título de dano patrimonial futuro e a quantia de 10.000,00 euros, a título de danos não patrimoniais[2], mantendo-se, no mais, o decidido.

É desta decisão que a recorrente vem agora interpor recurso de revista, pedindo que seja: 1.º) reapreciado o montante indemnizatório a título de danos morais, fixado em 10.000,00 euros e reduzido para o montante de 2.500,00 euros; e 2.º) o montante de 10.000,00 euros fixado a título de dano patrimonial futuro revogado na sua totalidade, em face da inexistência de prova que fundamente tal indemnização.

Alega a recorrente, em síntese, que o apelo a juízos de equidade para efeitos de quantificação de danos desempenha uma função meramente complementar e acessória, que tem em vista suprir eventuais insuficiências probatórias relativamente a danos provados mas relativamente indeterminados quanto ao seu preciso montante. Entende que, tendo em conta a matéria dada como provada, o Tribunal a quo não podia fixar a indemnização no montante que fixou.

* Aprecie-se, antes de mais, a admissibilidade do presente recurso.

Dispõe o n.º 3 do artigo 671.º do CPC que “[s]em prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância”.

É inequívoco que ambas as instâncias fixaram, a título de danos patrimoniais futuros e de danos não patrimoniais, uma obrigação de indemnização a cargo da ré / ora recorrente.

Acresce que, ao contrário do que defende a recorrente, a fundamentação das duas decisões não é essencialmente diversa, uma vez que ambas convocam, como também reconhece a recorrente, os mesmos critérios para a avaliação e a fixação do quantum indemnizatório, tanto destes danos como dos danos não patrimoniais. Quer dizer: não é o arbitramento de valores pecuniários diferentes, por aplicação daqueles critérios,[3] que representa uma “fundamentação essencialmente diversa” para os efeitos previstos no artigo 671.º, n.º 3, do CPC.

Verifica-se, assim, aparentemente, uma hipótese de dupla conforme.

Entende-se, no entanto, como relatado em Acórdão recente deste Supremo Tribunal[4], que a decisão não é absolutamente incindível mas sim composta de segmentos decisórios autónomos, devendo o critério da dupla conforme ser aferido relativamente a cada um.

Assim, não obstante a decisão impor à ré / ora recorrente uma obrigação de indemnização com um montante global, os segmentos respeitantes às parcelas delimitadas ou delimitáveis da indemnização, e que são, in casu, a dos danos patrimoniais futuros e a dos danos não patrimoniais, devem ser analisados separadamente para aqueles efeitos.

Quanto aos danos patrimoniais futuros, pede, como se viu, a recorrente que o montante fixado seja “revogado na sua totalidade em face da inexistência de prova que fundamente tal indemnização”.

O que resulta desta alegação, tanto implícita (do pedido: revogação total) como explicitamente (do argumento: inexistência de prova), é que a recorrente entende que não existem danos patrimoniais futuros.

Ora, ambas as instâncias deram por verificada a existência destes danos e fixaram, a esse título, uma obrigação de indemnização a cargo da ré / ora recorrente.

Em face da dupla conforme, ficaria este Tribunal impedido de conhecer do recurso quanto a este segmento da decisão.

Se se entender, no entanto, que, no pedido de revogação ou de redução a zero de certo montante, está contido um pedido de redução (i.e., alteração para um qualquer montante desde que inferior), poder-se-á ainda admitir o recurso.

Na realidade, o Tribunal de 1.ª instância e o Tribunal recorrido atribuíram valores diversos à indemnização por danos patrimoniais futuros (respectivamente 3.500,00 e 10.000,00 euros), não sendo, por isso, possível considerar, nem por aplicação do “critério da inclusão quantitativa”[5], que existe dupla conforme.

Quanto aos danos não patrimoniais (ou danos morais, como lhes chama a recorrente[6]), pede esta que o montante seja reapreciado e reduzido para o montante de 2.500,00 euros.

Aplicando o mesmo raciocínio à parte da sentença respeitante a estes danos, logo se conclui que tão-pouco se verifica dupla conforme, porquanto o valor fixado pelo Tribunal recorrido (10.000,00 euros) não pode considerar-se “quantitativamente incluído” no valor fixado Tribunal de 1.ª instância (5.000,00 euros).

Esclarecido isto, pode agora prosseguir-se para a análise do mérito do recurso, sendo o respectivo objecto delimitado por duas questões: 1.ª) Procedeu o Tribunal recorrido bem ao fixar o montante indemnizatório respeitante aos danos patrimoniais futuros em 10.000,00 euros? 2.ª) Procedeu o Tribunal recorrido bem ao fixar o montante indemnizatório respeitante aos danos não patrimoniais em 10.000,00 euros? II. FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido: 1. No dia 02 de Outubro de 2015, pelas 08:15h, o A. procedia ao atravessamento da ..., nesta cidade, no sentido Sul-Norte, através da respectiva passagem para peões, localizada em frente da Escola Secundária de ... da qual é aluno e para onde se dirigia para as aulas – devidamente assinalada e pintada no pavimento, pela cor branca, que ora se identifica através do croqui junto a fls. 15 verso, que se dá aqui por reproduzido.

  1. Tal via tem a largura de 7 metros, precisamente os mesmos que a referida passadeira tem de extensão.

  2. E um comprimento superior a 1 km, configurando uma recta.

  3. Aquela passadeira para peões localiza-se a cerca de 1/3 do comprimento daquele via, atento o sentido Nascente-Poente e a 2/3 em sentido inverso.

  4. Por isso, quem circula no sentido Poente-Nascente, a visualiza a mais de 500 metros de antecedência.

  5. Naquele mesmo dia e hora, o veículo com a matrícula -OT-, propriedade de BB e por si conduzido, circulava na mencionada ..., mas no sentido Poente-Nascente.

  6. Sucede que, naquele dia e hora, quando o A. havia já percorrido sensivelmente metade do comprimento daquela passadeira para peões que atravessa a ..., foi violenta, brusca e frontalmente embatido pela viatura OT.

  7. A qual lhe embateu na anca do lado esquerdo, o projectou para cima do capô e, nessa situação, percorreu cerca de 1.5 metros para além da referida passadeira, atento o sentido Poente-Nascente.

  8. Tendo após essa distância sua condutora imobilizado a viatura e o A. caído no pavimento, aí ficando estatelado.

  9. Com o impacto do choque, além de dor intensa, o A. ficou sem os óculos que usava, que igualmente foram projectados, tal como o telemóvel que transportava no bolso.

  10. A viatura OT ficou imobilizada a cerca de 0.70 cm da berma do seu lado direito, atento o seu sentido de marcha.

  11. O descrito acidente ficou a dever-se a pura distracção da condutora do OT.

  12. Tanto mais que o tempo estava bom e o local tem excelente visibilidade.

  13. Pelo que, caso conduzisse o OT com todas as precauções, até porque estava nas imediações de um estabelecimento de ensino, com vários alunos a ele se dirigirem, aquela hora, podia e devia ter evitado o relatado acidente.

  14. Do acidente, após reclamada a presença da PSP ao local, foi elaborada a competente Participação de Acidente de Viação – cfr. documento junto a fls. 15 verso, que se dá aqui por reproduzido.

  15. Ouvida a condutora do OT pela PSP, após o...

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