Acórdão nº 6115/08.0TBAMD.L1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelCATARINA SERRA
Data da Resolução19 de Dezembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO Recorrentes: Condomínio AA, n.º …, na ... et al.

Recorridos: AA e CC O Condomínio AA, n.º …, na ..., representado pelo Administrador da Propriedade Horizontal, DD, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum ordinário, contra AA e CC, residentes na Rue …, nº. …, …, França, deduzindo o seguinte petitório: a) Que se declare ser o sótão correspondente à cobertura do seu edifício uma parte comum a todos os condóminos ; b) Que os Réus sejam condenados a reconhecerem tal direito de propriedade dos condóminos ; c) Que se condenem os Réus a restituírem, de imediato, ao Autor, livre e desocupado, o sótão reivindicado.

Devidamente citados, vieram os Réus apresentar Contestação/Reconvenção, alegando, em súmula, o seguinte: “1. Que seja declarado que os espaços correspondentes às fracções dos terceiros andares esquerdo e direito AA, n.º … e …, ..., do concelho e freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..., foram adquiridos por usucapião pelos réus e, consequentemente, são donos e legítimos possuidores dos mesmos; 2. Quando assim se não venha a entender: a) que seja declarado que os réus adquiriram, por venda, o direito de uso, ocupação e fruição vitalício dos espaços correspondentes aos terceiros andares esquerdo e direito do prédio identificado supra; b) ou, pelo menos, que seja declarado que os vendedores atribuíram aos réus a ocupação, uso e fruição vitalício dos espaços correspondentes às fracções dos terceiros andares esquerdo e direito do prédio identificado supra; 3. que sejam os autores condenados a absterem-se de praticar actos que obstem ou impeçam a ocupação, uso e fruição, em exclusivo, por parte dos réus, das citadas fracções; 4. que seja declarado que na escritura de constituição da propriedade horizontal outorgada em 08.07.1977 no 11.º Cartório Notarial de Lisboa do Livro …, fls.37/38, tendo sido outorgante EE, passem a constar as fracções correspondentes aos terceiros andares esquerdo e direito, compostas, cada uma delas, por sala comum, quarto, casa de banho e cozinha; 5. Que os autores sejam condenados a pagarem aos réus o montante de 23.740,98 €, acrescido de juros legais a contar da notificação, por força do princípio do não locupletamento à custa alheia”.

Perante a reconvenção deduzida, apresentou então o Autor réplica, reafirmando a posição assumida na petição inicial, pugnando pela improcedência da reconvenção.

Foi admitida a intervenção principal provocada activa de FF e mulher, GG, de HH e de DD e mulher, II.

Devidamente citados, DD e mulher II contestaram o pedido reconvencional formulado, em termos semelhantes ao Autor, conforme fls. 430 a 435.

Por sua vez, GG e HH – fls. 441 – e FF– fls. 458 - declararam, nos termos do nº. 3, do artº. 319º, do Cód. de Processo Civil, fazer seus os articulados do Autor.

O processo prosseguiu os seus termos, tendo-se realizado a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença nos seguintes termos: “Julga-se a acção improcedente, por não provada, e em conformidade, absolvem-se os réus dos pedidos formulados contra si nesta acção. Julga-se a instância reconvencional parcialmente procedente, e em conformidade, declara-se que os reconvintes adquiriram, por usucapião, o direito de propriedade sobre o espaço ajuizado, correspondente ao sótão do edifício sito na …, n.º … e …, na ..., descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial da ... sob o n.º …, sendo estes os seus donos e legítimos possuidores. Consequentemente, condena-se os reconvindos a absterem-se de praticarem actos que obstem ou impeçam a ocupação, uso e fruição, em exclusivo, do espaço ajuizado por parte dos reconvintes, indo no mais absolvidos (…)”.

Não se conformando com a decisão proferida, o Autor e os chamados DD e mulher II interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí, por Acórdão de 15 de Fevereiro de 2018, julgado a apelação totalmente improcedente e confirmado a sentença apelada.

Irresignados com esta decisão, dela interpuseram os apelantes recurso de revista excepcional para este Supremo Tribunal, nos termos do artigo 672.º, n.º 1, als.

a), b), e c), do CPC, alegando, designadamente, estar em causa uma questão cuja apreciação é claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito.

A Formação apreciou o caso e decidiu, em Douto Acórdão de 18 de Setembro de 2018, que não se levantava qualquer dúvida sobre a dupla conformidade das duas decisões e que, estando em causa um tema não isento de dúvidas, a revista excepcional era de aceitar.

Nas suas alegações, os ora recorrentes sustentam que o Tribunal da Relação de Lisboa fez uma errada interpretação da lei ao entender que é possível adquirir por usucapião o direito de propriedade sobre partes presuntivamente comuns de edifício constituído em propriedade horizontal. Entendem que a parte comum em causa (o sótão) não corresponde a uma fracção autónoma individualizada, pelo que nenhum condómino pode exercer posse sobre ela.

Contra-alegaram os recorridos pugnando pela improcedência da presente revista e pela manutenção da decisão recorrida.

Sendo o objecto do recurso, para lá das questões de conhecimento oficioso, delimitado pelas conclusões dos recorrentes, a questão central, identificada no Acórdão da Formação, é a seguinte: - São as partes comuns de um prédio constituído em propriedade horizontal, definidas no artigo 1421.º do CC, susceptíveis de ser adquiridas por usucapião por proprietário de fracção autónoma? Nenhuma revista que seja admitida por via excepcional (com fundamento, in casu, no artigo 672.º, n.º 1, al.

a) do CPC) deve esgotar-se, porém, numa decisão estritamente “abstracta”, que não tenha aptidão para solucionar o caso concreto, sob pena de o recurso não garantir a tutela jurisdicional devida aos sujeitos que assumem os custos de nela participar.

Assim, há que reformular aquela questão, adaptando-a ao circunstancialismo do caso concreto, perguntando-se: - Poderá o proprietário de fracção autónoma do prédio constituído em propriedade horizontal adquirir por usucapião outras fracções autónomas que não constam como tal do título constitutivo da propriedade horizontal? * II. FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido: 1.1 No dia 08.07.1977, nas instalações do então 11.º Cartório Notarial de Lisboa e perante o respectivo notário, EE declarou: «que é dono e legítimo possuidor de um prédio urbano composto de cave, rés-do-chão, primeiro e segundo andares com lados direito e esquerdo; rés-do-chão esquerdo, com uma loja e uma cave, situado na Avenida dos ..., n.º …, em ..., freguesia do mesmo nome, concelho de ..., com a área coberta de 120 m2 e logradouro com 66 m2 , descrito na Delegação da ... da Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º …, a fls.95v do livro …, com a aquisição registada a seu favor pela inscrição n.º …, a fls.60 do livro ... (…) Que, satisfazendo aos requisitos que a lei impõe, pela presente escritura constitui em regime de propriedade horizontal aquele designado prédio, o qual fica composto por 6 fracções autónomas, todas elas formando unidades independentes, suficientemente distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública, fracções identificadas por letras, com a seguinte composição, permilagem e valor: A) loja no rés-do-chão esquerdo, para estabelecimento, com uma divisão ampla, cave que lhe serve de arrecadação com instalações sanitárias, e logradouro com a área de 66 m2 ; B) rés-do-chão direito, com 2 divisões assoalhadas com gola, hall, casa de banho e cozinha; C) primeiro andar direito, com 2 divisões assoalhadas, hall, cozinha e casa de banho; D) primeiro andar esquerdo, com 3 divisões assoalhadas, hall, casa de banho e cozinha; E) segundo andar direito, com 2 divisões assoalhadas, hall, casa de banho e cozinha; F) segundo andar esquerdo, com 3 divisões assoalhadas, hall, cozinha e casa de banho. (…) Que as restantes partes integrantes do prédio, não individualizadas, ficam em comum nos termos da lei».

1.2 Em Julho de 1977, o edifício encontrava-se totalmente edificado.

1.3 Nessa data, o edifício dispunha já de duas habitações, designadas de terceiro andar direito, composto por sala comum, quarto, casa de banho e cozinha, e de terceiro andar esquerdo, composto por sala comum, quarto, casa de banho e cozinha.

1.4 Estas duas habitações dispunham já: a) de cozinha equipada com móveis, bancada com sítio para a colocação de máquinas de lavar louça, fogão, esquentador e respectivas ligações, e torneiras; b) de casa de banho com sanita, bidé, banheira e chuveiro; c) chão de madeira, excepto na cozinha e na casa de banho onde era em mosaico e azulejo; d) de portas de entrada iguais às das demais habitações desse prédio.

1.5 Estas habitações tinham e têm saída própria para as escadas.

1.6 Em Julho de 1977, na parte exterior do edifício existiam, e ainda existem, campainhas para todas as fracções habitacionais mencionadas e, bem assim, para as referidas habitações, denominadas de 3.º andar esquerdo e de 3.º andar direito.

1.7 Já nessa data, as habitações denominadas de 3.º andar esquerdo e de 3.º andar direito estavam servidas com caixas destinadas ao depósito de correspondência.

1.8 Também na mesma data, as referidas habitações, denominadas de 3.º andar esquerdo e de 3.º andar direito estavam já servidas de instalações de água e de electricidade com as respectivas caixas para colocação dos respectivos contadores e acessórios para a sua ligação à rede pública.

1.9 A parte superior destas duas habitações é placa isolada das telhas.

1.10 Porém, estas duas habitações não têm existência fiscal.

1.11 No projecto aprovado, o espaço ocupado por aquelas duas habitações corresponde a um sótão.

1.12 As escadas que ligam o 2.º ao 3.º...

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