Acórdão nº 10864/15.8T8LSB.L1.S1-A de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Dezembro de 2018
Magistrado Responsável | FÁTIMA GOMES |
Data da Resolução | 19 de Dezembro de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1.
Não conformado com o despacho da relatora que não admitiu o recurso para Uniformização de Jurisprudência, o recorrente apresentou reclamação e pedido de intervenção da conferência.
Foram apresentadas contra-alegações.
-
No seu pedido/reclamação, o reclamante suscita três questões: i) impedimento da relatora e do colectivo que decidiu o recurso de revista para intervir na decisão de admissão/não admissão do recurso para UJ, e eventual inconstitucionalidade das normas do CPC que regulam a intervenção da relatora e do colectivo (art.º692.º, n.º1 CPC), por violação dos art.ºs 20.º, n.º1 e 4 e 203.º da CRP; ii) invoca a nulidade do despacho individual de não admissão do RUJ; iii) pede a revogação da decisão individual, através de intervenção da conferência 2.1. Face ao teor da reclamação apresentada, são as seguintes as questões suscitadas que cumpre decidir: a) Saber se verifica uma situação de impedimento do Relator (que proferiu a decisão singular que é objecto da presente reclamação), bem como do colectivo (isto é, dos Conselheiros que integram a Conferência e que conheceram da revista), para conhecerem agora da fase liminar do recurso para uniformização de jurisprudência, nos termos dos artigos 115.°, n.º1, alínea e), e 116.°, n.º 1, 2ª parte, do Código de Processo Civil; b) Saber se se verifica a invocada inconstitucionalidade do art.º 692.°, n.º1, 3 e 4 do Código de Processo Civil, por alegada violação dos artigos 18.º, 20.°, n.º 1 e 4 e 203.° da Constituição da República Portuguesa; c) Saber se se verificam os requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência justificativa da sua admissibilidade, maxime a invocada oposição de julgados.
-
Fundamentação 3.
Como já foi expresso por este STJ em decisões em que se suscitavam as mesmas questões colocadas na presente reclamação para a conferência, muito em especial no Acórdão de Revista n.º 24412/02.6TVLSB.Ll.Sl-A, posição que aqui se segue e em parte se reproduz, resulta do regime contido no artigo 688.° e seguintes do Código de Processo Civil, que o recurso para uniformização de jurisprudência comporta dois momentos distintos: (i) um primeiro que se traduz na apresentação do recurso extraordinário, com observância dos requisitos ínsitos nos artigos 688.
° a 690.
°, cabendo ao Relator do acórdão recorrido a sua apreciação liminar e o correspondente saneamento (tanto mais que o recurso, uma vez interposto, é autuado por apenso aos autos no qual o referido aresto foi proferido); e (ii) um segundo momento, que apenas se verificará se o recurso for admitido pelo Relator ou, eventualmente, pela conferência (na hipótese de ter havido reclamação da decisão singular daquele e de esta assim o ter determinado), caso em que o processo será enviado à distribuição, nos termos do n.
º 5 do citado normativo, a fim de, então, ser apreciado pelo Pleno das Secções Cíveis.
Será, pois, esta nova distribuição que permitirá assegurar, quanto ao acórdão de uniformização, o factor de aleatoriedade no que concerne ao seu relato para um colectivo diferente[1].
Esta nova distribuição constitui, de resto, uma inovação do novo Código de Processo Civil de 2013, já que no regime pretérito, mesmo depois de admitido o recurso, o primitivo Relator (isto é, o do acórdão recorrido) se mantinha.
Regressou-se, assim, com o novo Código de Processo Civil (sobretudo por força do aditamento do n.º 5 ao artigo 692.
°, feito pela Comissão) à solução do antigo recurso para o Tribunal Pleno porquanto, como se disse, uma vez admitido o recurso (e não antes), o relator envia o processo à distribuição, havendo,então, um novo relator.
Eliminaram-se, desta forma, as críticas por parte de alguma doutrina à solução introduzida em 2007 que parecia pôr em causa a garantia de imparcialidade do relator[2] já que, nesse caso, o mesmo não se limitava a aferir da verificação dos pressupostos da admissibilidade do recurso, cabendo-lhe igualmente a apreciação da questão de mérito.
Tendo presente este quadro normativo, dúvidas não restam que é ao primitivo Relator, ao qual o processo é concluso para exame liminar, que compete analisar os pressupostos de admissibilidade do recurso, impondo-se a sua rejeição sempre que se verifiquem as situações enunciadas no artigo 692.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, caso em que a parte poderá reclamar para a Conferência e em que competirá, então, a esta decidir da verificação dos ditos pressupostos, incluindo a invocada oposição jurisprudencial.
Se é a própria lei que determina que a competência para aferir desses pressupostos pertence ao Relator do acórdão recorrido ou, eventualmente, em caso de reclamação, à Conferência (isto é, ao Colectivo que proferiu a decisão posta em crise), é mais do que evidente que não existe qualquer impedimento por parte daqueles para fazerem essa apreciação, sendo, por conseguinte, destituído de sentido convocar para o caso o disposto no artigo 115.°, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil.
É, por isso, inequívoco que o caso vertente não é subsumível à previsão legal. Na verdade, mal se compreenderia que pudessem estar impedidos para o exercício das suas funções precisamente o juiz ou os juízes aos quais, por expressa determinação da lei, compete proceder ao exame liminar do recurso a que se vem fazendo referência.
Por razões indicadas, inexiste qualquer impedimento - quer por parte do Relator, quer por parte Colectivo (isto é, da Conferência) - para proceder ao exame liminar do recurso para uniformização de jurisprudência, impondo-se, em consequência, o indeferimento da requerida reclamação nesse sentido.
-
-
Da invocada inconstitucionalidade - do artigo 692.°, n.ºs 1, 3 e 4, e 688.°, n.º 1, todos do Código de Processo Civil.
Conforme este STJ já teve oportunidade de decidir (cf. acórdão supra indicado, que se continua a seguir), do princípio do Estado de Direito democrático, consagrado no artigo 2.° da Constituição da República Portuguesa, decorre o princípio da protecção jurídica, deduzindo-se do mesmo, a exigência de um procedimento justo e adequado de acesso ao direito e de realização do direito.
O direito a um processo equitativo, ínsito no artigo 20.°, n.ºs 1 e 4, da Constituição, impõe que todo o processo deva estar informado pelo princípio da equitatividade em sentido amplo, o que significa que o processo deve ser justo não apenas na sua conformação legislativa, mas também estar informado, nos vários momentos processuais, pelos princípios materiais da justiça.
A garantia da imparcialidade do juiz constitui um corolário do direito a um processo equitativo (importando que o juiz que julga o faça com isenção e imparcialidade), é certo, mas não se vislumbra que, in casu, se verifiquem quaisquer das inconstitucionalidades que o reclamante suscitou.
A garantia de imparcialidade dos juízes está estabelecida no artigo 216.° da Constituição da República Portuguesa e traduz-se essencialmente em o cidadão poder confiar em que os seus assuntos submetidos à apreciação dos tribunais merecerão uma decisão imparcial, mantendo-se os juízes equidistantes em relação aos interesses particulares, devendo os juízes precaverem-se que perante a hipótese de conflito de interesses a sua decisão seja considerada como violadora dos seus deveres pessoais e funcionais.
Em relação à formação da conferência, nos termos acima assinalados, não se vê como essa garantia pode ser considerada violada.
Na verdade, não é pressuposto que quaisquer dos juízes que a compõem tenham qualquer interesse particular na questão a apreciar.
Nomeadamente, o facto de já ter havido uma decisão do relator, não significa que a decisão da conferência tenha de ser tida como parcial, uma vez que, sendo aquela constituída por três juízes, ela é tomada por maioria, após discussão - n.º 3 do artigo 659.° do Código de Processo Civil. Ou seja, a decisão tomada em conferência não é proferida da mesma forma da decisão tomada pelo relator. Ali trata-se de uma decisão colegial, antecedida de discussão. Aqui, de uma decisão singular, obviamente sem discussão anterior. Acresce que, in casu, a conferência nem tem a mesma composição, em virtude da nova composição do tribunal, com dois novos adjuntos.
Concluímos, pois, não haver violação de qualquer princípio ou preceito constitucional.
Adicionalmente, ainda se poderia acrescentar: é um facto que a decisão do relator de não admissão do recurso apenas é passível de reclamação para a conferência; porém, não é menos verdade que tal opção legislativa - de atribuir ao próprio tribunal recorrido a actividade judiciária de verificação dos pressupostos de admissão do recurso - não constitui uma solução que afecte, de modo desproporcionado ou excessivo, o direito de acesso aos tribunais previsto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, tanto mais que, conforme se vem afirmando repetidamente, é reconhecida ao legislador uma ampla margem de conformação na definição do regime procedimental que devem seguir os meios específicos para dirimir litígios e a reclamação para a conferência já oferece suficientes garantias de controlo jurisdicional da legalidade da decisão.
Repare-se que a reclamação para a conferência é o meio normal de reacção contra os despachos do relator, sendo corolário da ideia de que o verdadeiro titular do poder jurisdicional nos tribunais superiores é o órgão colegial. E, entre nós, o juiz designado como relator é sempre membro da formação de julgamento e intervém no acórdão em que a conferência aprecia a reclamação de decisões por si proferidas, quer a decisão singular que é objecto desse pedido de reapreciação resulte dos tradicionais poderes de preparar o processo para julgamento, quer consista no exercício dos mais alargados poderes que, após a reforma de 1995-1996 do Código de Processo Civil, se lhe reconhecem de decidir quaisquer questões prévias ou incidentais, bem como o próprio julgamento do recurso quando este seja manifestamente...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO