Acórdão nº 930/13.0TVPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelCATARINA SERRA
Data da Resolução19 de Dezembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO Recorrente: AA, S.A.

Recorridos: BB, CC et alii DD, S.A., intentou acção com processo comum contra BB, EE e FF, pedindo que lhe fosse reconhecido o direito a executar no património dos segundos réus o imóvel que identifica na petição inicial, declarando-se ineficaz e sem qualquer efeito, relativamente ao autor, a partilha efectuada pelos réus.

Estribou o seu pedido, em síntese, nos seguintes factos: é portadora de uma livrança subscrita por uma sociedade e avalizada pela 1.ª ré; face ao vencimento e não pagamento da referida livrança e à declaração de insolvência da sociedade subscritora da mesma, reclamou o seu crédito no processo de insolvência, o qual veio a ser reconhecido e graduado como comum; em 26 de Maio de 2010, a 1.ª ré apresentou-se à insolvência, que veio a ser declarada por sentença de 28 de Maio de 2010; na petição inicial de apresentação à insolvência, a 1.ª ré confessou-se devedora do banco autor da quantia titulada pela livrança, no montante de capital de 123.628,71 €; o processo de insolvência foi encerrado por insuficiência de bens, não tendo sido ressarcido nenhum dos credores; foi indeferido o pedido de exoneração do passivo formulado pela 1.ª ré; em 10 de Dezembro de 2008, os réus celebraram entre si a escritura de partilha de bens por óbito de EE, marido da 1ª ré e pai dos 2.º e 3.º réus; nos termos da escritura de partilha, o património do falecido, composto por 2 verbas, ficou dividido atribuindo-se aos réus filhos o imóvel e a quota da sociedade insolvente supra referida à ré viúva; a 1.ª ré declarou ter recebido de tornas 9.346,07 €, quantia esta que de facto nunca recebeu; o crédito do autor é anterior ao acto de partilha, estando os réus de má-fé, como demonstra o facto de, apenas 13 dias após a partilha, a ré viúva, adjudicatária da quota, ter pedido a insolvência da sociedade.

Regularmente citados, apresentaram-se os réus a contestar. Excepcionaram a caducidade do direito a impugnar, por terem decorrido mais de 5 anos desde a realização do negócio que o autor veio atacar, tendo por referência a data da citação da ré, em 17 de Dezembro de 2013. Também excepcionaram o caso julgado, porquanto no processo de insolvência da ré viúva foi declarada a resolução da partilha em benefício da massa insolvente e, impugnada aí a mesma pelos ora réus, foi proferida sentença favorável a estes. Mais impugnaram parte dos factos em que o autor fundamentou o seu pedido, sustentando não se verificarem os pressupostos da impugnação pauliana.

O autor replicou, defendendo a não procedência das excepções pelos réus deduzidas.

Foi realizada audiência prévia, na qual foram julgadas improcedentes as excepções da caducidade e do caso julgado, definido o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.

Após a realização do julgamento, foi proferida sentença que, considerando não haver impedimento à impugnação pauliana e estarem reunidos os seus requisitos, condenou “os réus a verem procedente a impugnação da partilha da fracção autónoma designada pelas letras … do prédio urbano descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº … (à data) e inscrito na matriz urbana de ... sob o artigo ….º, devendo esse imóvel, em resultado disso, ser restituído ao património da herança indivisa aberta por óbito de EE, ou a poder ser executada no património dos réus EE e CC, na medida necessária à satisfação do crédito da autora até ao limite da meação que caberia à ré BB, estando autorizada a autora a praticar todos os actos, consentidos por lei, para conservação da garantia patrimonial” (fl. 760 dos autos).

Inconformados, vieram os réus interpor recurso, pedindo, a título principal, a absolvição da instância, com base na excepção de caso julgado, nos termos dos artigos 580.º e 581.º do CPC. Alegaram já ter sido apreciada, em sede de processo de insolvência contra BB, acção conflituante (resolução em benefício da massa da partilha) e que esta havia sido concluída com sentença favorável aos réus (procedência da impugnação e improcedência da resolução da partilha). Pedem ainda, subsidiariamente, a absolvição do pedido, por não se verificarem os requisitos da impugnação pauliana constantes dos artigos 610.º e 612.º do CC.

O autor apresentou contra-alegações, pugnando, naturalmente, pela improcedência do recurso e a confirmação da sentença da 1.ª instância.

Considerando haver uma única questão central (a existência ou não de caso julgado a resolver), o Tribunal da Relação do Porto decidiu, em Acórdão proferido em 10 de Maio de 2018, absolver os réus da instância (fls. 853 dos autos).

Divergindo do raciocínio do Tribunal de 1.ª instância, que havia considerado não existir a tríplice identidade (sujeitos, pedido e causa de pedir) que caracteriza o caso julgado e por isso o afastou, o Tribunal recorrido apoiou a sua decisão na interpretação da norma do artigo 127.º, n.º 2, do CIRE. Segundo o Tribunal, “se na improcedência da impugnação da resolução se mantém a eficácia desta a todos os credores, não teria lógica que, no caso da sua procedência, fosse retirada sem mais essa eficácia, permitindo a cada um dos credores voltar a discutir, em acção pauliana por si intentada, questão já naquela conhecida, Compreensivelmente, já não estarão abrangidas por essa ressalva as decisões que declarem ineficaz a resolução sem conhecerem da questão de fundo relativa à existência ou não dos pressupostos da acção (ou resolução) pauliana. Como as que negassem essa eficácia à resolução, por falta de alguns dos pressupostos previstos nos artigos 120.º a 123.º do CIRE, que não afastem também o direito de exercer a acção pauliana por parte dos credores. Assim, por exemplo, os constantes do artigo 123.º relativos â forma da resolução e ao prazo em que esta deve ser efectuada. No caso em apreço, na decisão proferida no apenso E à insolvência da ré BB, foi julgada procedente a impugnação que os ora réus, aí impugnantes, fizeram da resolução declarada pela administradora da insolvência. Nesta sentença julgaram-se provados os factos articulados na petição inicial e aderiu-se à fundamentação de facto e de direito alegada pelos impugnantes. A qual versava nomeadamente sobre os valores equivalentes da quota e do bem imóvel partilhado e o não ter da partilha decorrido qualquer diminuição da garantia patrimonial dos credores. Por tudo o exposto, verifica-se a excepção do caso julgado, na apontada especial feição que lhe é conferida pelo artigo 127.º, n.º 2, do CIRE, por referência aos preceitos dos artigos 580.º e 581.º do Código de Processo Civil” (fls. 863 e 864 dos autos).

Do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto vem agora o AA, S.A. (constituído sucessor, para todos os efeitos legais, na posição do DD, S.A), interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça.

Alega o Banco recorrente que existe nulidade do acórdão por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al.

d), do CPC, e também por violação do princípio do contraditório e, nomeadamente do disposto nos artigos 201.º e 3.º, n.º 3, do CPC. Mais alega existir violação dos artigos 355.º, n.º 3, do CC e dos artigos 421.º e 567.º do CPC (regime da prova por confissão) e ainda do artigo 580.º do CPC (regime da excepção de caso julgado). Finalmente, invoca o recorrente haver erro de julgamento no que respeita à interpretação do artigo 127.º, n.º 2, do CIRE, que, no seu entender, e além de tudo o mais, conduz à violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20.º da CRP.

Vêm, por sua vez, os recorridos contra-alegar, esforçando-se por desvalorizar os argumentos apresentados pelo recorrente.

Sendo o objecto do recurso, para lá das questões de conhecimento oficioso, delimitado pelas conclusões do recorrente, a questão central suscitada no presente recurso é a seguinte: – Tendo a resolução em benefício da massa de determinado acto sido impugnada e julgada ineficaz por decisão definitiva, fica o tribunal absolutamente impedido julgar procedente a impugnação pauliana que venha a ser proposta contra o mesmo acto? * II. FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido:

  1. O autor é portador de uma livrança subscrita pela sociedade GG, Lda., vencida em 5 de Fevereiro de 2010 e avalizada pela ré BB.

  2. A sociedade GG, Lda., veio a ser declarada insolvente em 2 de Fevereiro de 2009.

  3. O processo de insolvência prosseguiu com a liquidação do activo, ascendendo a massa insolvente a € 301.000,00.

  4. O aqui autor reclamou o seu crédito no dito processo de insolvência, crédito este, que veio a ser reconhecido e graduado como comum.

  5. Face aos valores dos créditos reclamados e graduados antes do crédito do autor, o aqui autor não vai receber qualquer importância no âmbito daquele processo.

  6. Em 26 de Maio de 2010, a ré BB apresentou-se à insolvência, a qual veio a ser declarada por sentença de 28 de Maio de 2010.

  7. Na petição inicial de apresentação à insolvência, a ré BB confessou ser devedora ao banco autor da quantia titulada pela livrança.

  8. O banco autor reclamou créditos no dito processo, que foram reconhecidos pela senhora administradora de insolvência e que foram judicialmente homologados.

  9. A ré BB não é titular de qualquer outro bem além da reforma mensal de cerca de € 500,00.

  10. O processo de insolvência veio a ser encerrado por insuficiência de bens, não tendo sido ressarcido nenhum dos credores.

  11. A ré BB viu indeferido o pedido de exoneração do passivo restante.

  12. Dada a declaração de insolvência da sociedade...

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