Acórdão nº 2769/17.4T8STB.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução15 de Novembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

O Ministério Público intentou, em 11 de Abril de 2017, a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra AA e mulher, BB, pedindo a “anulação do negócio” constante da escritura de justificação, outorgada no dia 15 de Maio de 2015 no cartório notarial da Licenciada CC, em …, referente à aquisição, por usucapião, de uma parcela de terreno rústico, com a área total de 8.471,00 m2, composta de terra de semeadura, a confrontar a norte com DD, a sul com REFER e Câmara Municipal de … e a nascente com herdeiros de EE, sita em …, freguesia da …, concelho de Palmela, a destacar da parte rústica do prédio misto, com a área total de 60.750 m2, compondo-se a parte rústica por terras de semeadura e vinha, inscrita na matriz predial rústica, sob o artigo 19, da secção S, da União das freguesias de …, e a parte urbana, por rés-do-chão, para habitação, com 57 m2, inscrita na matriz predial urbana, sob o artigo 1319 da União das mesmas freguesias, e descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o nº 833/freguesia da ….

Os RR. contestaram.

Por sentença de fls. 43, considerando-se preenchidos os pressupostos da aquisição por usucapião, entendeu-se sanado o vício do fraccionamento do prédio rústico dos autos em violação das regras legais aplicáveis (no caso, a terreno que se apreciou ser predominantemente de sequeiro). Em consequência, a acção foi julgada improcedente.

Interpôs o Ministério Público recurso para o Tribunal da Relação de …, pedindo a revogação da decisão recorrida e a anulação do negócio titulado pela escritura pública de justificação notarial.

Por acórdão de fls. 68, considerando-se que a aquisição por usucapião ocorreu “cerca de 1960” e que, antes do regime da Portaria nº 202/70, de 21 de Abril, a área mínima de cultura para a divisão de que provenham novos prédios era de meio hectare, entendeu-se ficar prejudicado o conhecimento da questão da prevalência ou não da aquisição por usucapião sobre as normas que proíbem o fraccionamento de prédios rústicos, julgando-se improcedente o recurso e mantendo-se a decisão recorrida.

  1. Vem o Ministério Público interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: “I - O acórdão ora recorrido confirmou a sentença proferida em 1ª instância "ainda que por outro fundamento", como expressamente reconhece, pelo que não ocorre uma situação de dupla conforme, sendo o mesmo recorrível nos termos do art° 671° n° 1 do NCPC.

    II - O momento da celebração da escritura de justificação constitui o momento relevante para efeitos da impugnação da usucapião e do fracionamento que da mesma resulta, atenta a redacção da norma constante do art° 1379° n° 3 do CC - porque só então é possível ter acesso a um documento escrito onde fica demonstrada a violação das regras impeditivas do fracionamento e só nesse momento o Estado, a quem incumbe velar pelo cumprimento do disposto no art° 1376° do CC, toma conhecimento do acto violador das regras de fracionamento.

    III - Enquanto que a usucapião representa um "castigo" para o proprietário particular que se manteve inactivo e não cuidou de defender a sua posse, no caso do Estado, inexiste qualquer inacção, uma vez que não é ele o titular da posse anterior e lhe é absolutamente inexigível que possa ter conhecimento de uma nova posse não titulada, resultante de um acto nulo de doação verbal, que não respeitou a forma legal da escritura pública - pelo que o Estado só pode "defender-se" perante um fracionamento ilegal a partir do momento em que é celebrado um documento público que torna "visível" esse fracionamento, ao qual devem assim ser aplicáveis as regras legais vigentes no referido momento.

    IV - Uma adequada interpretação do art° 1379° n° 3 do CC, quando dispõe que "A acção de anulação caduca no fim de três anos, a contar da celebração do acto..." leva a concluir que o único acto "celebrado", a partir do qual começa a correr o prazo para anulação do fracionamento, só pode ser o da "celebração" da escritura de justificação onde é invocada a usucapião, dado que no início da posse não houve qualquer acto "celebrado", mas apenas uma divisão material e uma doação verbal.

    V - Deve, por isso entender-se que, na realidade, o fracionamento só se tornou operante com a escritura de justificação, uma vez que só nesse momento os justificantes obtiveram título jurídico válido do fracionamento realizado.

    VI - Ao acto de fracionamento resultante da escritura de justificação em causa nos autos é aplicável o regime de proibição de fracionamento que se encontrava vigente na data da sua realização, ou seja, o disposto nos art°s 1376° n° 1 e 3 do CC e na Portaria n° 202/70, de 21/4 - que, para terrenos de sequeiro, fixou a unidade de cultura no distrito de Setúbal em 7,5 hectares - pelo que se mostra violada a unidade de cultura relativamente à parcela fraccionada, que tem a área...

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