Acórdão nº 529/15.6T8BGG.G1.S1-A de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução15 de Novembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1.

A Caixa AA (A.) instaurou, em 06/04/2015, ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra a sociedade BB, Lda (R.), alegando, no essencial, que: .

Em 28/10/2003, A. celebrou com a sociedade “CC SGPS, S.A.”, um contrato de conta corrente até ao montante de € 750.000,00; .

Em 11/01/2006, foi acordado um aditamento àquele contrato, nos termos do qual, em garantia das obrigações emergentes do mesmo para a sociedade “CC SGPS, S.A.”, a sociedade “CC, SGPI, S.A.”, cedeu à A., sob condição suspensiva, a respetiva posição contratual num contrato de locação financeira imobiliária celebrado entre esta última sociedade e a “Caixa DD”, em 06/12/2001; .

Em 15/02/2011, foi outorgado um terceiro aditamento ao mencionado contrato de conta corrente mediante o qual, para reforço das respetivas garantias, a sociedade “CC, SGPI, S.A.”, cedeu à A. os créditos que para aquela emergiam de contratos celebrados, em 01/04/ 2010, entre a sociedade cedente e a ora R. e que incidiam sobre um prédio urbano, sito em …, …, a saber: a) – de um contrato de sublocação comercial com preferência e contrato-promessa e de um contrato-promessa de compra e venda, com exceção das quantias, até ao montante de € 271.119,11, entregues a título de sinal; b) – do contrato de compra e venda prometido e referido na alínea anterior, com exceção das quantias também ali aludidas; .

Aquela cedência de créditos à A. compreende o crédito correspondente ao preço de € 578.880,89, excluído o valor do sinal já pago, relativo à prometida compra e venda do prédio urbano que esta última sociedade iria celebrar com a R.; .

A cessão desse crédito foi notificada à R. por carta registada com A/R, recebida em 28/04/2011; .

Aquando da outorga da escritura do contrato de compra e venda, em 18/04/2012, a R., em vez de entregar o valor do preço à A., entregou-o ao Fisco, no âmbito de uma execução fiscal em que era devedora a sociedade “CC SGPI, S.A.”, após notificação de que o referido crédito ficava penhorado; .

Porém, tal penhora foi posterior à notificação feita à R. da sobredita cessão de crédito, o que significa ter a R. entregue ao Fisco, para pagamento de dívida de terceiro, o valor correspondente ao crédito de que a A. já era titular ativo, no montante de € 578.880,89, vencido desde 18/04/ 2012: Concluiu a A. a pedir que a R. fosse condenada a pagar-lhe a referida quantia de € 578.880,89, acrescida de juros de mora vencidos desde 18/04/2012, liquidados em € 68.704,44, à data da propositura da ação, e vincendos até ao seu integral pagamento.

  1. A R. apresentou contestação, sustentando que: .

    Os contratos de sublocação, de promessa de compra e venda e da cessão de créditos futuros são nulos, uma vez que a sociedade CC SGPI, S.A., já tinha cedido à A. a sua posição contratual no contrato de locação financeira imobiliária, carecendo, por isso, de legitimidade para celebrar aqueles contratos; .

    O pagamento feito ao Fisco ocorreu a pedido a CC, que afirmou ter consentido em tal; .

    Não obstante isso, por se tratar de crédito futuro, a cessão só se consumou com a celebração do contrato de compra e venda, momento em que o Fisco já havia penhorado aquele crédito; Nessa base, a R. concluiu pela improcedência da ação.

  2. Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 261-273 do processo principal, datada de 16/02/2017, a julgar a ação totalmente improcedente.

  3. Inconformada, a A. recorreu para o Tribunal da Relação de … que, pelo acórdão proferido a 329-342 do processo principal, datado de 11/07/2017, julgou procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e, em sua substituição, condenando a R. a entregar à A. a quantia de € 578.880,89, correspondente ao valor do crédito cedido, acrescida dos juros vencidos e vincendos até à entrega efetiva.

  4. Veio então a R. pedir revista, no âmbito da qual foi proferido o acórdão de fls. 484-499 do processo principal, datado de 12/04/2018, transitado em julgado em 30/04/2018, conforme certidão de fls. 505 daquela processo, a negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.

  5. Vem agora a mesma R. interpor recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, formulando as seguintes conclusões: 1.ª – O acórdão ora recorrido, relativamente à mesma questão fundamental de direito, está em oposição com o acórdão do mesmo Tribunal de 31/01/2002, com o n.º RV 3804/01, da 2.ª Secção Cível, há muito transitado em julgado proferido no processo n.º 10/94, do 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da …; 2.ª - Sufragasse o acórdão recorrido (como, aliás, devia ter feito) o entendimento do acórdão-fundamento, o recurso de revista interposto pela R./Recorrente teria que proceder, porquanto a penhora fiscal de créditos (futuros) foi efetuada antes de a cessão de créditos (da «CC» para a AA produzir seus efeitos, tendo o Fisco o direito de ser pago (como foi) com preferência ou prevalência sobre a A./Recorrida.

    3.

    ª- Tanto no acórdão recorrido como no acórdão-fundamento, está provado que foi efetuada uma cessão de créditos futuros, sobre os quais (créditos futuros) incidiu, posteriormente à data da celebração da aludida cessão de créditos futuros, mas antes do nascimento do crédito na ordem jurídica ou na esfera jurídica do cedente, uma penhora (no âmbito de ação executiva movida por um credor do cedente).

    4.ª - O acórdão-fundamento e o acórdão recorrido estão em consonância relativamente à teoria ou doutrina a aplicar à transmissão ou transferência do crédito no caso de cessão de créditos futuros: ambos explicitam e entendem dever aplicar-se a teoria da transmissão, ou seja: o crédito futuro quando nasce, nasce primeiramente na esfera jurídica do cedente e só posteriormente se transfere para a esfera jurídica do cessionário.

    5.

    ª - No entanto, os referidos acórdãos divergem quanto: 1 - ao regime jurídico aplicável à cessão de créditos futuros; 2 - ao momento em que a cessão de créditos futuros se torna eficaz ou inicia a sua produção de efeitos em relação às partes – cedente, cessionário - aos devedor cedido e a terceiros; 3 - ao que deve prevalecer, se a penhora se a cessão de crédito futuro, quando a penhora (notificada ao devedor cedido e referente a processo de execução em que o exequente é credor do cedente): 3.1 - é temporalmente posterior à data da celebração do contrato de cessão de crédito; 3.2) - é temporalmente anterior ao nascimento do crédito na esfera jurídica do cedente.

    1. - Estamos, assim, no confronto do acórdão-fundamento com o acórdão recorrido, em face de decisões opostas no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamentai de direito, o que constitui fundamento para o presente recurso nos teremos do disposto no artigo 688.º do Novo CPC; 7.ª - Questão fundamental de direito que é a mesma, ou seja: a) - Qual o momento em que a cessão de crédito futuro se torna eficaz em relação ao cedente, ao cessionário, ao devedor cedido e a terceiros e, consequentemente, qual o regime jurídico a aplicar à eficácia da cessão de crédito futuro (o previsto, qua tale, para a cessão de créditos presentes ou, pelo contrário, sabendo-se que inexistem normas no Código Civil Português que prevejam e regulem expressamente a cessão de créditos futuros, deve aplicar-se o regime previsto para a cessão de créditos presentes, mas devidamente adaptado à cessão de créditos futuros, atendendo às suas especificidades - desde logo porque aquando da celebração da cessão o crédito não existe); b) - No caso de penhora do crédito futuro (no âmbito de ação executiva em que o exequente é o credor do cedente), posterior à data da celebração do contrato de cessão de crédito futuro, mas anterior ao nascimento do referido crédito na ordem jurídica ou na esfera jurídica do cedente, qual a prioridade ou prevalência a estabelecer entre a referida cessão de crédito futuro e a penhora que recai sobre o crédito futuro objeto de cessão.

    2. - In casu, é evidente, manifesta e expressa a oposição de acórdãos, porquanto o acórdão-fundamento sufragou o entendimento de que, na penhora de créditos futuros, posterior à celebração da cessão de crédito futuro, mas anterior ao nascimento do crédito futuro, aquela (penhora) prevalece; e o acórdão recorrido entendeu que, nessa mesma situação (penhora de créditos futuros, posterior à celebração da cessão de crédito futuro mas anterior ao nascimento do crédito futuro), o efeito translativo da cessão deve prevalecer sobre o efeito desta última (solução que correta estaria se se tratasse - mas não se trata - de uma cessão de créditos presentes); 9.ª - Acórdãos -fundamento e recorrido, que divergem quanto ao momento em que a cessão de créditos futuros produz efeitos e, consequentemente, quanto à ordem de prevalência, de prioridade ou de eficácia entre uma penhora e uma cessão de créditos: 1) - Por um lado, para o acórdão-fundamento a cessão de crédito futuro só se torna eficaz (transferindo-se o crédito da esfera do cedente para a esfera do cessionário) se se reunirem todas as condições de transferência aquando do nascimento do crédito (quando este se tornar presente, quando este passar a ser urna realidade e deixar de ser uma ficção ou uma abstracção) - condições essas que têm de se verificar na pessoa do cedente - logo, se ocorreu penhora (por credor do cedente) do crédito cedido, posterior à celebração da cessão de crédito futuro, mas anterior ao surgimento do crédito, a penhora prevalece e a cessão não se torna eficaz, isto é, o crédito não se transfere para o cessionário, pois o cedente não pode (como é lógico) transferir algo que já não tem, isto é, que...

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