Acórdão nº 296/16.6T8GRD.C1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução15 de Novembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL I – Relatório 1. AA intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra BB, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 36.325,00, acrescida de juros de mora, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por ele sofridos e decorrentes da perda de chance motivada pelo facto de o réu, na qualidade de seu advogado, não ter interposto recurso para o Tribunal da Relação da sentença proferida no processo nº 127/10.0TTCV-B do Tribunal de Trabalho.

Alegou, para tanto e em síntese, que o réu, na qualidade de advogado, foi por si mandatado para interpor recurso da sentença que julgou procedente a oposição e determinou a extinção da execução, que o autor, na qualidade de exequente, intentara no Tribunal de Trabalho da Covilhã (Proc. n.º 127/10.0TTCV-B), contra CC - COMÉRCIO DE AUTOMÓVEIS, S.A. (anteriormente designada DD - Automóveis, S.A.).

O réu interpôs recurso desta decisão, mas fê-lo no prazo de 30 dias, quando é certo que não podia ignorar que, versando sobre matéria de direito e não de facto, o prazo para, o efeito, era de apenas 20 dias, o que ditou a rejeição do recurso por parte do Tribunal da Relação.

Mercê da perda de oportunidade de uma segunda decisão, o autor viu frustrada a sua expetativa de receber a quantia de € 6.325,00, sofrendo ainda danos não patrimoniais que contabilizou em € 30.000,00.

Citado, o Réu contestou, sustentando, no essencial, não ter cometido qualquer erro, tanto mais que o tribunal de 1ª instância admitiu o recurso e, no seu entender, a consequência da falta de especificação dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, que ditou a rejeição do recurso por parte do Tribunal da Relação, não é a intempestividade do recurso de direito.

De qualquer modo e para que o autor não ficasse prejudicado, participou a situação à Companhia de Seguros EE, S.A..

Requereu, por isso, a intervenção provocada desta seguradora.

  1. Admitida a intervenção, a Companhia de Seguros EE, S.A., contestou, invocando a exclusão da apólice, por falta de participação do alegado evento no prazo acordado, bem como a falta de causalidade entre o ilícito e os danos e sustentando a inexistência de perda de chance, por não se poder dizer que, não fora tal atitude do réu, o autor poderia razoavelmente obter uma situação jurídica vantajosa.

  2. Realizada audiência final foi proferida sentença que, julgando a ação parcialmente provada e procedente, condenou os réus a pagarem ao autor a quantia global de 1.581,25€, sendo o réu BB responsável pelo pagamento de 10% e a companhia seguradora de 90% desse montante, acrescida de juros legais de mora à taxa legal desde a citação.

  3. Inconformado com esta decisão, dela apelou o autor para o Tribunal da Relação de …, que, por acórdão proferido em 2018.04.12, sem voto de vencido e fundamentação essencialmente diferente, julgou improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

  4. De novo, inconformado com este acórdão, o autor interpôs recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: «I - Trata-se neste caso de uma acção proposta pelo cliente contra o Advogado prestigioso, o que determina, neste preciso enquadramento, estarem em causa interesses de particular relevância social, em ordem a ficar segura a imagem pública da equidade no tratamento destes adversários.

    II - Assim, tem pelo cabimento a Revista excepcional, perante o art.° 672.°/ 1/ b do CPC.

    III - E para além do mais, também a "dupla conforme", neste caso, releva de um manifesto erro de aplicação do direito pertinente ao caso.

    IV - Na verdade, a perda de oportunidade em que o recorrente incorreu, por não ter sido interposto, no prazo, o recurso laboral a que tinha direito, vale mais do que 25% de ganho de causa previsional.

    V - É prudente e dentro do bom senso das regras da experiência comum, fixar a medida do ganho previsional, em abstracto, no recurso, em 75%, enquanto numa concretização, levada a cabo pelo recorrido, Advogado experiente e de boa fama consolidada no foro, pode ser tida em menos de 10% dessa margem. VI - Ou seja, o parâmetro do ressarcimento dos prejuízos inerentes ao quantum não recebido da indemnização laboral, pelo recorrente, remete-nos para um resultado de € 4.269,37 e não para o montante de € 1.581,25, acolhido na “dupla conforme”.

    VII - Resultado corrigido este a que tem de acrescer a verba correspondente à remoção do prejuízo por dano não patrimonial, verba que o recorrente estima, tal como na petição inicial, em € 30.000,00.

    VIII - Montante este não passível de redução percentual, por ter como supostos a agitação e dor indignada que lhe determinou ter ficado de fora de um debate, de facto e de direito, intenso e autónomo, se relacionado com o ganho indexado à totalidade da indemnização laboral acordada.

    IX - A "dupla conforme", na perspectiva da discordância do recorrente para com o acórdão recorrido, do Venerando Tribunal da Relação de …, errou, quando não deu autonomia ao dano moral alegado e comprovado durante o debate da causa.

    X - E do mesmo modo errou, ao fixar em 25% a medida do ressarcimento do dano material, indexado, por consumpção, pelo acórdão recorrido, na sequência da sentença de 1.

    a Instância, ao dano de sofrimento pela perda de oportunidade de recorrer do recorrente.

    XI - Nestes termos, vistos os art.°s 562.° e 564.° do CC, deve o acórdão recorrido ser revogado, para uma substituição em conformidade com o que fica proposto nestas conclusões.

    XII - Não tendo valor em contrário o argumento de que o acórdão lançou mão, no sentido de, na minuta do recurso (não recebido), ter sido cometido erro claudicar (sempre acresceria ao motivo da indemnização)».

  5. O réu respondeu, pugnando pela inadmissibilidade e improcedência do recurso terminando as suas contra alegações, na parte não prejudicada pela questão prévia da admissibilidade do recurso de revista excecional, com as seguintes conclusões, que se transcrevem: «17. Ora, com o devido respeito por opinião contrária, como infra melhor deixaremos demonstrado, a sentença proferida em primeira instância e confirmada pelo Acórdão da Relação de … não merecem qualquer reparo.

  6. O recorrente peticionou a condenação do recorrido no pagamento de uma indemnização de € 36.325,00 (trinta e seis mil trezentos e vinte e cinco euros), acrescida de juros de mora, sendo: 18.1. A quantia de € 6.325,00 (seis mil trezentos e vinte e cinco euros) correspondente a danos patrimoniais; 18.2. A quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros) referente a danos não patrimoniais; 19. Ora, a única questão a decidir nos autos era a seguinte: "Se houve, por parte do Réu, incumprimento do contrato de mandato e, a existir, se o mesmo é civilmente responsável pelo pagamento de uma indemnização ao Autor, com que fundamento e por que montante".

  7. O juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor.

  8. O recorrente, no recurso apresentado, não impugna a matéria de facto dada como provada e não provada, pese embora da leitura do mesmo se extraia que se pretende a reapreciação da prova quanto ao quantum indemnizatório, quer relativo à “ perda de chance", quer relativo aos danos não patrimoniais, porquanto apenas com a reapreciação da prova o recorrente poderia, eventualmente, ver a sua pretensão "deferida".

  9. Com efeito, para o tribunal ad quem proceder à reapreciação da prova, não basta a mera alegação de entendimento diverso do fixado na sentença recorrida.

  10. Uma das funções mais nobres dos Tribunais da Relação consiste na reapreciação da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, quando impugnada, em sede de recurso, porquanto, afinal, é da fixação dessa matéria que depende a aplicação do direito determinante do mérito da causa e do resultado da acção.

  11. O legislador impôs à parte que pretenda impugnar a decisão de acto o respectivo ónus de impugnação, devendo expor os argumentos que, extraídos de uma apreciação crítica dos meios de prova, determinem, em seu entender, um resultado diverso do decidido pelo Tribunal "a quo". Trata-se, em resumo, de cumprir, de forma rigorosa, o ónus de impugnação estatuído no artigo 640º do C. P. Civil.

  12. Ou seja, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.

  13. Não o tendo feito, o julgamento de facto, tal como ficou assente na primeira instância (factos provados e não provados) terá de se manter inalterado, dado não se verificarem cumpridas as exigências contidas nas disposições do artigo 640º do C. P. Civil, o que obsta, salvo melhor opinião em sentido diverso, ao conhecimento do recurso, porquanto a questão que o recorrente pretende ver analisada, como supra já referimos, implicaria, necessariamente, a reapreciação da prova, nomeadamente dos factos não provados.

  14. O recurso não se destina a julgar de novo a matéria de facto, até porque a segunda instância não tem a seu alcance a atitude das testemunhas, as suas reacções gestuais, os embaraços, a maior ou menor firmeza que sustentam os olhares, etc.

  15. Como resulta dos acórdãos do STJ de 30/04/2002, Processo n° 02A4324, in www.dgsi.pt e como escrevem Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, in "Dos recursos", pág. 258, "A...

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