Acórdão nº 22574/16.4T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução08 de Novembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL I – Relatório 1. AA demandou BB, CC Company Plc – Sucursal em España, DD Services Limited, EE UK Limited, FF Insurance Limited, FF & Speciality AG, HH 1221 (HH Agency Limited) e II SE, pedindo a condenação dos réus a reconhecer a vigência do contrato de seguro celebrado entre a 1ª ré BB e a JJ Financial Group, considerando inválida e ilegal a denúncia efetuada pela 1ª ré e, consequentemente, a reconhecer a vigência dos contratos complementares celebrados entre a 1ª ré as restantes rés, condenar a 1ª ré a pagar ao autor a quantia de € 155.000,00, acrescida dos juros de mora à taxa de juro aplicável, desde a data da citação até integral pagamento.

  1. Nas contestações apresentadas, as rés, entre outras exceções, arguiram a exceção de incompetência material do tribunal por preterição do tribunal arbitral.

    Alicerçaram a exceção arguida na existência de cláusulas compromissórias nos termos das quais as partes obrigaram-se, em caso de disputa ou divergência relativa à interpretação, execução ou cumprimento de obrigações emergentes dos contratos de seguro, a submeter a mesma à arbitragem (cláusula essa que foi reiterada nas apólices 1ª, 2ª e 3ª Excesso), a constituir e realizar nos termos aí definidos, cabendo ao tribunal arbitral, por ser o competente, apreciar a pretensão do autor.

  2. Respondeu o autor, concluindo pela improcedência da exceção de incompetência material arguida porquanto, as cláusulas compromissórias reportam-se aos litígios entre as seguradoras e as tomadoras de seguro no que concerne à interpretação da apólice e à sua harmonização com os contratos 1ª, 2ª e 3ª, pelo que, não sendo o autor parte nos contratos de seguro não está vinculado por essa cláusula arbitral.

    Mais sustentou que o entendimento contrário, traduzir-se-ia num impedimento injustificado do demandante exercer os seus direitos, por manifesta falta de meios económicos e, ainda que os contratos também prevêem a jurisdição exclusiva dos tribunais portugueses para as restantes matérias.

  3. Foi proferida decisão que, julgando procedente a exceção de preterição do tribunal arbitral, atenta a cláusula invocada pelas rés, declarou a incompetência absoluta do tribunal e absolveu as rés da instância.

  4. Inconformado com esta decisão, dela apelou a autor para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão proferido em 22.02.2018, julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

  5. Mais uma vez inconformado, veio o autor interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: «1. Não se vislumbra fundamento legal para atribuir competência prioritária ao tribunal arbitral sobre os tribunais judiciais.

  6. O Recorrente não é parte do contrato de seguro.

  7. Nos termos do artigo 406°, n.° 2 do Código Civil, e do n.° 1 da LAV, o Recorrente não está vinculado por essa cláusula arbitral.

  8. Os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, processo 3539/08.6TVLSB.LL.S1, de 8 de Setembro de 2011, e processo 08B3522, de 27 de Novembro de 2008, ambos consultáveis em www.dgsi.pt, apontam, sem margem para dúvidas, no sentido de que a convenção de arbitragem só vale entre os outorgantes.

  9. Nem o Decreto-Lei n.° 31/86, nem a Lei n.° 63/2011 contém qualquer preceito que estenda a terceiros os efeitos da convenção de arbitragem entre as partes.

  10. O direito do Recorrente reclamar na ação emerge do n.° 3 do artigo 48° da LCS e dos n.°s 1 e 2 do artigo 444° do Código Civil.

  11. A convenção de arbitragem é um negócio jurídico de natureza arbitral cuja fonte de legitimação se inscreve na autonomia privada da vontade das partes.

  12. O Recorrente não celebrou qualquer convenção de arbitragem a qual teria forçosamente de ser reduzida a escrito como requisito indispensável para a sua validade nos termos da Lei n.° 63/2011.

  13. Cabia às RR. fazer a prova da existência de uma convenção de arbitragem celebrada com o Recorrente, o que não fez.

  14. O Recorrente não atribuiu poder jurisdicional ao tribunal arbitral em qualquer manifestação de vontade, nem aderiu a tal posição contratual, uma vez que o contrato de adesão pressuporia sempre uma manifestação de vontade do Recorrente, que não se verificou.

  15. As RR. nunca alegaram que o Recorrente tivesse negociado ou reconhecido e aceite a convenção de arbitragem, razão pela qual não pode prevalecer a argumentação de que o Recorrente enquanto administrador de outras sociedades do grupo tenha tido qualquer intervenção na formação do contrato de seguro.

  16. A função jurisdicional cabe nos termos do artigo 202° da Constituição da República aos tribunais.

  17. Não se ignorando que o n.° 4 do artigo 202° e o n.° 2 do artigo 20° da Constituição da República admitem que as partes possam atribuir voluntariamente poder jurisdicional a um tribunal arbitral, cuja composição é de natureza particular tal concessão do jus imperi dependeria sempre de uma declaração de vontade do Recorrente.

  18. Não se considera admissível a atribuição de uma competência prioritária ao tribunal arbitral sobre os tribunais judiciais sem que se verifique uma vontade expressa pelo beneficiário do seguro para tal submissão.

  19. O entendimento "a contrario" corresponderia a uma hierarquização das funções jurisdicionais incompatível com o ordenamento jurídico constitucionalmente consagrado nos termos do artigo 202° e seguintes da Constituição da República Portuguesa.

  20. Não sendo aplicado a cláusula compromissória está afastada a aplicação do disposto nos artigos 5o e 18° da LAV.

  21. Não se compreende, assim, que se considere legalmente admissível a atribuição de uma competência prioritária ao tribunal arbitral sobre os tribunais judiciais, quer para aferir da aplicabilidade da convenção de arbitragem, quer igualmente para avaliar das condições matérias omrosas que resultem de tal aplicabilidade.

  22. Não se vislumbra qualquer fundamento, inexistindo uma declaração de vontade do Recorrente, para que os tribunais portugueses decidam declinar a sua competência para avaliar o peso insuportável das condições materiais que acarretaria a submissão ao litígio ao tribunal arbitral mesmo que para uma mera apreciação preliminar.

  23. Não se alcança a existência de qualquer preceito legal que iniba os tribunais portugueses de se pronunciarem em primeira instância sobre tal ónus.

  24. O tribunal português está melhor municiado do que o tribunal arbitral constituído em Londres para extrair conclusões sobre tal matéria.

  25. Os custos de submissão ao tribunal arbitral constituído em Londres são obstáculo insuperável para a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos do Recorrente, conforme determina o n.° 2 do artigo 202° da Constituição da República Portuguesa.

  26. Em suma, os direitos de defesa dos interesses do Recorrente ficariam inevitavelmente enfraquecidos em manifesta violação ao disposto nos artigos 202° e n.° 1 do artigo 20° da Constituição da República Portuguesa.

  27. Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique para o Recorrente dificuldade apreciável na propositura da acção no estrangeiro, havendo como há entre o objecto do litígio e a ordem jurídica portuguesa um elemento ponderoso de conexão.

  28. O Recorrente não tem sequer meios para suportar os encargos de uma arbitragem em Londres, razão pela qual, o Recorrente estaria sempre impedido de exercer o seu direito por falta de meios financeiros, mesmo que, por mera hipótese de...

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