Acórdão nº 399/14.1TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Novembro de 2018
Magistrado Responsável | OLIVEIRA ABREU |
Data da Resolução | 08 de Novembro de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO A Autora/AA, Lda, celebrou, em 31 de Março de 2010, com o Banco BB, S.A., um contrato de locação financeira imobiliária.
Na sequência do estipulado nesse contrato, e para garantia do mesmo, a Autora/AA, Lda aderiu a um seguro de vida de grupo de que o Banco BB, S.A. era tomador, junto da Ré/Companhia de Seguros CC, S.A., tendo como segurado, DD, pelo capital de €150.000,00, e contra os riscos de morte e invalidez absoluta e definitiva, e beneficiários em caso de morte, o Banco BB, S.A., pelo valor do capital em dívida, e os Autores, EE e FF (herdeiros legais), pelo remanescente.
A aludida adesão foi aceite pela Ré/Companhia de Seguros CC, S.A.. nos termos propostos, tendo emitido o respectivo certificado de adesão em 24 de Março de 2010, com início do contrato em 5 de Março de 2010 e termo em 5 de Março de 2054.
O segurado veio a falecer em 19 de Julho de 2011.
Instada a cobrir o sinistro, a Ré/Companhia de Seguros CC, S.A.. recusou fazê-lo, invocando a anulabilidade do seguro por terem sido prestadas declarações inexactas aquando da declaração do risco.
Os Autores, AA, Lda., EE e FF, em face da posição assumida pela Ré/Companhia de Seguros CC, S.A.., intentaram a presente demanda, pedindo a condenação da Ré/Companhia de Seguros CC, S.A.., a pagar, até ao limite de €150.000,00, ao Banco BB, S.A., enquanto interveniente principal nos autos, o que lhe for devido, e aos Autores, EE e FF, enquanto herdeiros legais do segurado, o remanescente, se o houver.
Articulam, com utilidade, que o segurado respondeu com exactidão ao questionário clínico constante da proposta de adesão, de forma a permitir à Ré/Companhia de Seguros CC, S.A.. uma correcta avaliação do risco.
A Ré/Companhia de Seguros CC, S.A.. contestou alegando que na proposta de adesão que recebeu, que não corresponde à que foi invocada pelos Autores, AA, Lda, EE e FF, na petição inicial, as respostas ao questionário de saúde eram todas negativas, omitindo por completo a condição de esplenectomizado desde 2001, pelo que, o seguro é inválido, não tendo de proceder ao pagamento do respectivo capital.
Citado o Interveniente principal, Banco BB, S.A., limitou-se a juntar procuração.
Os Autores, AA, Lda, EE e FF, confrontados com a proposta de adesão apresentada pela Ré/Companhia de Seguros CC, S.A., vieram impugná-la, afirmando terem sido nela alteradas as respostas dadas nos quadrados 4 e 6 de “SIM” para “NÃO”, e requereram que fosse apresentado o respectivo original a fim de ser realizada perícia.
A Ré/Companhia de Seguros CC, S.A. informou nos autos que o original da proposta de adesão não foi digitalizado nos seus serviços, tendo sido enviado em formato digital pelo Banco BB, S.A., sendo que solicitado o envio do original a este foi informada que não foi possível a sua localização.
O Banco BB, S.A. informou terem sido infrutíferas as diligências no sentido de encontrar o original da proposta de adesão, sendo que não pode confirmar tê-la remetido à Ré/Companhia de Seguros CC, S.A., já em versão digitalizada, situação que, no entanto, a ter ocorrido, seria invulgar.
No decurso da audiência de julgamento, e perante as dúvidas suscitadas quanto à genuinidade da proposta de adesão apresentada pela Ré/Companhia de Seguros CC, S.A., foi ordenada a apresentação da mesma proposta em suporte digital, tendo a Ré/Companhia de Seguros CC, S.A. apresentado uma “pen” contendo aquele documento em ficheiro digital.
Ademais, a Ré/Companhia de Seguros CC, S.A., fez juntar aos autos, cópia da proposta de adesão obtida a partir do seu arquivo em microfilme, com a chancela do seu selo branco e assinada pela responsável do arquivo.
Calendarizada a audiência final, foi esta realizada com observância do formalismo legal, tendo o Tribunal de 1ª Instância proferido decisão, de facto e de direito, que, considerando ter ocorrido inexactidão na declaração de risco (omissão da referência à ocorrência de intervenção cirúrgica, internamento hospitalar e episódios febris) que gerou anulabilidade do seguro, julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré/Companhia de Seguros CC, S.A., do pedido.
Inconformados, apelaram os Autores, AA, Lda, EE e FF, concluindo, em síntese, pelo erro na decisão da matéria de facto e procedência do interposto recurso.
Houve contra-alegações onde se propugnou pela inadmissibilidade da impugnação da decisão da matéria de facto e pela manutenção do decidido.
O Tribunal a quo conheceu do interposto recurso, proferindo acórdão em cujo dispositivo foi consignado: “Termos em que, na procedência da apelação, se revoga a sentença recorrida e, em substituição, se condena a Ré a pagar, até ao limite de 150.000€, ao Interveniente Principal o que for devido pela Sociedade Autora, por via do contrato de locação financeira imobiliária acima identificado, e aos segundo e terceiro Autores, o remanescente, se o houver, e ainda, a estes últimos, juros moratórios legais sobre o montante de 150.000€ desde a citação até integral pagamento.
Custas, em ambas as instâncias, pela Ré.” É contra esta decisão que a Ré/Companhia de Seguros CC, S.A. se insurge, formulando as seguintes conclusões: “1. A recorrente não acompanha o julgado e decidido pelo Acórdão fls, pois, contém erro de interpretação dos artºs. 24°, 25° e 26° da Lei do Contrato de Seguro, face à matéria de facto dos autos.
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E, não obstante a alteração às respostas 11.4 e 11.6 do boletim de adesão, com base em suposta alteração cuja autoria não foi apurada, atenta a restante matéria provada considera-se que o seguro deve ser anulado pois ocorreu ocultação pertinente para a seguradora na fase pré-negocial.
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Ao celebrar o contrato de seguro, o segurado deve declarar com exactidão as circunstâncias que conheça e se mostrem significativas para a apreciação do risco que pretende garantir (art° 24º da LCS), sendo legítimo à Recorrente invocar a anulabilidade do contrato de seguro para recusar o pagamento do capital seguro, nos termos do artº 25º da LCS.
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As omissões mencionadas nos pontos E) e M), em conjugação com os pontos AA), L), AB), AC) e C), levam a considerar que deve ser anulado o seguro de vida dos autos.
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A Recorrente provou que as omissões foram relevantes e significativas para a apreciação do risco- facto provado alínea AA.
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Dispõe o Artigo 24.º da LCS: 1 - O tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador. 2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável a circunstâncias cuja menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pelo segurador para o efeito.
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O falecido DD, engenheiro de profissão facto AC - conhecia ou razoavelmente devia conhecer que a operação que realizara importava na apreciação do risco.
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O Tribunal da Relação de … ao considerar para efeitos de declaração prévia do risco apenas as duas respostas “sim”, 11.4 e 11.6, e ao desconsiderar totalmente as respostas “não” dos pontos 11.5 e 11.11, interpretou erradamente os artigos 24 e 25 da Lei do Contrato de Seguro pois, o falecido DD, ao ter respondido sim, tinha de especificar as operações em concreto e por outro lado, pela resposta 11.11, estava sempre obrigado a revelar a operação que realizara 7 anos antes e que alterava o risco a suportar pela Recorrente.
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Tendo o proponente conhecimento da operação que realizara, não pode deixar de se considerar que tinha o dever de revelar tal facto.
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A qualificação como doloso do comportamento do aderente assenta na consideração de que o conceito de dolo pressuposto no art° 25° é o que decorre da sua contraposição com negligência do artº 26º, devendo exigir-se apenas que existiu vontade de omitir independentemente de qualquer propósito.
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Deve pressupor-se a consciência do dever de declarar o risco pois, em sede de razoabilidade, atendendo a que o falecido era Engenheiro Civil, facto AC-, tem necessariamente de se considerar que estava ciente da importância do facto omitido para a seguradora e decidiu omitir tal facto.
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Em reforço ao regime legal mencionado, consta também da apólice o direito da recorrente considerar inválido o seguro - Alínea C) da matéria de facto.
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Nessa medida, o Acórdão recorrido também violou o art° 5º das Condições Gerais da Apólice, - facto c), que não foi aplicado, sendo que, a sua correcta aplicação leva à anulação da Apólice, tal como prevê o regime legal já invocado.
Nestes termos e nos doutamente supridos por V. Ex.ªs deve ser concedido provimento à Presente revista, revogando-se a douta decisão recorrida e absolvendo-se a Recorrente dos pedidos, para se fazer Justiça!” Houve contra-alegações apresentadas pelos Recorridos/Autores/AA, Lda e outros, concluindo pela improcedência do recurso apresentado, consignando as seguintes conclusões: “1) O douto Acórdão fez a interpretação correta do vertido nos artigos 24.º, 25.º e 26.° da lei do Contrato de Seguro, face à matéria de facto dos autos, nada lhe podendo ser censurado.
2) Subscrevendo-se integralmente o douto Acórdão, deve o recurso interposto peja recorrente ser julgado improcedente, negando-se a Revista.
Assim se decidindo se fará a costumada Justiça!” Foram colhidos os vistos.
Cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO II. 1.
A questão a resolver, recortada das alegações apresentadas pela Ré/Companhia de Seguros CC, S.A., consiste em saber se: (1) O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito, porquanto, considerando a facticidade adquirida processualmente, impor-se-ia reconhecer a anulabilidade do ajuizado contrato de seguro? II. 2. Da Matéria de Facto São os seguintes, os factos considerados provados, após conhecimento da impugnação da decisão de facto: “A- No dia 31 de Março de 2010 foi outorgada entre a A. AA, Lda, na qualidade de locatária, e Banco BB, SA, enquanto locador, um contrato de locação financeira nos termos que constam do...
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