Acórdão nº 478/08.4TBASL.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução08 de Novembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1.

As Sociedade Agrícola AA, S.A. (1.ª A), Sociedade Agrícola BB, S.A. (2.ª A.), Sociedade Agrícola CC, S.A. (3.ª A.), Sociedade Agrícola DD, S.A. (4.ª A.), Sociedade Agrícola EE, S.A. (5.ª A.), Sociedade Agrícola FF, S.A. (6.ª A.), Sociedade Agrícola GG, S.A. (7.ª A.), Sociedade Agrícola HH, S.A. (8.ª A.), Sociedade Agrícola II, S.A. (9.ª A.), Sociedade Agrícola JJ, S.A. (10.ª A.) - mais tarde substituída por habilitação de KK -, Sociedade Agrícola LL, S.A. (11.ª A.), e Sociedade Agrícola MM, S.A. (12.ª A.), intentaram, em 2008, a ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra a Sociedade Agrícola NN, S.A. (1.ª R.), e a Sociedade Agrícola OO, S.A. (2.ª R.), alegando, em síntese, que: .

As autoras (A.A.) e rés (R.R.), além de outras sociedades anónimas, no total de 19, foram acionistas da já extinta Sociedade Agrícola PP, S.A., com sede em Lisboa, tendo aquelas sido constituídas em 1992, por iniciativa das pessoas físicas detentoras da totalidade do capital social desta última com vista à dissolução da mesma e à distribuição do seu ativo pelos acionistas; .

Em vista desse objetivo, as referidas acionistas, com o assentimento de entidades oficiais envolvidas, acordaram, unanimemente, proceder à divisão de parte substancial do património fundiário da Sociedade Agrícola PP, S.A., e ao destaque de prédios rústicos e urbanos neles integrados, o que veio a concretizar-se, numa primeira fase, mediante um processo complexo de cisões-fusões formalizadas por escritura pública outorgada em 26/11/1996, conducente à visada dissolução e partilha do património remanescente; .

Todavia, as R.R. não colaboraram com o que era necessário, impossibilitando a dissolução da Sociedade Agrícola PP, S.A., e a partilha do respetivo património por via das cisões-fusões, violando o compromisso que haviam assumido com as demais acionistas, designadamente com as A.A., o que teve como efeito o desvio para a via da dissolução-liquidação-partilha e determinou que cada uma delas tivesse de pagar impostos nos montantes ora peticionados, os quais não seriam devidos caso se tivesse enveredado pela via acordada.

Concluíram as A.A. a pedir a condenação solidária das R.R. a pagar as seguintes quantias: à 1.ª A., € 96.922,96; à 2.ª A., € 103.231,60; à 3ª A., € 103.204,25; à 4.ª A., € 99.196,53; à 5.ª A., € 101.587,32; à 6.ª A., € 101,445,22; à 7.ª A., € 96.995,76; à 8.ª A., € 86.083,25; à 9.ª A., € 85.476,33; à 10.ª A., € 92.682,22; à 11.ª A., € 97.203,26; e à 12.ª A., € 88.088,14; bem como os juros calculados, à taxa legal, sobre cada uma delas a contar da data da citação e até integral pagamento.

  1. As R.R. contestaram a ação mediante defesa excetiva e impugnativa, concluindo pela procedência das exceções deduzidas e pela improcedência da ação. 3.

    Subsequentemente, veio a Sociedade Agrícola QQ, S.A.

    , requerer a sua intervenção como autora, com a pretensão de ser também indemnizada pelas R.R. no montante de € 119.925,26, o que foi igualmente contestado por estas, tendo aquela intervenção sido admitida no saneador.

  2. Findo os articulados, foi realizada audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador a julgar improcedentes as exceções invocadas, procedendo-se depois à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova, conforme 772-783. 5.

    Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 1246-1267/v.º, datada de 22/05/2017, a julgar a ação totalmente improcedente com a consequente absolvição das R.R. dos pedidos formulados.

  3. Inconformadas, as A.A. e a Interveniente recorreram para o Tribunal da Relação de …, em sede de impugnação de facto e de direito, tendo a apelação sido, por unanimidade, julgada improcedente e confirmada a decisão recorrida, conforme o acórdão de fls. 1378-1423, datado de 26/04/ 2018.

    No referido acórdão, foi, além do mais, apreciada a questão então suscitada pelas Recorrentes de violação de caso julgado material com o fundamento de que a decisão sobre os factos dados como não provados nas alíneas A), C), D), E), F), J) e K) da sentença ofendia a autoridade de caso julgado do decidido sobre os mesmos factos, dados como provados, em anterior ação no processo n.º 421/06.5TYLSB. Nesse particular, o tribunal a quo concluiu que “o alcance do caso julgado formado pela anterior acção não se estende a matéria de facto declaradamente instrumental que naquela acção tenha sido considerada provada e, nesta, sendo o cerne do objecto do litígio, tenha sido declarada não provada.” 7.

    Novamente inconformadas, vêm as A.A. e Interveniente pedir revista ao abrigo do fundamento especial da sobredita ofensa do caso julgado, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - O acórdão recorrido, tal como a sentença da 1.

    a instância, na medida em que confirmou a decisão desta que julgou não provados os factos descritos nas alíneas A), C), D), E), F), J) e K) ofendem o caso julgado formado pela sentença proferida pelo 2.º Juízo do Tribunal do Comércio de …, nos autos que ali correram termos sob o n.º 421/06.5TYLSB; 2.ª - O prestígio das instituições judiciárias, a coerência das decisões que proferem e a estabilidade e certeza das relações jurídicas reclamam que o caso julgado formado pela decisão do 2.º Juízo do Tribunal do Comércio estenda a sua autoridade (de caso julgado) à questão que nos presentes autos constitui o ponto 1 do objeto do litígio e o ponto 2 dos temas de prova; 3.ª - O acórdão recorrido, tal como a sentença da 1.

    a instância, infringiu o disposto no art.º 619.º, n.º 1, do CPC.

    Nessa base, pedem as Recorrentes que se revogue a decisão recorrida e se substitua por outra que julgue a ação procedente e provada.

    8.

    As recorridas apresentaram contra-alegações a sustentar a inadmissibilidade ou a improcedência da revista por inexistência da invocada violação de caso julgado.

    Cumpre apreciar e decidir.

    II - Delimitação do objeto do recurso Do que acima se deixou relatado decorre que o objeto do presente recurso se circunscreve à questão do fundamento especial consistente em ofensa de caso julgado previsto no artigo 629.º, n.º 2, alínea, a), parte final, do CPC, na base do qual a revista é sempre admissível mesmo em caso de ocorrência de dupla conforme, em conformidade com a ressalva feita no n.º 3 do artigo 671.º do mesmo diploma.

    Assim, perante a invocação de tal fundamento, coloca-se então o problema de saber se ajuizar sobre a verificação da alegada ofensa de caso julgado se reconduz a uma questão de mera aferição da admissibilidade do recurso ou se já se inscreve no domínio do conhecimento do próprio objeto do recurso, destrinça que nem sempre se mostra linear no caso concreto.

    Seja como for, face ao modo de problematização que vem aqui equacionado pelas Recorrentes, afigura-se mais curial tratar essa questão, em termos substanciais, ou seja, no plano do conhecimento do objeto do recurso. III - Fundamentação 1. Enquadramento preliminar Com a presente ação pretendem as A.A. e a Interveniente obter a condenação solidária das R.R. a pagar-lhes as quantias peticionadas a título de indemnização emergente da alegada violação do compromisso por estas assumido, na qualidade de acionistas da Sociedade Agrícola PP, S.A., de possibilitar a dissolução desta sociedade e subsequente partilha do respetivo património social através de um processo complexo de cisões-fusões.

    Imputam assim às R.R. a violação desse acordo, face ao que aquela sociedade teve de ser extinta por via de uma dissolução/liquidação/partilha nos termos da qual as Recorrentes tiveram de pagar impostos que não seriam devidos caso se tivesse enveredado pelo acordado processo de cisões-fusões.

    Tendo a ação sido julgada totalmente improcedente na 1.ª instância com confirmação pela Relação, por não se terem provado factos essenciais à sua procedência, pretendem agora os Recorrentes que esses factos sejam dados por provados por efeito de autoridade de caso julgado da decisão proferida sobre os mesmos factos numa ação anterior instaurada pelas aqui R.R. contra a Sociedade Agrícola PP, S.A. (em liquidação), que correu termos no processo n.º 421/06.5TYLSB, no Tribunal de Comércio de …, na qual se pedia a anulação de todas as deliberações tomadas na assembleia geral da ali demandada, de 30/03/2006, ação que foi julgada improcedente, conforme sentença reproduzida a fls. 671-708, transitada em julgado em 12/07/2010 (fls. 670). 2. Factos dados como provados na presente ação Foi dada como provada pelas instâncias, no que aqui releva, a seguinte factualidade: 2.1.

    A.A. e R.R. foram acionistas da extinta Sociedade Agrícola da PP, S.A., que teve sede na R. … nº … s/p.a., em Lisboa.

    2.2.

    Além das A.A. e das R.R., foram igualmente acionistas da Sociedade Agrícola da PP, S.A. a “Sociedade Agrícola QQ, S.A.”, a “Herdade da RR, S.A.”, a “Herdade da SS, S.A.”, “Herdade TT, S.A.” e a “Sociedade Agrícola UU, S.A.”.

    2.3.

    As referidas sociedades foram constituídas em 1992 por iniciativa das pessoas físicas até então detentoras da totalidade do capital social da Sociedade Agrícola da PP, S.A, em vista da dissolução desta última e da distribuição do seu ativo pelos acionistas.

    2.4.

    As 19 sociedades anónimas anteriormente referidas são, desde a sua constituição e até ao presente momento, totalmente dominadas por membros da família VV, herdeiros dos originários proprietários da PP, sita no concelho de A….

    2.5.

    Em 1975, a Sociedade Agrícola da PP, S.A., era proprietária e explorava diretamente a denominada PP, com a área total de 14.781,2130 hectares.

    2.6.

    A PP integrava dois prédios rústicos, constituídos por grandes áreas de floresta, com sobreiros, eucaliptos, pinheiros, etc., e vastas áreas de regadio onde se fazia o cultivo de arroz, milho e outros produtos.

    2.7.

    A Sociedade Agrícola da PP, S.A., explorava igualmente milhares de cabeças de gado e dispunha de numerosas e valiosas máquinas e alfaias agrícolas.

    2.8.

    E várias casas de grande dimensão, de boa construção e...

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