Acórdão nº 1069/16.1T8PVZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA ABREU
Data da Resolução08 de Novembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO AA, instaurou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra BB - Companhia de Seguros, S.A., articulando, com utilidade, que, ao conduzir o seu veículo (...-FJ-...), numa estrada com dois sentidos de marcha e uma via em cada um desses sentidos, foi encandeado por um veículo todo-o-terreno que surgiu pela sua frente, em sentido oposto, com as luzes de estrada ligadas (vulgo, máximos), invadindo a via onde o Autor transitava (da direita, atento o seu sentido de marcha).

Para evitar a colisão com este veículo, o Autor desviou o ...-FJ-... para a direita indo embater no veículo ...-EA-... que estava estacionado na faixa de rodagem, provocando o embate da frente deste automóvel na traseira do ...-...-DJ, então estacionado à frente do ...-EA-....

O Autor assumiu a culpa na eclosão do acidente, elaborando a respectiva declaração amigável, mas a Ré não assumiu a responsabilidade.

Da colisão resultaram danos para o veículo do Autor, na parte frontal, cuja reparação a Ré considerou inviável, considerando uma situação de perda total, com um valor de veículo de €17.000,00.

Entretanto, o Autor vendeu o ...-FJ-... no estado de salvado pelo valor de €1.602,00, pelo que, a Ré deveria ter pago ao Autor a quantia de €15.398,00.

Depois do acidente, a imobilização do veículo provocou inúmeros transtornos, quer familiares, quer sociais, ao Autor, na medida em que o obrigava a pedir a amigos e familiares viaturas emprestadas para se deslocar, não tendo a Ré providenciado por um automóvel de substituição, situação que ainda subsistia à data da petição inicial, dano que o Autor estima em €50,00/dia (valor que pagaria se recorresse a um rent-a-car), cuja reparação reclama, num total de €25.950,00, considerando decorridos 519 dias desde o dia do acidente, a que acresce o valor que se vier a apurar até ao efectivo e integral pagamento da indemnização devida pela Ré. A Ré declinou a sua responsabilidade apenas 148 dias depois da participação do sinistro, quando o deveria ter feito no prazo de 15 dias a contar do dia 6 de Abril de 2015, até 24.4.2015, devendo pagar €100,00 ao Autor e igual quantia a favor do Instituto de Seguros de Portugal por cada dia de atraso, o que perfaz a quantia de €12.400,00.

Acrescenta ainda que a Ré é parte legítima, por força do contrato de seguro no qual lhe foi transferida a responsabilidade civil por danos próprios.

O acidente ocorreu no dia 31 de Março de 2015 e o Autor foi dono e legítimo proprietário do ...-FJ-... até ao dia 27 de Maio de 2015, quando vendeu o salvado.

Conclui o Autor formulando o seguinte pedido: “(…) deve a presente ação ser julgada totalmente procedente por provada e, em consequência, ser a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de € 53.748,00 (cinquenta e três mil setecentos e quarenta e oito euros), acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação, até integral e efetivo pagamento.

Condenada ainda a quantia ao Autor a quantia que se vier a vencer, desde a presente data até efetivo e integral pagamento, a título de paralisação e privação de uso da viatura acidentada, na quantia diária de € 50,00 (cinquenta euros).” Regularmente citada, a Ré apresentou contestação, alegando não ter obrigação de indemnizar o demandante porque o contrato de seguro que vigorava na data do acidente para o ...-FJ-... fora celebrado com CC, com coberturas de choque, colisão e capotamento, mas sem que ela tivesse qualquer interesse no bem seguro, que nem sequer lhe pertencia.

Era, aliás, o Autor, seu proprietário, que o utilizava diariamente e providenciava pela sua manutenção e conservação, tratando-o como coisa sua.

A Ré, nada contratou com o Autor, pelo que, por respeitar a um seguro de danos, o ajuizado contrato é nulo.

Outrossim, sustenta a Ré que o alegado acidente de viação nunca ocorreu, sendo que os danos materiais nos veículos envolvidos não são compatíveis com a descrição que o Autor faz do acidente, pelo que, também por essa razão não há obrigação de indemnizar. A Ré comunicou a CC, a segurada e titular do contrato, em 7 de Abril de 2015, que a reparação custaria €14.277,00, valor que poderia aumentar após a desmontagem, sendo que nada tinha que comunicar ao Autor por nada ter contratado com ele.

Sendo o valor do veículo de apenas €10.000,00, na data da peritagem, havia perda total.

Ademais, invoca a Ré que, não tendo sido contratado o lucro cessante, nunca teria de pagar ao Autor qualquer indemnização pela paralisação do automóvel, e, mesmo que assim não fosse, a obrigação de pagamento de tal indemnização sempre cessaria com a venda do salvado.

Também não é devida a sanção pecuniária compulsória reclamada, muito menos ao Autor que não celebrou qualquer contrato de seguro com a Ré, sendo que a comunicação da Ré à segurada, pela qual declinou a sua responsabilidade, foi atempada.

Concluiu a Ré pela improcedência da acção.

Notificado para o efeito, o Autor não respondeu à matéria de excepção alegada na contestação.

Dispensada a audiência prévia, foi fixado o valor da causa em €53.748,00 e proferido despacho saneador tabelar a que se seguiu, a fixação do objecto do litígio e a enunciação dos temas de prova.

Calendarizada a audiência final, foi esta realizada com observância do formalismo legal, tendo o Tribunal de 1ª Instância proferido decisão, de facto e de direito, consignando no respectivo dispositivo: “Pelo exposto, decide-se julgar a acção parcialmente procedente, por provada e consequentemente, condenar a ré «BB – COMPANHIA DE SEGUROS, SA» a pagar ao autor AA a quantia de €10.900,00 (dez mil e novecentos euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação, até efectivo e integral pagamento.

No mais, decide-se absolver a ré do pedido.

Custas por autor e ré na proporção do respectivo decaimento.” Inconformados, Autor e Ré recorreram de apelação, tendo o Tribunal da Relação conhecido dos interpostos recursos, proferindo acórdão em cujo dispositivo foi consignado: “Pelo exposto, de facto e de Direito, acorda-se nesta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação da R. e parcialmente procedente a apelação do A. e, em consequência, altera-se a sentença recorrida, julgando-se parcialmente procedente a ação, e condena-se a R., BB – COMPANHIA DE SEGUROS, SA a pagar ao A., AA: a) A quantia de € 9.298,00 relativa a indemnização pela perda total do veículo; b) A quantia que for devida na data em que for efetuado o pagamento da quantia referida em a), calculada até essa data, à razão de € 10,00 por dia, desde o dia 8.6.2015, de que já está vencido até à data da citação o montante de € 4.530,00 (correspondente a 453 dias).

  1. Os juros de mora, à taxa legal, relativos à quantia referida em a) e à quantia de € 4.530,00 referida em b), contados desde a citação, até integral pagamento. Custas da apelação do A. e da apelação da R., por um e por outro, na proporção do decaimento. Custas da ação na proporção do decaimento.” É contra esta decisão que a Ré/BB - Companhia de Seguros, S.A. se insurge, formulando as seguintes conclusões: “1. Face aos factos provados, verifica-se que o contrato de seguro, a que os presentes autos dizem respeito, é nulo, 2. O que determina que a Ré não esteja obrigada ao cumprimento da prestação que contratualmente para si advinha do invocado contrato de seguro.

    1. A nulidade do contrato de seguro decorre do facto de a segurada não ter interesse digno de protecção legal no bem seguro, aliás, não tem nenhum interesse no bem seguro.

    2. Não ficou provado que a Ré não fez quaisquer diligências no sentido de apurar que o veículo seguro pertencia a um terceiro que não a segurada proponente do seguro ou que omitiu o dever de análise e confirmação da declaração de risco.

    3. Mas mesmo que a Ré tivesse tal obrigação - e não tem - esse facto não isenta o potencial tomador do seguro e/ou o segurado do dever de prestar as devidas informações com vista à correcta apreciação do risco que vai ser seguro.

    4. A seguradora não é obrigada a adivinhar que o bem seguro não pertence ao segurado, pois que o natural e expectável é que quem segura tenha um interesse patrimonial no bem seguro.

    5. Por isso, a única conclusão a tirar dos factos provados é a de que o contrato é nulo e a Ré não está obrigada a indemnizar.

    6. Ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido violou os arts. 24°,43°, 44°, 47° e 123º do RJCS (DL nº 72/2008) e bem assim nos arts. 298°, 397° e 405° do CC, o que impõe a revogação da douta sentença recorrida e a consequente absolvição da Ré do pedido.

    7. Mesmo que assim se não entenda, o que apenas se admite por mera hipótese de raciocínio, sempre o acórdão recorrido está em contradição com o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo n° 47112002.01,S1, da 7ª' Secção, em que foi relator o Ex.mo Conselheiro Sr. Dr. Alberto Sobrinho, publicado na Internet, de cujo sumário consta o seguinte: “... não pertencendo o veículo ao tomador do seguro e sendo ele alheio à sua manutenção e circulação, é evidente que não tem qualquer interesse patrimonial na celebração do contrato ... pelo que o seguro é nulo” e que transitou em julgado.

    8. Por isso, se não pela via do recurso de revista ordinária, pela via da revista excepcional, deve a questão da nulidade do contrato de seguro ser apreciada e decidida nos termos expostos.

    9. No que concerne à condenação da Ré na quantia referente à privação de uso, entende a Ré que o Tribunal recorrido decidiu contra a lei e de forma injusta, pois que.

    10. Não só não ficou provado nenhum dano do Autor a título de privação de uso do seu veículo, pois que usou outros veículos de familiares e de amigos, 13. Como ainda, porque a Ré, porque nada contratou com o Autor, não tem obrigação de o indemnizar, sendo ainda certo que, por ter havido destruição do veículo do Autor, não há lugar a indemnização por privação de uso.

    11. Seja como for, uma vez que o contrato de seguro é de danos, é facultativo e não foi contratada a cobertura de privação de uso, a Ré...

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