Acórdão nº 342/15.0T8VPA.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução11 de Dezembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]: I.

HERANÇA ILÍQUIDA E INDIVISA aberta por óbito de AA, BB, CC e DD, intentaram esta acção declarativa, com processo comum, contra EE.

Pediram que: a) Se reconheça os autores como únicos e universais herdeiros legitimários de AA; b) A declaração prestada por AA seja declarada falsa, por não corresponder verdade, e, em consequência, seja declarado nulo o certificado outorgado em 28/01/2013, com os demais efeitos legais; c) Seja anulado o cancelamento da inscrição hipotecária que se encontrava a favor de AA, pela apresentação 5113, de 09/04/2010, sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob número …/...; d) A ré seja condenada a pagar aos autores a quantia que se mostrar estar em falta, em sede de liquidação de sentença, que se calcula, no mínimo, em 33.312,00€, relativa ao empréstimo de quarenta e cinco mil euros de 30/09/2009, acrescido dos juros à taxa de oito por cento ao ano, contados dia-a-dia sobre o capital em dívida, e dos juros de mora calculados até efectivo e integral pagamento; e) A ré seja condenada a pagar aos autores a quantia de 1.500,00€, a título de danos morais, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento Como fundamento, os autores alegaram que são filhos de AA, falecido em 1/2/2013, e seus únicos herdeiros.

O pai dos Autores celebrou, em 30/12/2009, por escritura pública, um contrato de mútuo, pelo qual emprestou à Ré a quantia de 45.000,00 €, tendo, em 09/04/2010, a Ré outorgado escritura, através da qual constituiu uma hipoteca sobre o prédio urbano descrito na CRP de ... sob número 1960/..., a favor de AA, para garantia do referido empréstimo.

Em 28/01/2013, quatro dias antes do seu falecimento, pelo pai dos Autores foi outorgado um certificado no qual foi declarado que o aludido empréstimo, concedido à ora Ré, já se encontrava inteiramente pago, conferindo a respectiva quitação e autorizando o cancelamento da inscrição hipotecária registada a seu favor.

Tal declaração não corresponde à verdade, sendo que a Ré não liquidou a totalidade do empréstimo em causa, tendo o seu pai proferido uma declaração falsa, além de que já não estava em condições físicas e psicológicas para actuar com consciência da sua declaração, atento o grave estado de saúde em que se encontrava, devendo tal declaração ser declarada falsa e por isso nula e de nenhum efeito.

Invocam, subsidiariamente, o enriquecimento sem causa da Ré e a verificação de danos não patrimoniais sofridos pelos Autores.

A ré contestou, alegando que pagou o empréstimo ao seu irmão, AA, sendo, ainda, falso que este não estivesse em condições físicas e psicológicas para actuar com a consciência da sua declaração.

Concluiu pela improcedência da acção.

Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença em que se decidiu: A) Reconhecer os Autores BB, CC e DD como únicos e universais herdeiros legitimários de AA; B) Absolver a Ré EE do demais peticionado.

Discordando desta decisão, dela interpuseram os autores recurso de apelação, tendo a Relação decidido: Julgar parcialmente procedente a apelação, julgando a acção parcialmente procedente, por provada, e, para além do já decidido em A) do dispositivo da sentença: B) - declara-se a nulidade do certificado outorgado em 28/01/2013, com todos os efeitos legais; C) - anulando-se o cancelamento da inscrição hipotecária que se encontrava a favor de AA, pela apresentação 5113, de 09/04/2010, sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob número 1960/...; D) – condenando-se a Ré a pagar aos Autores a quantia de € 22.800,00, devendo tal quantia ser acrescida dos juros moratórios devidos desde a data da citação e até integral pagamento e, em tudo o mais se absolvendo a Ré do pedido.

Inconformada, vem agora a ré pedir revista, tendo apresentado as seguintes conclusões: A – Da nulidade do acórdão da Relação por falta de fundamentação: 1. A Relação para descartar o depoimento da Notária diz o seguinte: "O seu depoimento tem de ser considerado necessariamente como comprometido... ".

  1. Não poderá uma pessoa estar momentaneamente lucida e capaz? Nenhum fundamento se descortina no Acórdão.

  2. A declaração é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratório, nenhum fundamento a Relação trás à colação para anular a declaração.

  3. Nenhum dos fundamentos alegado pela 1ª instância foram rebatidos, ficando sem se saber se a testemunha não foi credível, se desconhecia o declarante, se se percebeu da alegada incapacidade do mesmo, se foi ou não objectiva, se foi ou não consistente, a nada se pronuncia a Relação.

  4. Não existe nenhuma regra de prova ou presunção legal de que os notários não podem testemunhar pois o seu depoimento não será valorado in limine, pois seria retirar direito civis aos notários ou criar uma regra de incapacidade testemunhal.

  5. O Acórdão recorrido não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, violando a al. b) do n° 1 do artigo 615° do CPC, aqui aplicável por remissão do artigo 662° do CPC.

  6. O acórdão recorrido não está devidamente fundamentado, pelo que deverá, assim, ser anulado por falta de fundamentação, nos termos dos artigos 662° e 615 n° 1, b) do CPC.

  7. A exigência de fundamentação tem natureza imperativa e constitui um princípio geral que a própria Constituição consagra no seu art. 205°, nº 1 e que tem de ser observado nas decisões judiciais; este princípio está consagrado para o processo civil no art. 615°, nº 1, b) do CPC, assim também violado.

  8. As normas jurídicas violadas no douto acórdão recorrido são: o art. 662º do Cód. Proc. Civil e os arts. 205°, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e 615º, nº 1, b), do Cód. Proc. Civil, na medida que impõem a fundamentação das decisões judiciais.

    B - Da nulidade do acórdão da Relação por erro sobre os fundamentos e pronúncia sobre a questão não em análise: 10. Os autores peticionaram a declaração de nulidade da declaração em causa nos autos, por incapacidade do declarante, tal foi a causa de pedir, sendo que a norma jurídica violada foi no entender dos apelantes o 257° do Código Civil.

  9. Ora o acórdão recorrido pronuncia-se sobre o valor probatório de uma declaração de quitação, já quanto à incapacidade do declarante, causa de pedir e pedido dos Autores, nada refere, ficando sem se saber se a declaração é nula ou se não faz prova do pagamento.

  10. Ao que parece o Tribunal da Relação anula a declaração por não se ter feito prova de pagamento, sendo que o sumário da decisão e os acórdãos citados não se debruçam sobre questão idêntica.

  11. O tribunal da Relação altera a resposta ao ponto 8, dizendo que o AA apresentava sinais de delírio e para fundamentar tal decisão refere que os documentos de quitação não fazem prova plena.

  12. Não existe relação entre a prova plena ou não dos documentos de quitação e a prova ou não do estado de incapacidade do declarante.

  13. O acórdão recorrido invoca fundamentos em oposição, da mesma forma que cita acórdão e decisões que tornam a decisão ambígua, e conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, e condenou em objecto diverso do pedido, pelo que deverá, assim, ser anulado, nos termos do artigo 662° e 615 n° 1, c), d) e e) do CPC.

  14. As normas jurídicas violadas no douto acórdão recorrido são: o art. 662° do Cód. Proc. Civil e os arts. 205°, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e 615°, n.º 1, c), d) e e) do Cód. Proc. Civil.

    C - Da violação da lei substantiva e erro na apreciação das provas - ónus da prova e força probatória das provas C1 - Do erro na apreciação das provas – ónus da prova e força probatória das provas 17. Na Relação pelo art. 662°, do Cód. Proc. Civil o julgamento que aí deve ser feito é tão amplo e abrangente quanto o da primeira instância.

  15. O Tribunal da Relação dá como provado que: No dia 28 de Janeiro de 2013, na Unidade de Cuidados Continuados de ..., AA apresentava-se em estado de delírio, não compreendendo o sentido das palavras que proferiu.

  16. Quem estaria então presente nesse dia 28 de Janeiro de 2013, na Unidade de Cuidados Continuados de ..., para dar como provado tal facto? 20. O Tribunal da Relação não analisa criticamente os documentos juntos aos autos, nomeadamente o de fls. 98.

  17. As testemunhas foram claras, contextualizaram o entorno subjacente ao certificado de fls. 17-verso a 18.

  18. As testemunhas, nomeadamente a Senhora Notária, descreveu as plúrimas visitas realizadas ao falecido AA e o grau de lucidez emanado pelo mesmo, o que corroborou com o juízo de desnecessidade de uma perícia ad hoc.

  19. As regras da experiência levariam a concluir, que os notários dão fé publica aos documentos que exaram, os notários estão funcionalmente obrigados a aperceberem-se do estado mental dos declarantes, os notários não têm interesse pessoal nos documentos que exaram, os notários não se corrompem por cerca de 100,00€ que possa custar o certificado da declaração, os Notários não se presumem falsificadores de declarações, 24. Todas estas regras da experiência podem ser infirmadas, mas, no que ao presente processo interessa, foi feita essa prova? Parece-nos que não.

  20. O Tribunal da Relação violou assim, salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal cometeu erro na indagação dos factos, pelo que violou, além das supra referidas normas, o disposto nos artigos , 574°, 596°, 413º e 609° do Código de Processo Civil e seus basilares princípios.

  21. O art. 662º do CPC consagra que a Relação só pode alterar...

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