Acórdão nº 37/18.3YREVR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelRAUL BORGES
Data da Resolução16 de Maio de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

O Exmo. Procurador-Geral Distrital Adjunto no Tribunal da Relação de Évora promoveu em 27 de Fevereiro de 2018, ao abrigo do disposto do artigo 16.º, n.º 1, da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, no âmbito do pedido de execução de Mandado de Detenção Europeu emitido pelas Autoridades Judiciárias de Espanha, a apresentação do cidadão português AA, nascido em Lisboa, em .........., residente na Rua ..........., .. - ..., Setúbal e também na Rua ......, ......, Sesimbra, requerendo a sua audição para os efeitos do disposto no artigo 18.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto.

O Mandado de Detenção Europeu foi emitido em 29 de Junho de 2017 pela Exma. Juíza de Instrução junto do Juzgado de Instruccion n.º 32 de Madrid, no âmbito do processo de instrução com a referência DPPA 2343/2016, para efeitos de procedimento criminal, pelos crimes de participação numa organização criminosa, de burla, e de branqueamento de capitais, previstos e punidos pelos artigos 299.º, 217.º e 218.º e 368.º-A, do Código Penal.

A pessoa procurada foi detida às 10:50 horas do dia 27 de Fevereiro de 2018 pela Polícia Judiciária, conforme fls. 6 e 8.

***** O requerido foi ouvido no dia 28 de Fevereiro de 2018, no Tribunal da Relação de Évora, nos termos do artigo 18.º, n.º 3, da Lei n.º 65/2003, tendo então declarado não consentir na sua entrega às Autoridades Espanholas e não renunciar ao princípio da especialidade, tendo solicitado prazo não inferior a 10 dias, para deduzir oposição, conforme auto de fls. 41/2.

O Ministério Público promoveu a validação da detenção e a sua manutenção.

Finda a audição do procurado, foi julgada válida a detenção efectuada e determinada a sua manutenção, tudo conforme auto de interrogatório de fls. 41 a 43, tendo o detido sido conduzido ao Estabelecimento Prisional instalado no Edifício da PJ, em Lisboa, ut fls. 44 e 45.

Ouvido o Ministério Público, que nada opôs, foi concedido o prazo de 10 dias para o requerido apresentar oposição, nos termos do artigo 21.º, n.º 4, da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto.

***** O requerido interpôs recurso do despacho, na parte em que determinou a manutenção da detenção, o qual foi apreciado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Março de 2018, constante de fls. 51 a 59 verso do apenso (Recurso Independente em separado), julgando-o improcedente. ***** O requerido apresentou a oposição à execução do MDE, conforme fls. 76/7, e em original de fls. 90/1/2, o que fez nos termos seguintes: «Considerando o disposto no nº 2 do artigo 21º e nos artigos 11° e 12° desse diploma legal, importa ter em consideração o seguinte.

São aqui aplicáveis as alíneas a) e b) do artigo 11° e a alínea b) do nº 1 do artigo 12° do referido estatuto legal.

Há procedimentos penais em Portugal, que são públicos e do conhecimento oficioso do tribunal (nº 1 do artigo 86° do CPP), a tomar em conta: - 5/16.0PECSC - 570/15.9S7LSB - 949/17.1PCSTB - 2487/11. 7TAVFX.

Os três primeiros respeitam ao facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu destes autos, à infração que o motiva e aos mesmos factos.

No terceiro, foi definitivamente declarado extinto o procedimento criminal.

No quarto, o aqui requerente é arguido e encontra-se marcada para 10 de abril de 2018 a realização do correspondente debate instrutório (documento junto). O aqui requerente não renunciou ao direito de estar nele presente, em conformidade com o nº 3 do artigo 300° do CPP.

O interesse do Estado Português na prossecução criminal e o cabal exercício dos direitos processuais dos suspeitos e arguidos assegurados pelas suas garantias de defesa sobrepõem-se ao processo simplificado de entrega judiciária transfronteiriço europeu, pelo que fica prejudicada a execução do mandado, tendo em consideração a existência dos supracitados processos.

As normas contidas nas alíneas a) e b) do artigo 11° da Lei nº 65/2003, de 23 de agosto são inconstitucionais, quando interpretadas no sentido de que não deve ser recusada a execução do mandado de detenção europeu nos casos em que a extinção do procedimento criminal nos tribunais portugueses ocorre por desistência da queixa, por violação do nº 5 do artigo 29º, do nº 1 do artigo 32° e dos nºs 3 e 5 da lei fundamental.

A norma ínsita na alínea b) do nº 1 do artigo 12° do artigo 11.º (SIC) da Lei nº 65/2003, de 23 de agosto é inconstitucional, quando interpretada no sentido de que é viável a execução do mandado de detenção europeu nos casos em que a mesma impede o procurado de exercer o direito de estar presente em debate instrutório a ter lugar no âmbito de processo pendente em tribunal português, por violação do nº 1 do artigo 32° e dos nºs 3 e 5 da lei fundamental.

Termos em que, opondo-se o procurado, deve ser recusada a execução do mandado de detenção europeu.

Para tanto, requer a V. Exª que se digne mandar oficiar aos processos nºs 5/16.0PECSC, 570/15.9S7LSB, 949/17.1PCSTB e 2487/11.7TAVFX, por forma a que sejam carreados para os autos os elementos pertinentes à decisão, sendo posteriormente agendada data para alegações orais, nos termos do nº 5 do artigo 21° da Lei nº 65/2003, de 23 de agosto.

Junta: um documento (Despacho a designar o dia 10 de Abril de 2018 para realização de debate instrutório no PCC n.º 2487/11.7TAVFX do Juízo de Instrução Criminal de Loures - Juiz 1, Comarca de Lisboa Norte).

O Exmo. Exmo. Procurador-Geral Distrital Adjunto no Tribunal da Relação de Évora apresentou a resposta de fls. 80 a 87, onde para além do mais, afirma que caberia ao requerido apresentar os elementos para apreciação do tribunal, sendo certo que neste processo não cabe investigar, mas tão só executar a solicitação do Estado requerente, só podendo solicitar elementos àquele Estado – cfr. art.º 5.º, n.º 5, 22.º, n.º 2 do diploma, pugnando pela inatendibilidade dos fundamentos da oposição deduzida e pela execução do mandado de detenção em presença, com a entrega do oponente à autoridade judiciária espanhola que o emitiu, para os fins nele prescritos, juntando cópia da acusação do processo comum singular n.º 2487/11.7TAVFX (fls. 88/9).

***** Por acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 10 de Abril de 2018, constante de fls. 99 a 119, ora decisão recorrida, foi deliberado determinar a execução do MDE, com a entrega do requerido às Autoridades do Estado emissor.

***** Não se conformando com o decidido, o requerido interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, apresentando a motivação de fls. 129 a 136, e em original de fls. 137 a 151, que remata com as seguintes conclusões (realce do texto): i. A desmaterialização dos processos veio permitir aos Tribunais, Juízes e procuradores, o acesso rápido e seguro a toda a informação constante de um processo identificável pelo seu número permanente e único — NUIPC; ii. Ao Tribunal a quo, fácil seria ter optado por consultar, ou mandar consultar os autos indicados pelo detido ao invés de se refugiar em pretensos motivos e, para concluir pela delonga que a defesa do detido provoca.

iii. A circunstância de o ora detido estar privado da sua liberdade, não tendo qualquer possibilidade de aceder, de consultar, de procurar na sua casa qualquer notificação que permita clarificar ou auxiliar o Tribunal na sustentação da sua decisão é causa mais do que suficiente para que o Tribunal a que optasse por cumprir o principio do investigatório; iv. Nos autos identificados pelo recorrente em sede de oposição estamos perante os mesmos factos que determinaram a emissão do MDE pelo Reino de Espanha; v. Por não identificação circunstanciada dos factos e sujeitos processuais, imputa o Venerando Tribunal a quo a possível consequência do não cumprimento do prazo de 60 dias para execução do MDE; vi. A obediência ao princípio da investigação, claro está, não derroga o princípio da livre apreciação da prova mas, não pode, ele mesmo ser derrogado sem que o Tribunal minimamente justifique as razões - jurídicas - que o determinaram! vii. Trata-se aqui de uma discricionariedade vinculada por parte do Tribunal, em obediência ao que deve ser um dos fins do processo penal, a descoberta da verdade e a realização da Justiça! viii. E, a ponderação deve, no caso concreto, materializar-se na dialéctica entre a tutela jurisdicional efectiva e o respeito por direitos fundamentais — absolutos -, como é a liberdade, por um lado, e a obrigação de correspondência ao princípio da reciprocidade.

ix. O princípio da reciprocidade não pode estar ao mesmo nível de protecçao jurídica do direito à defesa e ao cumprimento de formalidades essências á descoberta da verdade e ao processo equitativo e justo (na senda do artigo 6° da CEDH).

x. Recusar a aplicação do princípio da investigação em absoluto, não conceder ao aqui recorrente a possibilidade: que corno se viu está limitado pela sua condição, de sustentar, ainda que sumariamente, as razões da sua pretensão é, sem qualquer dúvida, derrogar as garantias de defesa plasmadas no n° 1 do artigo 32° da CRP.

xi. Ora, não tendo a aqui recorrente abdicado da regra da especialidade, tendo invocado factos — subsistência de processos penais anteriores -, e tendo fornecido a identidade única dos mesmas, estamos em crer que o Tribunal a quo deveria ter salvaguardado a ponderação devida e, em caso de recusa, ter xii.

Prima facie, convidado o aqui recorrente a justificar sumariamente o alegado e, em ultima ratio, ter sustentado a sua posição com base num qualquer e hipotético argumento juridicamente sustentável e não, como o fez, no exercício de direito de defesa como putativa causa de entorpecimento do cumprimento do MDE!!! xiii. Existe aqui, claramente, insuficiência de factos que determinam uma decisão equitativa e justa e que deveriam ter sido levadas a cabo pelo Tribunal a quo mesmo que, após convite ao detido para tal.

xiv. Não o tendo feito, viola o tribunal a quo o principio da investigação, materializado, in casu, na violação do preceituado no artigo 340° do CPP e, finalisticamente, na contribuição para a descoberta da verdade...

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