Acórdão nº 1268/16.6T8FAR.E1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ARAÚJO
Data da Resolução27 de Novembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

PROC. N.º 1268/16.6T8FAR.E1.S2 REVISTA EXCEPCIONAL REL. 54[1] * ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO A AA, CRL., com sede na Rua …, n.

5 1 e 2, em ..., instaurou acção declarativa sob a forma de processo comum, contra BB, residente na Rua …, n.

9 …, em ....

Alegou, em síntese, o seguinte: - Para aquisição da fracção autónoma identificada nos autos, CC contraiu um mútuo no valor de 280.000,00 € junto da Autora, tendo sido constituída e registada hipoteca para garantia desse mútuo; - Foi ainda sido concedido outro mútuo à referida CC, no valor de 60.000,00 €, e constituída uma segunda hipoteca sobre a fracção autónoma, para garantia desse outro mútuo.

- A mutuária CC foi declarada insolvente, tendo a Autora, no âmbito do respectivo processo de insolvência, adquirido em 24.06.2015, a fracção autónoma em causa pelo valor de 340.000,00 €.

- A fracção autónoma encontra-se ocupada pelo Réu, que se recusa a entregá-la à Autora, impedindo-a, assim, de dispor da mesma, seja para vender ou arrendar, sendo que o valor locatício da mesma é de 1.000,00 € por mês.

Em conclusão, pede a Autora que o Réu seja condenado a reconhecer o invocado direito de propriedade e a entregar o imóvel e indemnizar a Autora pelo valor mensal de 1.000,00 €, até à efectiva entrega do imóvel.

O Réu, na contestação, alegou que tomou de arrendamento a fracção autónoma em 01.10.2011, pelo prazo de dez anos, sempre pagando as rendas, o que faz à própria Autora desde Maio de 2015, porquanto esta se intitulou proprietária, e passou a receber as rendas.

Entende que é arrendatário da fracção autónoma, o que é do conhecimento da Autora, que a tanto nunca se opôs e recebeu as rendas durantes meses, pelo que esta age em abuso direito.

Realizou- se a audiência de discussão e julgamento e foi proferida a sentença, na qual se decidiu: A - Reconhecer o direito de propriedade da Autora AA, CRL, sobre a fracção autónoma designada pela letra "E", correspondente ao rés-do-chão, primeiro e segundo andares, com entrada pelo n.

9 … da Rua …, destinada a habitação, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito em Avenida …, n.

9 …, … e … e Rua …, n.

9 1 e 3, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de ... de ..., concelho de ... e descrita na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.

9 887/20071119-E; B - Condenar o Réu BB, a entregar de imediato à Autora, a fracção autónoma acima indicada em A), livre de pessoas e bens; C - Condenar o Réu BB a pagar à Autora AA, CRL., a quantia de 9,956,21 €, relativa ao período de 17.05.2016 a 17.04.2017, acrescida da quantia de 905,11 €, por cada mês em que perdure a ocupação feita pelo Réu, contada desde 18.04.2017, até à data da efectiva entrega da fracção autónoma referida em A.; D - Condenar o Réu como litigante de má-fé, em multa no valor de 10 UC’s, e em indemnização a fixar nos termos previstos no n.

9 3 do art.

9 543° do Código de Processo Civil.

O Réu recorreu, mas o Tribunal da Relação de Évora confirmou a decisão.

Novamente inconformado, interpôs o Réu recurso de revista excepcional, que foi admitido pela Formação a que alude o n.º 3 do artigo 672º do CPC.

Remata as alegações da revista excepcional do seguinte modo: (…)[2]: 27. O acórdão recorrido alterou a matéria de facto, dando como provado que o arrendamento se celebrou antes do registo de qualquer penhora.

28. O Tribunal da Relação de Évora alterou a matéria de facto da 1ª instância, o que determina que a apelada pode vender o imóvel.

29. Na verdade, alterou o facto provado para se ler: “em virtude do contrato de arrendamento, a apelada está impedida de fazer o uso da fracção autónoma indicada no facto provado 1., incluindo a faculdade de a arrendar, em razão da ocupação feita pelo Réu”, onde se lia “A Autora está impedida de usar e dispor da fracção autónoma indicada no facto provado 1º, incluindo a faculdade de a vender ou arrendar, em razão da ocupação feita pelo Réu”.

30. Assim, dos factos provados resulta que o contrato de arrendamento em nada limita o direito de propriedade, ou melhor, em nada limita o direito à livre disposição do locado por parte da apelada.

31. Tanto o Tribunal de 1ª instância como o Tribunal da Relação condenaram o Réu a entregar o imóvel à Autora, considerando que é inoponível a esta o contrato de arrendamento celebrado com o Réu, carecendo este, por isso, de título para ocupar o imóvel.

32. Considerando estes julgados que o n.º 2 do artigo 824º do Código Civil se aplica igualmente aos contratos de arrendamento, apesar de não estarem previstos no corpo da norma, nem, pela sua natureza, produzirem efeitos perante terceiros.

33. Seguindo assim a jurisprudência por aquela Veneranda Relação considerada maioritária, sem aprofundar os fundamentos jurídicos que poderiam levar à manutenção do contrato de arrendamento, mas nem por isso explorando os argumentos que levaram à decisão de que o mesmo caduca com a venda executiva.

34. Referindo ainda que o grande princípio da ordem jurídica portuguesa é o da analogia.

35. Entendimentos esses que, dada a sua falta de fundamentação, só podem ser considerados gravosos e violadores da lei e da segurança jurídica que pauta o nosso sistema.

36. Mas a apelada conhecia e não ignorava a existência do contrato de arrendamento, até porque este se encontrava registado nas Finanças e lhe foi dado a conhecer pela própria administradora de insolvência.

37. A verdade é que não se pode decidir um pleito judicial ultrapassando normas imperativas do Código Civil, como o artigo 695º, que determina a nulidade da cláusula que proíba ao proprietário alienar ou onerar os bens hipotecados.

38. De seu turno, o credor hipotecário não pode ter o privilégio de impedir a administração do bem pelo proprietário, pelo simples facto de que a garantia poderá vir a ser accionada.

39. Mas é exactamente neste sentido que o aresto em crise decide, limitando o direito de propriedade do dono do imóvel.

40. Na ponderação do interesse económico do credor hipotecário, que visa a prossecução do lucro, face ao interesse social do arrendamento, que visa a habitação e o direito a ela por classes que, tendencialmente, não conseguem obter habitação com recurso à compra, não pode o primeiro ultrapassar o segundo.

41. E não se diga que o arrendamento pode ser incluído no elenco dos actos de disposição dos bens, sendo pacífico que é um acto de mera administração, gerador de rendimentos, e que até poderá ser determinante na prossecução do interesse do credor hipotecário em ver o seu crédito ressarcido.

42. Não é admissível o sacrifício dos interesses preponderantes de um terceiro de boa-fé para protecção de entidades que têm o seu crédito garantido pelo bem que oneram.

43. Nem o legislador previu que assim pudesse ser quando construiu o regime jurídico do arrendamento e da hipoteca.

44. Dada a regulamentação jurídica do arrendamento e das hipotecas, bem como do regime da venda em processo executivo, vir agora ‘integrar’ lacunas inexistentes na lei (estando, portanto, vedado qualquer recurso à analogia) para proteger credores fortes , como o são os credores hipotecários, é um absurdo jurídico, violador dos mais básicos princípios da ordem jurídica portuguesa e da Justiça.

45. Sendo esta, no mínimo, desconforme com o sentido literal e teleologicamente inadequada, implica uma ‘apropriação’ do poder de determinar o critério de aplicação de uma disposição legal – e, portanto, da solução do caso – o qual cabe ao legislador, e constitui uma violação do princípio da separação de poderes e do dever de obediência à lei, a que os tribunais estão sujeitos, violando os artigos 2º, 111º, n.º 1, 203º e 204º da CRP.

46. Face ao exposto, e considerando o acima exposto, não pode o recorrente ser condenado como litigante de má fé.

47. Posto isto, não se podem aceitar as decisões da 1ª instância e do douto Tribunal da Relação, devendo o acórdão objecto do presente recurso ser revogado e substituído por outro que determine a não caducidade do contrato de arrendamento celebrado com o recorrente e determine a sua oponibilidade ao recorrido.

A recorrida contra-alegou, batendo-se pela improcedência do recurso.

* Estando o objecto do recurso limitado pelas conclusões do recorrente, a única questão a conhecer é a de saber se caduca, ou não, o arrendamento de um imóvel alienado a um terceiro em venda judicial, havendo hipoteca registada anterior a esse arrendamento.

* II. FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS Das instâncias vêm provados os seguintes factos[3]: 1. Encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.

º 87/20071119-E, a fracção autónoma designada pela letra "E ", correspondente ao rés-do-chão, primeiro e segundo andares, com entrada pelo n.

º … da Rua …, destinada a habitação, do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida …, nºs …, … e … e Rua …, nºs 1 e 3, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de Cabanas de ..., concelho de ...; 2. A acima referida fracção...

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