Acórdão nº 277/14.4TBABT.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ARAÚJO
Data da Resolução27 de Novembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

PROC. N.º 277/14.4TBABT.E1.S1 REL. 52[1] * ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO AA, solteira, residente na rua …, n.º …, …, …, intentou acção declarativa comum contra BB, viúva, moradora na rua …, n.º …, …, CC, divorciado, residente na ..., lote …., …, …, DD, solteiro, morador na rua ..., n.º …, …, e o Estado Português, pedindo que:

  1. Seja judicialmente declarada a nulidade ou a sua ineficácia ou a invalidade do registo efetuado pela Ap. 1052, de 20120604; b) Sejam os réus condenados a reconhecer a nulidade ou a sua ineficácia ou a invalidade do registo efetuado pela Ap. 1052, de 20120604; c) Seja ordenada à Conservatória do Registo Predial de Constância a reposição em vigor do registo da hipoteca efetuado pela Ap. 13352, de 30.09.2010.

    O Réu CC contestou, impugnando os factos alegados pela Autora e negando que tenha falsificado qualquer documento que tenha servido de base ao cancelamento da hipoteca.

    Pediu a improcedência da ação e a sua absolvição do pedido.

    O Réu DD também contestou e, no essencial, invocou a sua qualidade de terceiro de boa-fé, referindo ter adquirido a fracção em causa livre de ónus ou encargos, tal como estava inscrito no registo predial, pagando o respetivo preço.

    O Réu Estado Português, por seu lado, contestou arguindo a incompetência absoluta (material) do Tribunal para conhecer da presente acção.

    Aduz, no entanto, que a acção deve proceder, caso se prove que o registo do cancelamento da hipoteca foi efectuado com base num título falso.

    Realizou-se o julgamento e foi proferida a sentença em que se decidiu:

  2. Declarar nulo o registo de cancelamento da hipoteca efetuado pela Ap. 1052, de 20120604; b) Condenar os réus BB, CC, Estado Português e DD a reconhecer a nulidade do registo de cancelamento da hipoteca efetuado pela Ap. 1052, de 20120604; c) Ordenar à Conservatória do Registo Predial de Constância a reposição em vigor do registo da hipoteca efetuado pela Ap. 13352, de 30.09.2010; d) Ordenar o cancelamento do registo efetuado pela Ap. 1478, de 2012/06/15 a favor do réu DD.

    Inconformado com o decidido, recorreu o demandado DD, tendo o acórdão da Relação de Évora revogado a decisão da 1ª instância na parte em que decretou “o cancelamento do registo efetuado pela Ap.1478, de 2012/06/15 a favor do Réu DD”, mantendo quanto o mais o ali decidido.

    O referido acórdão conta com um voto de vencido, com o seguinte teor: “Votei vencido, na parte em que mantém a sentença, porquanto, não obstante a nulidade do registo de cancelamento da hipoteca, não determinaria o cancelamento desse registo, por força do disposto no n.º 2 do art. 17º do Cod. Reg. Predial”.

    Novamente inconformado, volta a recorrer o Réu DD.

    Conclui as alegações da revista do seguinte modo: 1. O Tribunal da Relação alterou a matéria de facto julgada em primeira instância decidindo que: “Assim sendo e na convicção desta Relação, o Réu DD desconhecia, até à citação para a presente acção, os atos referidos na petição inicial, tendentes a cancelar tal hipoteca. Procede, pelo exposto, este segmento do recurso.” 2. A questão dos efeitos da declaração judicial de nulidade do registo de cancelamento da hipoteca, nomeadamente no que ao seu cancelamento no registo predial diz respeito, foi levantada nos autos pelo Réu DD desde a contestação oportunamente apresentada.

    1. Com esta alteração da decisão da primeira instância e o reconhecimento da posição do Réu DD como terceiro de boa-fé, cabia ao Tribunal da Relação resolver a questão da impugnação dos efeitos da declaração da nulidade do cancelamento do registo de cancelamento da hipoteca ou remeter o processo ao tribunal da primeira instância para correcção da decisão proferida.

    2. Comportando em si mesmo o acórdão proferido uma contradição dos seus próprios termos, ao afirmar por um lado a impugnação por parte do Réu DD dos efeitos da declaração de nulidade do cancelamento do registo da hipoteca quanto aos seus efeitos registais e por outro ao não se pronunciar sobre essa impugnação.

    3. Ao não proceder desta forma, relegando para outro momento ou acção a resposta a esta questão, violou o recorrido o disposto no artigo 608º do Código do Processo Civil, cujas consequências deverão ser determinadas por V. Ex.ªs na decisão a proferir.

    4. O n.º 2 do artigo 17.º do Código do Registo Predial determina que: “A declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa-fé, se o registo dos correspondentes factos for anterior ao registo da acção de nulidade.”.

    5. Esta disposição legal, de direito registal, fixa os efeitos registais da declaração judicial de nulidade do registo prevista no n.º 1 do mencionado artigo 17.º, determinando o não prejuízo dos direitos de terceiros de boa-fé, sendo o seu registo anterior ao da acção, como é o presente caso.

    6. O averbamento registal do cancelamento do registo da hipoteca no presente caso prejudica o direito de propriedade do Réu DD.

    7. Esta era a interpretação que o Acórdão recorrido deveria ter dado ao preceito legal, seguindo o entendimento do voto de vencida proferido pela Veneranda Desembargadora: “Votei vencida, na parte em que mantém a sentença, porquanto, não obstante a nulidade do registo de cancelamento da hipoteca, não determinaria o cancelamento desse registo, por força do disposto no n.º 2 do art. 17º do Cod. Reg. Predial.” 10. Ao caso concreto não se aplicam somente as disposições especiais do Código do Registo Predial, como foi determinado pelo Tribunal recorrido no Acórdão proferido, mas também disposições do Código Civil, especificamente o seu artigo 732º, que diz: “Se a causa extintiva da obrigação ou a renúncia do credor à garantia for declarada nula ou anulada, ou ficar por outro motivo sem efeito, a hipoteca, se a inscrição tiver sido cancelada, renasce apenas desde a data da nova inscrição.” 11. A este propósito Pires de Lima e Antunes Varela, no Volume I do seu Código Civil, em comentário anotado ao artigo 732.º afirmam: “São as necessidades do registo (protecção de terceiros) que inspiram a doutrina do art. 732.º. Entre o cancelamento do primeiro registo e a feitura do segundo podem ter sido constituídos novos direitos reais, quer sejam de gozo, quer de garantia, sobre a coisa, e importa proteger os respectivos titulares, se eles, entretanto, obtiveram o registo desses direitos. E igual protecção merecem os próprios direitos registados já na altura do cancelamento, embora posteriormente à hipoteca, cujos titulares passaram a contar com a extinção da garantia cancelada.” 12. Entende a doutrina que desta forma a lei portuguesa se afastou da regra geral quanto aos efeitos rectroactivos produzidos pela nulidade, o que no caso concreto implica a não retroactividade dos efeitos da declaração judicial da nulidade do cancelamento da hipoteca, e como esta só renasceria se registada, o averbamento do cancelamento do cancelamento do registo da hipoteca será contrário à lei vigente, violando-a.

    8. A Professora Doutora Mónica afirma mesmo que: “Concordamos com os insignes Mestres, apenas acrescentamos que, apesar da letra da lei, o terceiro não é apenas protegido se a causa extintiva da obrigação ou a renúncia do credor à garantia for declarada nula ou anulada ou ficar por outro motivo sem efeito, mas sim sempre que o registo da hipoteca seja cancelado e depois se reconheça ao credor o direito a obter a reinscrição da hipoteca. Assim, por exemplo, quando o registo de uma hipoteca seja cancelado com base numa falsa declaração do consentimento do credor.” 14. Como se verifica. no caso concreto, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação, para além de alicerçada na correcta interpretação do n.º 2 do artigo 17.º do Código do...

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