Acórdão nº 4724/10.6TBSTB.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Novembro de 2018
Magistrado Responsável | GRAÇA AMARAL |
Data da Resolução | 27 de Novembro de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça, I – relatório 1. AA, S.A. e BB, S.A., intentaram acção contra CC, DD e EE[1], pedindo: - a resolução do contrato-promessa dos autos, por incumprimento imputável aos 1.º e 2.º Réus, e serem estes condenados a pagar às Autoras a quantia de € 6.675.000,00, a título de indemnização correspondente à devolução, em dobro, do sinal por estas prestado, acrescida dos juros vencidos e vincendos, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Subsidiariamente, e na situação da improcedência deste pedido; - a anulação do contrato-promessa dos autos, por erro sobre o objecto e os motivos do negócio, e serem os Réus condenados a pagar às Autoras a quantia de € 3.337.500,00, a título de restituição, em singelo, do sinal prestado, acrescida dos juros vencidos e vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Ainda, subsidiariamente; - a execução específica do contrato-promessa dos autos, com a declaração de venda às Autoras das participações sociais que compõem o capital social da 3.ª Ré, e, indirectamente, por via dessa venda, a venda da ....
Alegaram para o efeito e essencialmente que através da celebração de um contrato-promessa de cessão das quotas representativas da totalidade do capital da sociedade EE, que os 1.ºs e 2.ºs Réus nela detinham, estes se obrigaram a vender o prédio rústico ..., que constituía o único activo da referida sociedade. Referiram ainda as Autoras que no prédio rústico em causa visavam realizar um projecto imobiliário o qual se lhes revelou gorado face à falta de capacidade edificativa do imóvel, tendo sido tal capacidade o pressuposto do negócio celebrado entre as partes.
Considerando que a manifestação de vontade declarada na certificação de comparência no Cartório Notarial de não outorga da escritura não configura uma recusa ilícita de cumprimento do contrato-promessa, concluem que não ocorre fundamento para a resolução do contrato-promessa operada pelos Réus através da carta que enviaram em 26-03-2010. Em consequência imputam a estes o incumprimento definitivo do contrato.
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Após citação os Réus apresentaram contestação impugnando a factualidade alegada na petição. Assim e fundamentalmente referiram que o incumprimento do contrato, imputável às Autoras, ocorreu por dificuldades financeiras das mesmas, que determinaram a não concretizaram do negócio. Refutaram ainda terem garantido às Autoras qualquer capacidade edificativa para o prédio e que a mesma tenha constituído condição ou pressuposto do contrato-promessa celebrado. Concluíram pela improcedência total da acção.
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Realizado julgamento foi proferida sentença (em 18 de Abril de 2016) que julgou improcedente a acção e absolveu os Réus dos pedidos.
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Inconformadas as Autoras apelaram, tendo o Tribunal da Relação de Évora (por acórdão de 11 de Maio de 2017), julgado a apelação parcialmente procedente tendo alterado a matéria de facto fixada e, ainda que com fundamentação diversa, foi a sentença confirmada.
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Interpuseram as Autoras recurso de revista formulando as seguintes conclusões: A.
Os Recorridos adoptaram uma conduta que configura uma recusa de cumprimento do contrato-promessa, desde logo porque declararam “rescindir” esse contrato, sem que para tal tivessem fundamento, com o que deixaram clara a sua vontade de porem fim ao contrato-promessa e de não realizarem a prestação a que se obrigaram através desse contrato.
B.
Para além disso, os Recorridos afirmaram, nas missivas enviadas à Recorrente e à FDO - Imobiliária, que haviam perdido o interesse na celebração do contrato definitivo.
C.
O Tribunal da Relação de Évora considerou que não se provaram factos que fundamentem a perda de interesse por parte dos Recorridos, pelo que julgou ilícita a rescisão contratual por eles declarada, o que equivale a um incumprimento definitivo do contrato-promessa pelos Recorridos.
D.
Ao ser ilícita, a rescisão do contrato-promessa por parte dos Recorridos manifesta a vontade destes de não cumprirem tal contrato.
E.
Acresce que, numa reunião tida apenas pelo Recorrido CC na Câmara Municipal de ... em Março de 2010, convocada a pedido daquele e cujo tema foi a discussão de uma nova proposta para o Plano de Pormenor da ..., o Recorrido declarou que iria retomar pessoalmente o assunto – cfr. Ponto 26 dos Factos Provados e Acta junta com a contestação como documento n.º 4.
F.
Esta conduta do Recorrido CC demonstra inequivocamente que naquele momento já não era intenção dos Recorridos alienar a sociedade EE, incluindo a ..., à Recorrente e à BB, porque até então e desde a celebração do contrato-promessa tinham ficado as promitentes-compradoras a conduzir o processo de elaboração do projecto do Plano de Pormenor – cfr. Ponto 19 dos Factos Provados.
G. Ademais, na sequência daquela reunião, em Junho de 2010, ou seja, já depois da rescisão do contrato-promessa declarada pelos Recorridos, o gabinete de arquitectura “E...” elaborou, a pedido dos Recorridos, um novo projecto, designado “Estudo Prévio”, para a ... - cfr. Ponto 27 dos Factos Provados, artigo 75.º da contestação e documento de fls. 133 e seguintes dos autos.
H.
Mais: o teor da contestação deduzida pelos Recorridos no presente processo é uma manifestação clara e inequívoca de que não pretendiam nem pretendem cumprir o contrato-promessa, o que é inegável tendo em consideração que se opuseram ao pedido de execução específica.
I.
Por fim, certo é que até hoje, mais de sete anos depois de terem declarado a rescisão do contrato-promessa, os Recorridos não tomaram qualquer iniciativa com vista à celebração do contrato definitivo, ao contrário do que haviam feito em momento anterior.
J.
Como é pacificamente reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência, a recusa de cumprimento por parte do devedor consubstancia um incumprimento definitivo do contrato e dispensa o credor dos ónus previstos no artigo 808.º, n.º 1, do CC.
K.
O comportamento adoptado pelos Recorridos, do qual resulta de forma manifesta o repúdio do contrato-promessa, é irreversível, sob pena de abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium, sobretudo porque permitiria aos Recorridos, agora e mais de sete anos depois, receber cerca de 2 milhões de euros, para além dos mais de 3 milhões que já receberam, por uma sociedade cujo único activo é a ..., cujo valor é de apenas €808.000 – cfr. Ponto 30 dos Factos Provados.
L.
Mesmo que se considere, como fez o acórdão recorrido, que a declaração de rescisão emitida pelos Recorridos é uma declaração de resolução, ilícita, estamos também perante uma recusa do cumprimento e, como tal, de um incumprimento definitivo do contrato.
M. Com essa declaração de resolução, os Recorridos extinguiram o contrato-promessa, sendo que não poderiam, nem em tese, querer voltar atrás e oferecer a sua prestação, uma vez que a resolução de um contrato opera-se por meio de declaração unilateral, receptícia, que se torna irrevogável logo que chega ao poder da parte contrária ou é por esta conhecida – cf. artigos 436.º, 224.º, n.º 1, e 230.º, n.º 1, do CC.
N. Pelo que, tendo extinguido o contrato-promessa, os Recorridos já não podiam cumprir a obrigação que para eles resultava desse contrato.
O. A recusa de cumprimento do contrato-promessa por parte dos Recorridos equivale a um incumprimento culposo, por causa imputável àqueles, na medida em que foi um acto que dependeu apenas e só da vontade dos Recorridos e que estes bem sabiam não ter fundamento.
P. Assim, havendo um incumprimento definitivo e culposo do contrato-promessa por parte dos Recorridos, à Recorrente assiste o direito de receber, em dobro, o sinal que prestou, no valor total de €6.672.660 (seis milhões seiscentos e setenta e dois mil seiscentos e sessenta euros), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde a data da citação para a presente acção até efectivo e integral pagamento – cf. artigo 442.º, n.º 2, do CC.
Sem prescindir: Q. Da conjugação dos factos dados como provados na sentença proferida pela primeira instância jurisdicional e não impugnados em sede de recurso com os factos dados agora por provados pelo Tribunal da Relação de Évora resulta que a Recorrente contratou com os Recorridos no convencimento de que o objecto real do contrato possuía determinadas características tidas por essenciais, entre elas a de que a ... tinha a potencialidade construtiva necessária para nela ser edificado um complexo comercial.
R. A potencialidade edificativa da ... era conhecida dos Recorridos como uma característica essencial do objecto do negócio, na qual a Recorrente fundara a sua decisão de contratar, e sem a qual não teria celebrado o contrato com os Recorridos.
S. No caso em análise, existe uma especificidade resultante de se tratar de dois contratos distintos – o de promessa e o prometido -, que se encontram numa coligação contratual e em que os pressupostos para a realização de um são aferidos pelo outro, sabendo-se que os dois contratos se celebrariam em momentos temporais distintos.
T. O que vale por dizer que o momento relevante para aferir da verificação integral dos pressupostos em que as partes fundaram a sua decisão de celebrar o contrato é o momento da celebração do contrato definitivo ou prometido; aqui, verificar-se-ia se as circunstâncias essenciais que determinaram a vontade de prometer celebrar um determinado contrato estão ou não reunidas.
U. A essencial potencialidade edificativa em que assentou a vontade de celebrar a promessa e que tinha de se verificar no momento da escritura pública não estava concretizada no momento em que os Recorridos exigiram celebrar a escritura pública do contrato prometido.
V. Deparou-se, pois, a Recorrente com erro sobre o objecto e os motivos do negócio, o que torna o contrato-promessa anulável com a consequente restituição do já prestado, nos termos dos artigos 251.º e 252.º do CC.
W. Ao contrário do que foi entendido pelo Tribunal da Relação de Évora, houve efectivamente uma representação inexacta da...
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