Acórdão nº 46/13.9TBGLG.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelCABRAL TAVARES
Data da Resolução27 de Novembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. AA intentou ação contra BB, SA, pedindo que a mesma seja condenada a pagar-lhe uma indemnização no montante total de € 210.641,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida dos juros legais, a contar da citação. Alegou, em síntese, que no dia 26 de Abril de 2009, o seu veículo de matrícula VG-... foi furtado; o Autor, que havia transferido a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo referido veículo para a Ré, foi intencionalmente atropelado pela pessoa que o conduzia, tendo sofrido os danos que estão na base do pedido.

Contestou a Ré, excecionando a prescrição e a exclusão de cobertura e impugnando alguns dos factos alegados pelo Autor.

Replicou o Autor.

Proferido saneador, julgando improcedente a exceção de prescrição e fixando o objeto do litígio, bem como os temas da prova.

Emitida, a final, sentença a julgar a ação improcedente e a absolver a Ré do pedido.

  1. Interpôs o Autor recurso per saltum para o STJ, mandado baixar à Relação.

    Decidiu aquele tribunal suscitar perante o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJ) o reenvio prejudicial relativamente à questão assim enunciada: «Em caso de acidente de viação do qual resultaram danos corporais e materiais para um peão que foi intencionalmente atropelado pelo veículo automóvel de que era proprietário, que se encontrava a ser conduzido pelo autor do respectivo furto, o direito comunitário, designadamente os artigos 12.º, n.º 3, e 13.º, n.º 1, da Directiva 2009/103/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, opõe-se à exclusão pelo direito nacional de qualquer indemnização ao referido peão em virtude de o mesmo ter a qualidade de proprietário do veículo e tomador do seguro?».

    O TJ, por acórdão de 14 de Setembro de 2017, declarou que: «O artigo 3.º, n° 1, da Diretiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, o artigo 1.°, n° 1, e o artigo 2.°, n° 1, da Segunda Diretiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, conforme alterada pela Diretiva 2005/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, bem como o artigo 1.°‑A da Terceira Diretiva 90/232/CEE do Conselho, de 14 de maio de 1990, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis, conforme alterada pela Diretiva 2005/14, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que exclui da cobertura e, por conseguinte, da indemnização pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis os danos corporais e materiais sofridos por um peão vítima de um acidente de viação, apenas pelo facto de esse peão ser o tomador do seguro e o proprietário do veículo que causou esses danos».

    A Relação, à luz da decisão proferida pelo TJ, considerou que, «prevalecendo a legislação comunitária sobre as normas de direito ordinário nacional, opondo-se aquelas a estas, a não aplicação das disposições internas contrárias às comunitárias é a natural consequência jurídica do primado do Direito Comunitário (…) afastada a aplicação ao caso vertente da exclusão da responsabilidade da seguradora prevista nos citados artigos do DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto [arts. 14º, nº 2, alíneas b) e c), 15º, nºs. 1 e 3] , quando o lesado é o proprietário ou tomador do seguro, aplicam-se de pleno as demais regras da responsabilidade civil decorrentes da legislação portuguesa sobre o regime de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, mormente no artigo 11.º, n.º 2, do DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto, de acordo com a qual o seguro de responsabilidade civil abrange os danos sofridos por peões, quando e na medida em que a lei aplicável à responsabilidade civil decorrente do acidente automóvel determine o ressarcimento desses danos, como é naturalmente o caso porquanto a responsabilidade civil por factos ilícitos prevê a obrigação de indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação dos seus direitos por parte daquele que, de forma ilícita, e actuando com dolo ou mera culpa, os tenha atingido (artigo 483.º do Código Civil), conforme já vimos ter acontecido no caso em apreço».

    Decidiu, em consequência, julgar parcialmente procedente o recurso e condenar a Ré a pagar ao Autor: «a) A quantia de 11.404,00€, (onze mil, quatrocentos e quatro euros) pelos prejuízos patrimoniais sofridos; b) A quantia de 25 000,00€ (vinte e mil euros), a título de indemnização pelo dano biológico; c) A quantia de 35 000,00€ (trinta e cinco mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos; d) Os juros de mora à taxa legal, contados desde a citação sobre a quantia referida em a), e a partir deste acórdão, sobre as quantias referidas indemnizatórias referidas em b) e c), actualizadas a esta data; absolvendo a Ré do demais peticionado».

  2. Pede revista a Ré, na alegação formulando as seguintes conclusões: «I. Nos termos do art. 288.° do Tratado de Funcionamento da União Europeia, as diretivas não são de aplicação direta na ordem jurídica nacional. Elas vinculam apenas o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado e objetivos a alcançar, mas deixam às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios a utilizar (medidas nacionais de execução: lei, decreto-lei, etc.), ou seja, apenas vigoram nas ordens jurídicas nacionais após a respetiva transposição.

    1. Entre particulares, não têm aplicação direta na ordem jurídica nacional, designadamente no caso dos presentes autos, as normas das diretivas de direito comunitário relativas à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis, mas sim o art.° 15.°, n.º 1, do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto, que transpôs tais diretivas, mesmo que não tenham sido transpostas corretam ente.

    2. Mesmo nos casos em que o Tribunal de Justiça da União Europeia tem estabelecido que as diretivas podem ser aplicadas diretamente, tem sido excluído o chamado efeito horizontal das diretivas, ou seja a produção de efeitos das diretivas nas relações entre particulares (por...

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