Acórdão nº 190/16.0T8BCL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Dezembro de 2018
Magistrado Responsável | CABRAL TAVARES |
Data da Resolução | 04 de Dezembro de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. AA e marido, BB, intentaram ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra CC, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhes a quantia de € 11 107,91, acrescida de juros de mora vencidos, no valor de € 2 484,55, e dos vincendos, até integral pagamento.
Alegam – em síntese – que, em 27 de Julho de 2010, outorgaram escritura de doação, nos termos da qual a Ré lhes doou o prédio misto, na petição devidamente identificado, com reserva de usufruto para a doadora e com a obrigação de os donatários a tratarem e acompanharem na saúde e na doença; na sequência da escritura, a Autora passou a viver na casa usufruída pela Ré, fazendo a limpeza e as compras, prestando àquela todos os cuidados, acompanhando-a ao médico e levando-a a passear; por essa altura, e por indicações do advogado da Ré, foi aberta uma conta bancária conjunta da Autora e da Ré, para aquela ir pagando as despesas da casa e quaisquer outras que a Ré determinasse; em Setembro de 2010, a Ré solicitou ao Autor que lhe emprestasse a quantia de € 2 000,00, em vista ao pagamento de um imposto de selo, tendo este, aceitando tal pedido, depositado essa quantia na conta bancária acima aludida; em Outubro de 2010, a Ré recebeu a notificação fiscal para pagamento do imposto de selo em causa, no valor de € 9 107,91, a pagar até final do ano, dispondo, nessa altura, a dita conta bancária apenas de saldo € 3 219,02; a solicitação da Ré, a Autora pediu emprestado a DD o valor do imposto de selo a pagar, depositando tal montante na mesma conta; em 23 de Novembro de 2010, a Autora emitiu a favor do IGCP um cheque, no valor de € 9 107,91, para pagamento do dito imposto de selo; em 25 de Novembro de 2010, a Ré impediu a Autora de continuar a residir na habitação; nesse mesmo dia, a Autora solicitou, sem sucesso, a devolução dos indicados valores de € 2 000.00 e € 9 107,91.
Contestou a Ré, impugnando a totalidade da matéria de facto da petição inicial, com exceção da celebração da referida escritura de doação; relativamente à quantia de € 2 000,00, diz ela respeito ao subsídio por morte, no montante de € 2 500,00, que a Ré recebeu da Segurança Social, através de vale, e que o Autor se prontificou a depositar na conta bancária acima referida, apropriando-se, todavia, do remanescente de € 500,00; relativamente ao depósito, no valor de € 9 107,91, teve ele, por causa, a circunstância de os AA. saberem que a Ré teria que pagar uma quantia de igual valor nos Serviços de Finanças, relativa ao imposto devido pela herança que recebeu do seu irmão e, por fundamento, a ocultação da inexistência de saldo na conta, provocada pelos variados levantamento a que haviam procedido.
Deduziu reconvenção, alegando que, apesar das obrigações contraídas e exaradas na doação, os AA. deixaram de lhe prestar os cuidados de higiene, limpeza, tratamento de roupas e fornecimento de refeições e se apropriaram de valores em dinheiro existentes em contas suas e de objetos em ouro e valores que encontraram na sua casa; especifica que os AA. passaram a efetuar movimentos bancários, através de cheques e cartão multibanco associados à conta acima referida, para pagamento de despesas próprias e sem o seu consentimento, no valor global de € 32 371,06; as obrigações assumidas pelos AA. na doação correspondiam à prestação de serviços através de trabalhos pessoais ou de terceiros, em valor nunca inferior ao do salário mínimo nacional; desde 25/11/2010, tem acumulado danos de montante não inferior a € 31 500,00, a que acrescerão os vincendos, até que cesse o incumprimento dos AA.; por força das obrigações assumidas na doação, os AA. têm obrigação de pagar as despesas de saúde, designadamente as já suportadas por si, no valor de € 863,56, bem como as respeitantes à habitabilidade do imóvel, designadamente as dos consumos e alugueres de contadores da EDP, no valor de € 4 001,07; o seu estado de saúde foi agravado pelo descrito comportamento dos AA., provocando-lhe humilhação, ansiedade, nervosismo e preocupações, danos para cuja compensação reclama o pagamento de € 9 450,00; detém, nesta data, em vista do exposto, um crédito sobre os AA. de € 78 185,69, a que haverá que deduzir, por efeito de compensação, o valor indicado na petição de € 9 107,91; conclui, pedindo (i) que a ação seja julgada não provada e improcedente, sendo absolvida do pedido e (ii) que a reconvenção seja julgada provada e procedente, sendo os AA. condenados a pagar-lhe a quantia de € 78 185,69 ou, deduzido por compensação o valor de € 9 107,91, a quantia de € 69 077,78, acrescida de juros de mora, bem como as demais quantias que se vencerem, a partir desta data e até que cesse o incumprimento dos AA., a liquidar em execução de sentença.
Replicaram os AA., impugnando a totalidade dos factos constantes da contestação e da reconvenção.
Aduzem ainda que tais factos já foram alegados e discutidos na ação ordinária n.º 461/13.8TBBCL, do Tribunal da Comarca de ... e no processo crime n.º 372/11.1TABCL, do então Juízo Criminal do Tribunal de ...; concluem, pedindo que se decida pela inadmissibilidade da reconvenção quanto aos factos já discutidos e julgados na ação ordinária anterior e que se decida pela inadmissibilidade da reconvenção quanto aos novos factos invocados pela Ré, uma vez que os mesmos derivam e estão diretamente relacionados com aqueles outros.
Proferido despacho a admitir a reconvenção e, em sede despacho saneador, julgou-se improcedente a exceção de caso julgado invocada pelos AA., tendo-se, todavia, no mesmo despacho, admitido «que se poderá questionar oportunamente e aquando do conhecimento do mérito (…) a existência ou não da autoridade de caso julgado, já que esta pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade referida, pressupondo sempre que a decisão de determinada questão não pode voltar a ser discutida» e determinada a notificação das partes, em vista do disposto no nº 3 do art. 3º do CPC, para se pronunciarem sobre tal questão. Definiu-se o objeto do litígio e fixaram-se os temas da prova.
Na sequência da referida notificação, vieram os AA. requerer que, em obediência à autoridade do caso julgado, fossem eliminados os pontos 3 a 7 dos temas da prova fixados, todos respeitantes ao pedido reconvencional formulado, já anteriormente examinados na sentença proferida no processo 461/13.8TBBCL; opôs-se a R., alegando que os factos em causa foram no anterior processo dados como não provados, pelo que «não existe risco de qualquer contradição ou produção de decisão contraditória»; por despacho, ditado na abertura da audiência de julgamento, foram mantidos os temas de prova e relegado para sentença o conhecimento da questão, nos termos equacionados no despacho saneador.
Proferida sentença a julgar a ação totalmente improcedente e a reconvenção parcialmente procedente, com a condenação dos AA. a pagar à Ré a quantia de € 31 500,00, devida até ao momento da apresentação da reconvenção, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4 %, a contar da notificação da reconvenção e até efetivo e integral pagamento, bem como a quantia mensal de € 500,00 a partir dessa data e até que cesse o incumprimento dos AA. Mais condenou os AA. a pagar à Ré a quantia por esta gasta a título de despesas de saúde, desde 25 de Novembro de 2010 e até que cesse o incumprimento dos AA., cujo montante se relegou para liquidação.
Assinalou-se na sentença, quanto aos factos enquadrados nos temas de prova 3 a 7, que «os mesmos foram considerados não provados [no anterior processo 461/13.8TBBCL] e como tal (…) não se formou a força de caso impeditiva dos mesmos serem novamente discutidos» (fls. 189, v.).
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Apelaram os AA., dissentindo da sentença da 1ª instância quanto à não verificação da autoridade do caso julgado, à fixação da matéria de facto e à interpretação da cláusula modal da doação.
O acórdão proferido pela Relação manteve integralmente a matéria de facto fixada pela 1ª instância e decidiu «anular a sentença recorrida, por ser indispensável a ampliação da matéria de facto para esta passar a incluir a factualidade vertida nos artigos 8º, 9º e 18º da contestação/reconvenção da Ré, sem prejuízo de uma eventual alteração da...
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