Acórdão nº 460/14.2TTVCT.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Dezembro de 2018
Magistrado Responsável | ANTÓNIO LEONES DANTAS |
Data da Resolução | 05 de Dezembro de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I AA intentou ação especial emergente de acidente de trabalho contra BB, S.A., pedindo que se declare o acidente dos autos como de trabalho e, consequentemente, que a Ré seja condenada a pagar-lhe: a) A pensão anual e vitalícia que resultar da IPP que lhe vier a ser fixada em junta médica; b) A indemnização pelos períodos de incapacidade temporária no montante de € 2.371,66; c) As despesas com deslocações no valor de € 450,00; d) Os juros de mora à taxa legal vencidos e vincendos.
Alegou, em síntese, como fundamento da sua pretensão que no dia 27/03/2014, pelas 13:15 horas, quando se deslocava da residência de sua mãe, onde normalmente almoça, para o trabalho, sofreu um acidente, tendo o mesmo ocorrido no logradouro da referida habitação. Em resultado do acidente sofreu lesões que lhe determinaram um período de incapacidade temporária e uma IPP.
A Ré contestou a ação reconhecendo a existência do contrato de seguro e não aceitando a caracterização do acidente como de trabalho, alegando que o mesmo ocorreu quando a autora estava a apanhar “espinhas de peixe” que estariam caídas no solo, ou seja, antes de iniciar o trajeto para o trabalho. Mais defende que em face do facto do acidente ter ocorrido no logradouro da habitação pertencente exclusivamente ao proprietário e sendo de utilização e acesso privados, não integra a extensão a que alude o artigo 9.º da LAT e concluiu pela improcedência total da ação.
A ação instaurada prosseguiu seus termos e veio a ser decidida por sentença de 8 de março de 2017, que integrou o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, o Tribunal julga parcialmente procedente a presente ação e, e em consequência decide: - condenar a ré seguradora, “CC, SA”, a pagar à autora AA o capital de remição calculado com base na pensão anual e vitalícia de dois mil e duzentos e dezoito euros e trinta e seis cêntimos (2 218,36), com início em 27 de março de 2015; - condenar a ré seguradora, “CC, SA”, a pagar à autora AA, a título de indemnização pelos período de incapacidades temporárias, o valor de dois mil e oitocentos e um euros e noventa e três cêntimos (2 801,93); - condenar a ré seguradora, “CC, SA”, a pagar à autora AA, a título de despesas com deslocações a tratamentos médicos e fisiátricos, ao GML e ao tribunal, o valor de duzentos e setenta euros (270,00); - condenar a ré seguradora, “CC, SA”, a pagar à autora AA os juros de mora contados à taxa civil legal em vigor sobre: o capital de remição desde a data da alta até à entrega efetiva deste; a indemnização das ITs desde a data do vencimento da obrigação do seu pagamento; o montante das despesas reclamadas desde o dia subsequente à sua reclamação no processo (despesas de transporte e despesas médicas e medicamentosas), conforme artigos 126º, n.º 1 e 2, do RRATDP e 805º, n.º 2, alínea a) e 559º, n.º 2, do Código Civil, e até integral pagamento; - condenar a ré seguradora, “CC, SA”, a pagar ao Centro Distrital de Segurança Social de ... a quantia de Euros 4 254,84 (quatro mil e duzentos e cinquenta e quatro euros e oitenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal; - condenar autora e ré seguradora, na proporção do decaimento, nas custas do processo; - fixar o valor da causa: quarenta e um mil e setenta euros e vinte e quatro cêntimos (41 070,24); - determinar que se proceda ao cálculo.
Registe e notifique.» Inconformada com esta sentença, dela recorreu a Ré para o Tribunal da Relação de Guimarães, que conheceu do recurso por acórdão de 21 de setembro de 2017 e que integrou o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 87º do C.P.T. e 663º do C.P.C., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso de apelação interposto por BB S.A., confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.» Irresignada com este acórdão, veio a Ré recorrer de revista para este Supremo Tribunal, requerendo a admissão do recurso pela via da revista excecional.
Por acórdão da formação a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, foi decidido admitir o recurso de revista com fundamento na alínea c) do n.º 1 do referido artigo.
A recorrente integrou nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «A - Da Admissibilidade da Revista Excecional I. a VIII. (…) B - Da Fundamentação do Recurso propriamente dita IX. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão proferido em segunda instância nos presentes autos e é o mesmo apresentado na firme convicção de que a matéria de Direito sujeita à sua apreciação merecia outra decisão, pelo que a presente revista (excecional) tem por fundamento a violação de lei substantiva por parte do Tribunal a quo, por erro de interpretação/aplicação das normas aplicáveis [artigo 674.°, n.° 1 do CPC, al. a) do CPC].
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A discordância da Recorrente versa sobre dois pontos distintos da decisão, sendo o segundo subsidiário: - em primeiro lugar, o entendimento segundo o qual o sinistro que foi julgado provado consubstancia um acidente de trabalho, mais concretamente um acidente in itinere e a consequente condenação da Recorrente a reparar o referido acidente; - sem prescindir, na hipótese, que apenas se equaciona por hipótese de raciocínio, de assim não se entender, a condenação no pagamento de juros de mora sobre o capital de remição desde a data da alta até à entrega do mesmo.
a) O sinistro dos autos como acidente in itinere II. É o risco empresarial ou de autoridade decorrente do facto de o empregador possuir um conjunto de trabalhadores ao seu serviço que justifica a consagração de uma responsabilidade objetiva daquele, da qual decorre a obrigação de reparação dos acidentes que vitimem tais trabalhadores.
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Para além da definição de acidente de trabalho dada no artigo 8.° da LAT, a Lei consagra um conjunto de extensões ao conceito, para abranger situações em que, não obstante o evento infortunístico não ocorrer no tempo ou local de trabalho, se verifica ainda a autoridade do empregador.
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A decisão do Tribunal a quo, que perfilha entendimento idêntico à sentença proferida em primeira instância, na esteira do acórdão do STJ de 18.02.2016 (proc. 375/12.9TTLRA.C1.S1), segundo a qual o acidente ocorrido no logradouro da habitação deve ser considerado um acidente de trajeto, resulta exclusivamente de uma determinada interpretação do sentido a atribuir à eliminação do segmento "desde a porta de acesso para as áreas comuns do edifício ou para a via pública" antes previsto no artigo 6.°, n.° 2 do Regulamento da LAT, que não atende devidamente aos interesses jurídicos que a lei visa tutelar.
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Não se verifica uma diferenciação substantiva entre o interior do edifício e o logradouro ao ponto de se poder considerar que um local é a habitação em sentido estrito e o outro não, pois que no logradouro é também uma parte integrante desse local onde o trabalhador tem centrada a sua vida, tratando-se de um espaço utilizado também para a tomada e confeção de refeições, para momentos de lazer, para convívios familiares, para cultivo de plantas ou alimentos, entre outras atividades que são do foro exclusivamente privado da vida do trabalhador e da sua família, precisamente na mesma medida das que realiza no interior do edifício.
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O tratamento diferenciado entre os acidentes ocorridos nas partes comuns e os acidentes ocorridos nos logradouros não é discriminatório, dado que nos segundos é o proprietário/possuidor e os seus familiares quem determina como o referido espaço está organizado e tem pleno controlo e domínio sobre o mesmo e nas primeiras é inequívoco que nenhum dos condóminos/ocupantes da fração detém, a título individual, tal controlo.
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Consequentemente, não há razões para concluir que na mente do legislador da nova norma relativa à extensão do conceito acidente de trabalho esteve a intenção de passar a incluir tanto as partes comuns como os logradouros.
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Como decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa no seu acórdão-fundamento (acórdão de 07.10.2015; proc. 408/13.1TBVPV; relator José Eduardo Sapateiro), "a tónica delimitadora do que é acidente in itinere ou não passa necessariamente pela perda de controlo, ainda que meramente parcial, das condições e circunstâncias que afetam o espaço onde o trabalhador circula, quando se desloca de casa para o trabalho ou vice-versa, sujeitando-se assim aos perigos a que os locais públicos ou explorados pelo empregador ou clientes deste último estão expostos e que escapam, no todo ou em parte, ao seu domínio, vigilância e capacidade de modificação e reação. II - Nessa medida, não é acidente de trajeto aquele evento que se traduz na queda do trabalhador no logradouro privado da sua habitação, quando ai se deslocava, provindo do seu locai de trabalho, com vista a tomar a refeição do almoço".
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Este entendimento é o único compatível com as exigências de certeza e segurança jurídica pretendidas num domínio como o dos acidentes de trabalho e com a necessidade de se traçar um critério objetivo e perfeitamente apreensível.
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O entendimento do Tribunal a quo não permite traçar a fronteira entre o acidente ocorrido na vida privada e o acidente de trabalho, levando-nos a entrar na habitação dos trabalhadores e "aí, desde que acordam e se levantam até alcançarem a via pública ou os espaços comuns, equacionar a possibilidade de um acidente de trajeto" (acórdão da Relação de Lisboa já citado).
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No caso concreto, o acidente ocorreu no logradouro da residência, local onde a Recorrida estava totalmente subtraída ao controlo da entidade empregadora e tinha domínio, vigilância e capacidade de modificação e reação sobre as condições e circunstâncias que afetavam o espaço onde circulava e onde não havia há qualquer intervenção nem influência do poder de autoridade da entidade empregadora.
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Não pode...
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