Acórdão nº 71/15.5T8PTL.G1.S2  de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelPEDRO DE LIMA GONÇALVES
Data da Resolução13 de Novembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.

AA e mulher BB instauraram a presente ação declarativa contra CC, formulando os pedidos de: "a) Reconhecer-se que o contrato de compra e venda que incidiu sobre a fracção identificada no item 1. foi culposamente incumprido pelo R., pelo que deverá este ser responsabilizado e condenado pelos prejuízos causados, nomeadamente no pagamento das seguintes quantias: b) A quantia de € 18.762,50, por conta da reparação dos defeitos, dos quais 13.162,16 € (treze mil cento e sessenta e dois euros e dezasseis cêntimos), são respeitantes a danos no interior da fracção e a quantia de 5.600,34 € (cinco mil e seiscentos euros e trinta e quatro cêntimos), referentes a quota-parte do AA. na reparação das partes comuns do prédio; e c) A quantia de € 5.625,00, a título de privação do uso da fracção, acrescida dos montantes mensais, computados à razão de € 375,00, que se vierem a vencer até ao efectivo e integral pagamento da quantia referida na alínea precedente, na media em só nessa altura estarão os AA. dotados das necessárias condições para proceder a tais reparações; e d) A quantia de €4.519,95 (quatro mil quinhentos e dezanove euros e noventa e cinco cêntimos), por conta dos prejuízos patrimoniais decorrentes das deslocações e perda de ganho dos AA., correspondendo € 2.519,95 (dois mil quinhentos e dezanove euros e noventa e cinco cêntimos) a despesas que os AA. tiveram de incorrer com deslocações a Portugal por conta do incumprimento contratual que o R. deu causa, e a remanescente quantia de € 2.000,00 (dois mil euros), a título de perda de ganho que os AA. tiveram com os 8 (oito) dias úteis que despenderam em tais deslocações; e e) A quantia de € 6.000,00 (seis mil euros), a título de danos não patrimoniais que a conduta incumpridora do R. deu causa e cujos efeitos ainda não cessaram; e f) Deve, ainda, o R. ser condenado no pagamento do quantitativo de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) mensais, a título de cláusula penal, por cada mês de atraso que se verifique na liquidação integral dos montantes referidos nas anteriores alíneas b) a e) do presente petitório, sendo esta devida a partir da data da citação; e, g) Deve, ainda, o R. ser condenado a pagar os correspondentes juros de mora sobre todas as anteriormente individualizadas quantias, calculados à taxa de juro legal, contados desde da citação até efectivo e integral pagamento".

Para tanto alegaram, em síntese, que: - a 30 de julho de 2013, compraram ao Réu a fração autónoma designada pelas letras "AT", correspondente ao 3.º andar do bloco A, do prédio urbano sito em ..., da freguesia e concelho de ...; - em outubro de 2013 surgiram infiltrações de água na generalidade das divisões, devido a problemas estruturais do prédio; - os quais eram do conhecimento do Réu, que os ocultou antes da celebração do negócio.

  1. O réu contestou afirmando, em síntese, que habitou no imóvel com a sua família, de outubro de 1998 a maio de 2013, e que nunca constatou a existência de quaisquer infiltrações de água.

  2. Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença em que se decidiu: "Em face do exposto, julgo a acção proposta por AA e BB contra CC improcedente, por não provada.

    " 4.

    Não se conformando com esta decisão, os Autores interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães.

  3. O Tribunal da Relação de Guimarães julgou improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

  4. Mais uma vez inconformado, os Autores / Apelantes vieram interpor revista a título excecional, a qual foi considerada admissível, conforme o acórdão de fls.942/944, proferido pela Formação dos Juízes deste Supremo Tribunal prevista no nº 3 do artigo 672º do Código de Processo Civil.

  5. Os Autores / Recorrentes apresentaram alegações, em que formulam as seguintes (transcritas) conclusões – excluídas as conclusões que se reportavam à admissão do recurso de revista: 1ª. Admitido o recurso de revista nos termos explanados, está definitivamente assente a matéria de facto fixada pelas instâncias anteriores, constantes das alíneas a) a oo) do acórdão recorrido.

    1. Considerada a factualidade provada pelas instâncias anteriores, a questão a decidir reside unicamente em saber se, no regime da venda de coisa defeituosa previsto no nº1, do artigo 913º, do Código Civil, impende sobre os AA., enquanto compradores, o ónus da prova de que o vício já existia aquando da venda, isto é, da sua anterioridade e contemporaneidade relativamente à venda, como decidiram as instâncias anteriores, ou, pelo contrário, se basta aos AA./compradores provar a existência do defeito, mas já não lhes competindo provar a sua origem e anterioridade/contemporaneidade relativamente à venda, cabendo ao R./vendedor ilidir essa presunção, provando que o defeito teve origem em facto posterior à sua entrega, tal como lhe cabia demonstrar as suas causa, pois trata-se de matéria de excepção – facto extintivo do direito.

    2. Tendo por base a matéria de facto considerada provada, nomeadamente a constante das alíneas g), i), j), w) e oo), está demonstrado que o imóvel adquirido pelos Autores ao Réu padece de defeitos, conclusão que as instâncias anteriores perfilharam.

    3. A questão que se coloca é simplesmente em saber se no regime da venda de coisa defeituosa, previsto no nº1, do artigo 913º, do Código Civil, impende sobre os compradores o ónus da prova de que o vício já existia aquando da venda, ou se lhe basta provar a existência do defeito, não lhe competindo provar a sua origem e anterioridade relativamente à venda, cabendo ao vendedor ilidir essa presunção, provando que o defeito tem origem posterior à sua entrega, tal como lhe cabe demonstrar as suas causas.

  6. a A pretensão dos AA., formulada na petição inicial, funda-se no direito comum, mormente no regime da venda de coisa defeituosa previsto no artigo 913º e seguintes do Código Civil, e não em qualquer diploma ou legislação especial relativa ao direito do consumo.

  7. a O nº1, do artigo 913º, do Código Civil, qualifica como defeituosa a coisa vendida que “sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor, ou necessárias para a realização daquele fim”, resultando do nº2 do mesmo artigo que “quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria”.

  8. a A presunção que decorre automaticamente do artigo 913º, do Código Civil, é que o vendedor garante a conformidade ou bom funcionamento da coisa vendida na data da entrega, não sendo necessário o comprador demonstrar ou provar a falta de tais qualidades, bastando-lhe a prova da falta de conformidade ou falta de funcionamento, impendendo por sua vez sobre o vendedor o ónus da prova de que a causa do vício, desconformidade, ou mau funcionamento do bem, é posterior à entrega da coisa e imputável ao comprador ou terceiro, ou devida a caso fortuito.

  9. a No sentido defendido pelos Recorrentes, veja-se o Acórdão-fundamento invocado, bem como os seguintes arestos, referidos na alegação: Acórdão do STJ de 3/4/1991 (Proc. nº079799; Relator: Ricardo da Velha, cujo sumário pode ser acedido, via internet, no sítio www.dgsi.pt; - Ac. da Rel. do Porto de 24/11/2008, proferido no Proc. nº0856163 relatado pela Desembargadora Maria Adelaide Domingos (cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt); - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/1/2008, proferido no Proc. nº2093/07-2 e relatado pelo Desembargador Manuel Marques (cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt; - Ac. da Rel. do Porto de 27/3/2006, proferido no Proc. nº0650794 e relatado pelo Desembargador Abílio Costa (cujo texto integral pode ser acedido, via Interne, no sítio www.dgsi.pt); Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8/6/2006 (Proc. nº2483/2006-8; Relator – Salazar Casanova), cujo texto integral está acessível, via Internet, no sítio www.dgsi.pt; Ac. da Relação de Lisboa, de 05.04.2011 (Processo nº480/07.3TBTVD.L1.1) Relatado pelo Exmo. Sr. Desembargador Rui Vouga, disponível em www.dgsi.pt); 9ª. A garantia que está aqui em causa é a garantia que decorre da norma geral do direito comum constante do artigo 913º, do Código Civil, a garantia de conformidade do bem ou bom funcionamento da coisa vendida na data da entrega e nos prazos constantes do artigo 916º do Código Civil.

    1. A “garantia” que está em causa nos presentes autos e da qual beneficiam os Autores é a que se encontra prevista no artigo 913º, nº1, do Código Civil, isto é, da conformidade do bem ou do bom funcionamento da coisa.

    2. Beneficiando os AA. Da garantia de conformidade do bem no momento da venda nos termos previstos no nº1 do artigo 913º, do Código Civil, tendo denunciado os defeitos e instaurado a competente acção dentro dos prazos previstos no artigo 916º do mesmo Código, e nesta sede demonstrado e provado os defeitos que a “coisa vendida” padece, era sobre o Réu/vendedor que impendia o ónus de infirmar que os visados defeitos tinham origem posterior à entrega do bem, tal como lhe cabia fazer a respectiva prova da sua causa, pois que se tratam de factos extintivos do direito dos AA.

    3. Pois, na verdade, como aliás resulta do sumário do acórdão-fundamento indicado, “Tendo a lei estabelecido prazos curtos para o exercício dos direitos derivados do cumprimento defeituoso em matéria de compra e venda (…), pressupõe-se que qualquer defeito detectado nesse período curto é ele próprio anterior ou advém de causa preexistente”.

    4. Ao contrário do vertido no Acórdão recorrido, era ao Réu/vendedor a quem incumbia o ónus da prova no tocante à origem (causa) dos comprovados defeitos e, bem assim, que tais vícios eram imputáveis ao comprador ou a terceiro, ou, no limite, que eram devidas a caso fortuito.

    5. Nada tendo o Réu/Recorrido alegado e provado quanto a tal matéria, limitando-se a negar os vícios e a reiterar de forma...

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