Acórdão nº 12766/17.4T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelRIBEIRO CARDOSO
Data da Resolução27 de Novembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1]) ([2]) 1 - RELATÓRIO O SINDICATO DOS TRABALHADORES DAS EMPRESAS DO GRUPO AA (STEC) intentou a presente ação declarativa comum contra a AA, SA.

, pedindo que seja condenada: a) a reconhecer que o subsídio pago com a retribuição de férias é parte integrante da retribuição, nos termos do art. 258º e 260º nº 1 al. a) parte final, do Código de Trabalho; b) a pagar aos seus trabalhadores, representados pelo A., com contrato individual de trabalho, os valores que se vierem a liquidar em execução de sentença, a título de subsídio que se venceu, a partir de maio de 2017, tudo acrescido de juros moratórios sobre cada prestação em dívida e contados desde o respetivo vencimento até efetivo e integral pagamento; c) a pagar a cada um dos seus trabalhadores associados no Sindicato ora A., representados pelo A., com contrato individual de trabalho, os valores que se vierem a liquidar em execução de sentença, a título de subsídio com a retribuição de férias desde o início do ano de 2017, tudo acrescido de juros moratórios sobre cada prestação em dívida e contados desde o respetivo vencimento até efetivo e integral pagamento.

Como fundamento alegou que grande parte dos trabalhadores da R. se encontram filiados no A. e que, desde 1977, o subsídio de refeição atribuído aos trabalhadores da R. é pago mensalmente num montante fixo, 12 vezes por ano à razão de 21 dias, excetuando os dias em que os trabalhadores estão ausentes por motivo de baixa médica ou de faltas. Tais valores fazem parte da retribuição, pois pese embora o acordo de empresa sempre referir que o pagamento apenas era devido por cada dia de trabalho efetivo, sempre os usos da empresa, há mais de 40 anos, foram no sentido de proceder a tal pagamento independentemente das férias, em que não existe trabalho efetivo, e como se de uma retribuição se tratasse. No dia 18 de abril de 2017 a Administração da R., emitiu um comunicado para a “caixa pessoal” de todos os trabalhadores do perímetro doméstico, informando-os que o subsídio de refeição pago 12 meses por ano deixaria de o ser, passando a ser retribuído nos termos da cláusula 62.ª do AE, por cada dia de trabalho efetivamente prestado. Em abril de 2017 foram descontados aos trabalhadores, no seu vencimento, os valores de subsídio de refeição relativos a férias gozadas a partir de janeiro de 2017 e que estes atos lesam os direitos e garantias dos trabalhadores e os seus interesses coletivos que cabe ao A. promover e defender.

Realizada a audiência de partes, a R. apresentou contestação na qual sustentou a sua absolvição do pedido e alegou, no essencial, que o pagamento era efetuado nas férias dos funcionários na medida em que o registo destas era feito manualmente, em suporte de papel e tal conduzia a uma dificuldade de processamento salarial numa empresa com a dispersão geográfica e dimensão da Caixa. Só desde 2000 que o sistema informático descentralizado permite efetuar tal registo, mas manteve o pagamento em causa por mera liberalidade, que teve o seu fim na medida em que existiu necessidade de redução de custos face à difícil situação económica e financeira que atravessa. A prática que existiu teve uma razão de ser, não integra um uso, nem o pagamento a retribuição. E mesmo que constituísse um uso este não poderia prevalecer sobre as disposições convencionais aplicáveis nos termos do artigo 3º, nº 2 do Código Civil, sendo que nos instrumentos de regulamentação coletiva aplicáveis o subsídio de refeição nunca teve natureza retributiva.

Saneado o processo, realizou-se a audiência de discussão e julgamento e foi proferida a sentença que julgou a ação improcedente e absolveu a R. do pedido.

Inconformado, o A. apelou, na sequência do que foi proferida a seguinte deliberação: «5. Decisão Em face do exposto: 5.1. julga-se procedente a arguida nulidade da sentença; 5.2. nega-se provimento à ampliação do âmbito do recurso deduzida pela R. ora recorrida; 5.3. concede-se provimento ao recurso do A., revogando a decisão final constante da sentença da 1.ª instância e condenando-se a R. AA, SA: a) a reconhecer que o subsídio pago aos seus trabalhadores, representados pelo A., com contrato individual de trabalho, com a retribuição de férias, é parte integrante da retribuição; b) a pagar aos seus trabalhadores, representados pelo A., com contrato individual de trabalho, os valores que se vierem a liquidar em execução de sentença, a título de subsídio que se venceu, a partir de Maio de 2017, tudo acrescido de juros moratórios sobre cada prestação em dívida e contados desde o respectivo vencimento até efectivo e integral pagamento; c) a pagar a cada um dos seus trabalhadores associados no Sindicato ora A., representados pelo A., com contrato individual de trabalho, os valores que se vierem a liquidar em execução de sentença, a título de subsídio com a retribuição de férias desde o início do ano de 2017, tudo acrescido de juros moratórios sobre cada prestação em dívida e contados desde o respectivo vencimento até efectivo e integral pagamento. Custas pela R.

» Desta deliberação recorre a R. de revista para este Supremo Tribunal, impetrando a revogação do acórdão recorrido e a sua absolvição dos pedidos.

Juntou parecer jurídico.

O recorrido contra-alegou pugnando pela manutenção do julgado.

Recebidos os autos e cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, a Exmª Procuradora-Geral-Adjunta emitiu douto parecer no sentido da negação da revista.

Notificadas as partes, apenas a recorrente respondeu mantendo o que alegara em sede de recurso.

Formulou a recorrente as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([3]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal: ”1. O douto Acórdão recorrido fundamentou a decisão nele contida, essencialmente, em dois pontos.

O primeiro, o da natureza retributiva da prestação em análise por via da presunção prevista no artigo 258.º, n.º 3 do Código do Trabalho, que alegadamente não foi ilidida pela Recorrente, o que determina a sua irredutibilidade.

O segundo, o reconhecimento da existência de um uso laboral relevante que vincula a Recorrente por ser mais favorável aos trabalhadores do que o regime que decorre da regulamentação colectiva aplicável.

  1. A utilidade da distinção que vem sendo doutrinalmente aprofundada entre a noção de remuneração em sentido amplo e de remuneração em sentido estrito revela-se especialmente pertinente como via de concluir se a uma determinada prestação deve associar-se o regime de salvaguarda da retribuição que se consubstancia, primordialmente, no princípio da irredutibilidade da retribuição, contido no artigo 129.º, n.º 1 alínea d) do Código do Trabalho e no regime da protecção especial dos créditos laborais, contido no artigo 333.º e seguintes do Código do Trabalho.

  2. Como elementos característicos do conceito de retribuição, de acordo com o disposto no artigo 258.º do Código do Trabalho, alinham-se os seguintes: i) trata-se de um direito do trabalhador; ii) que decorre do contrato de trabalho, das normas que o regem ou dos usos; iii) como contrapartida do trabalho prestado ou da disponibilidade para a prestação de trabalho; iv) paga de forma regular e periódica; v) com carácter patrimonial.

  3. Desta enunciação resulta que apenas nos casos em que se encontrem reunidos todos estes elementos se pode considerar determinada prestação como remuneração em sentido estrito ou retribuição. Tais elementos são necessariamente cumulativos, pelo que a falta de algum ou alguns deles permite descaracterizar a prestação como retributiva e incluí-la no perímetro mais alargado dos complementos remuneratórios.

  4. A ilisão da presunção prevista no artigo 258.º, n.º 3 do Código do Trabalho não se restringe à demonstração da configuração da prestação como uma mera liberalidade, antes ocorre ipso facto quando, como é o caso, não se encontram preenchidos todos os requisitos para que a prestação possa ser qualificada como retribuição.

  5. A operacionalização da presunção contida no artigo 258.º, n.º 3 do Código do Trabalho debate-se, nestes autos, com incontornáveis dificuldades.

  6. A qualificação de uma determinada prestação como retribuição mediante o recurso à verificação apenas dos elementos da regularidade e periodicidade pode conduzir a resultados excessivos, que apenas podem ser corrigidos mediante a ponderação e avaliação da presença dos restantes elementos essenciais do conceito de retribuição, designadamente e em especial o de se tratar da contrapartida pelo trabalho prestado ou pela disponibilidade para a prestação de trabalho.

  7. Nesse sentido se pronunciou já esse Venerando Supremo Tribunal de Justiça nos doutos Acórdãos de...

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