Acórdão nº 14910/17.2T8SNT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Novembro de 2018
Magistrado Responsável | ANTÓNIO LEONES DANTAS |
Data da Resolução | 27 de Novembro de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I Na sequência de participação que lhe foi dirigida pela Autoridade para as Condições do Trabalho, o Ministério Público instaurou a presente ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, com processo especial, contra a Rádio e Televisão de Portugal, S.A.
Pede que a ação seja julgada procedente e que, por via dela, a Ré seja condenada a reconhecer a existência de um contrato de trabalho entre si e AA desde o dia 1 de julho de 2002.
Alega como fundamento, em síntese, que a Ré, que se dedica a atividades de televisão, celebrou com AA um contrato de prestação de serviços, nos termos do qual este passou a exercer, a partir de 1 de julho de 2002, as funções de tradutor, funções que compreendem a tradução e legendagem em língua portuguesa para informação enviada pelo AGS nas instalações da Ré, mais concretamente no Gabinete .../piso 0 do Edifício Principal da RTP.
O serviço do AA sempre foi feito diariamente naquelas instalações, com utilização dos equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à Ré, nomeadamente secretária, cadeira, computadores (legendadores), televisão, etc., usando software específico disponibilizado pela Ré para a realização das suas tarefas, como seja o “poliscript”, observando uma organização do tempo ajustada aos projetos da equipa de tradutores em que se encontra a trabalhar, tendo os turnos organizados das 5 h às 12 h e 30m, das 12h e 30m às 21 h, e das 19 h às 24 horas durante a semana e, ao fim de semana, das 7 h às 13 horas, das 13 h e 30m às 21 h e das 19 h às 24 h.
Quando necessita de faltar, o AA tem de comunicar verbalmente ou por escrito (email) ao responsável da área e dispõe de um cartão magnético com a sua fotografia para acesso às instalações da RTP pela portaria, com torniquetes, ficando registadas as horas de entrada e saída do seu local de trabalho e sempre recebeu ordens, instruções e orientações de BB – Coordenadora de toda a área de tradução da Ré e pertencente ao seu quadro de pessoal – a quem reporta.
Como contrapartida do trabalho desenvolvido, o AA recebe todos os meses, por transferência bancária, uma quantia certa de € 2.800,00, independentemente do volume e da quantidade de trabalho.
O vínculo que existe entre o AA e a Ré reconduz-se, pois, a um verdadeiro contrato de trabalho, conforme o disposto nos artigos 11º e 12º do Código do Trabalho.
Citada a Ré, esta deduziu contestação, a que o Autor respondeu, pugnando, para além do mais pela improcedência das exceções ali invocadas.
O trabalhador interessado AA, notificado nos termos do disposto no art. 186.º-L n.º 4 do Código de Processo do Trabalho apresentou articulado próprio no qual, em síntese, alega que iniciou a sua relação profissional com a Ré em finais de 1999, após a conclusão da sua licenciatura em tradução e interpretação de língua inglesa e língua francesa, tendo sido convidado a colaborar com a Ré, passando, inicialmente, por uma formação em legendagem, após a qual começou a realizar a atividade de tradução de diversos trabalhos que lhe eram solicitados pela Ré, recebendo uma compensação pecuniária definida em função do número e duração dos trabalhos traduzidos e legendados, situação que se manteve até dezembro de 2001.
A partir de janeiro de 2002 as suas funções alteraram-se, passando a compreender a tradução para legendagem para língua portuguesa de peças jornalísticas e/ou informativas da área de informação diária e não diária, no âmbito da Direção de Informação da Ré, funções que se mantêm inalteradas desde a referida data, fazendo parte da equipa de tradução da Ré – da qual fazem parte o trabalhador e quatro outros colegas seus – exercendo todos as mesmas funções, seja em regime de contrato de trabalho ou de avença, usualmente designados por “recibos verdes”.
Desde janeiro de 2002 e até à presente data, recebe uma contrapartida financeira definida e que é composta por uma componente fixa e certa e por uma componente variável relativamente aos programas fora do âmbito da informação (filmes, séries e documentários), paga em função do volume e quantidade de trabalho, mediante valores definidos, aprovados e em vigor na RTP.
Executa o seu trabalho em instalações da Ré, dispondo de dois gabinetes, acesso e utilização de um endereço de eletrónico criado pela Ré para os serviços de tradução, é titular de cartão magnético que lhe foi fornecido pela Ré e que lhe permite aceder às instalações desta com validação em torniquetes, ficando registadas as horas de entrada e de saída.
Todo o material de trabalho, equipamentos e meios técnicos utilizados pelo trabalhador, são propriedade da Ré.
Exerce funções em turnos pré-definidos, durante sete dias por semana entre as 05h e as 24h durante os dias de semana e entre as 07h e as 24h durante os fins de semana, com semanas de folga intercaladas.
Recebe por e-mail indicações, instruções do Departamento de Informação e, por vezes, do Departamento de Produção quanto às questões relacionadas com procedimentos a adotar na legendagem das peças e exercício das suas funções, bem como comunicações quanto ao horário e ao número de tradutores que deveriam estar presentes nas instalações da Ré.
Quando exerce funções fora do horário de trabalho é-lhe paga pela Ré uma contrapartida pecuniária extraordinária.
Conclui que a ação deve ser julgada procedente e que a Ré deve ser condenada a reconhecer a existência de um contrato de trabalho, por tempo indeterminado, com o trabalhador AA, fixando-se a data do seu início em 1 de janeiro de 2002.
A ação instaurada prosseguiu seus termos e veio a ser decidida por sentença que a julgou improcedente, nos seguintes termos: «Face ao exposto julga-se a ação improcedente por não provada e, consequentemente, declara-se não existir um contrato de trabalho entre a ré RÁDIO E TELEVISÃO DE PORTUGAL, S.A. e AA.
Fixa-se o valor da ação: € 30.000,01.
Sem custas, por delas estar isento o Ministério Público.» Inconformados com esta decisão, dela apelaram para o Tribunal da Relação de Lisboa o Autor e o AA.
O Tribunal da Relação veio a conhecer dos recursos por acórdão de 9 de junho de 2018, que, com um voto de vencido, integrou o seguinte dispositivo: «Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar as apelações improcedentes, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo do Apelante AA, sendo que o Ministério Público está delas isento face ao disposto no n.º 1 al. a) do art. 4º do Regulamento das Custas Judiciais.» Irresignados com esta decisão, dela recorreram o Ministério Público e o interveniente AA para este Supremo Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: Recurso do Ministério Público «1 - A relação contratual teve início em 1 de Julho de 2002 e prolongou-se no tempo até à data, mantendo-se em vigor, tendo sido celebrados contratos de prestação de serviços em 2010, 2013 e 2014 com sucessivos aditamentos pelo que é aplicável o Código de Trabalho de 2009, face ao disposto no art. 7.º da Lei 7/2009 de 12.2.
2 - Tendo sido dado como provado que o AA prestou os seus serviços de tradução para língua portuguesa de filmes, séries, documentários, programas desportivos e outros, nas instalações e com equipamento pertencente à Ré, dentro de um horário fixo e estabelecido para todos os dias da semana e previamente definido por esta, auferindo o mesmo uma contrapartida pecuniária mensal igual e liquidada 12 meses ao ano, mostram-se preenchidos os requisitos das alíneas a) b) c) e d) do art. 129.º do C.T. de 2009.
3 - Mesmo que se entenda que tais indícios de laboralidade emergem da natureza da atividade desenvolvida pela Ré, não deixam de ter a relevância e significado conferido pelo legislador ao consagrar os mesmos no art. 12.º do CT de 2009.
4 - A doutrina e jurisprudência consideram como traço essencial distintivo entre um contrato de trabalho e um contrato de prestação de serviços, a existência ou não de subordinação jurídica entre os sujeitos da relação, sendo esta traduzida no poder de direção do empregador e no correspondente dever de obediência por parte do trabalhador e a integração numa organização própria.
5 - Em outros aspetos da atividade de tradução desenvolvida pelo AA emerge o carácter de subordinação jurídica, integração na estrutura organizativa da Ré, ausência de autonomia quanto ao modo tempo e organização empresarial da Ré 6 - Tais como o número de tradutores que devem estar presentes nas suas instalações em função das necessidades específicas de cada emissão que são definidas pela Ré.
7 - A Ré fiscaliza o trabalho prestado através da responsável pelos serviços de tradução, sempre que o trabalho prestado não é satisfatório.
8 - A relação contratual entre as partes desenvolveu-se durante 15 anos sem interrupções e ainda perdura, o que é compatível com as características associadas ao contrato de trabalho como contrato de execução sucessiva ou continuada.
9 - A Ré aplicou os cortes salariais impostos pelos Orçamentos de Estado e fez a respetiva reposição, sem comunicação ou acordo prévio do AA, da mesma forma que o fez aos seus funcionários, no exercício de um poder hierárquico.
10 - Pelo que, a par dos indícios de laboralidade previstos nas alíneas a) b) c) e d) do n.º 1 do art. 12.º do CT de 2009, reconhecidos no acórdão, há evidências de subordinação jurídica, integração na estrutura organizacional da Ré e exercício do poder hierárquico, elementos caracterizadores de uma relação contratual de natureza laboral, o que se requer seja declarado.
11 - Ao não decidir desta forma, o acórdão recorrido violou os artigos 7.º, 11.º e 12.º n° 1 do CT de 2009 e art. 1152.º do C. Civil devendo o mesmo ser revogado e substituído por outro que declare a existência de um contrato de trabalho desde pelo menos desde 1 de Julho de 2002 entre a Ré RTP e o trabalhador AA, com o que farão Justiça!» Recurso do AA «- Da aplicação do CT2009 em detrimento da LCT A. A decisão...
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