Acórdão nº 770/12.3TBSXL.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução08 de Novembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I - O FUNDO de GARANTIA AUTOMÓVEL intentou ação declarativa com processo comum contra AA e contra BB.

Pediu a condenação das RR. no pagamento da quantia de € 437.345,85, com juros de mora vencidos (no valor de € 5.272,11) e vincendos, e ainda o pagamento das despesas de liquidação e cobrança a liquidar.

Alegou que no dia 19-11-06 ocorreu um acidente de viação que foi causado pelo despiste de um veículo automóvel conduzido pelo filho da 1ª R. e pai da 2ª R., do qual resultou a morte do condutor e de um dos passageiros e lesões corporais graves noutro passageiro que posteriormente também veio a falecer.

Mais alegou que o veículo automóvel era propriedade da 1ª R., a qual não tinha celebrado contrato de seguro de responsabilidade civil para a sua circulação.

Alegou ainda que o condutor da mesma viatura não era titular de licença que o habilitasse ao exercício da condução automóvel e era portador de uma taxa de álcool no sangue de 1,77 gr/l e que, em observância da lei, pagou aos herdeiros dos lesados indemnizações que totalizam € 437.345,85.

A 1ª R. contestou alegando que não estava obrigada a efetuar o seguro do automóvel, uma vez que não pretendia colocá-lo em circulação, estando o mesmo, à data dos factos, recolhido no quintal da sua vivenda de onde foi retirado, sem o seu consentimento, pelo seu filho. Ainda em sede de exceção perentória arguiu a prescrição da obrigação de indemnizar por decurso do prazo legal de 3 anos sobre a data da verificação do acidente.

A 2ª R., filha do condutor do veículo, não apresentou contestação.

O Fundo de Garantia Automóvel requereu a ampliação do pedido, alegando que, para além da quantia de € 94.965,23 que pagou a título de indemnização de danos provocados no lesado CC, ainda procedeu ao pagamento de mais duas prestações mensais de € 2.500,00 pelo seu internamento até falecer. Assim, a indemnização global passou para € 447.617,00, ampliação que foi admitida por decisão de fls. 165 e 166.

No despacho saneador foi julgada improcedente a exceção de prescrição invocada pela R. AA.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que: - Condenou solidariamente as RR. no pagamento da quantia de € 337.353,84, com juros de mora, vencidos, no valor de € 27.616,80, bem como juros de mora vincendos, à taxa legal de juros civis, até integral pagamento, - Condenou solidariamente as RR. no pagamento ao A. das despesas de cobrança com a interposição da presente ação, a liquidar posteriormente, - Condenou a R. AA no pagamento ao A. da quantia de € 30.426,60 de juros vencidos.

Tanto o A. como a R. AA interpuseram recursos de apelação da sentença, tendo sido julgado improcedente o recurso de apelação do A. e procedente o recurso de apelação da R. AA, a qual foi absolvida do pedido.

O A. interpôs recurso de revista e alegou, no essencial, que existem riscos próprios dos veículos que implicam a obrigatoriedade de seguro de responsabilidade civil mesmo quando não se encontrem em circulação, podendo exigir da 1ª R. o reembolso das quantias despendidas com o pagamento das indemnizações decorrentes do acidente de viação que vitimou os passageiros transportados no veículo.

A R. AA contra-alegou e defendeu a tese inversa, no sentido de que não estava obrigada a contratar o seguro de responsabilidade civil, não respondendo, pois, perante o Fundo de Garantia Automóvel.

Em face da divergência expressa nos autos e das dúvidas interpretativas acerca do alcance da obrigação de contratar o seguro de responsabilidade civil automóvel suscitadas quer pela legislação nacional, quer pelas Diretivas Europeias, foi suscitado o reenvio prejudicial perante o TJUE nos seguintes termos: 1) Deve o art. 3º da Diretiva do Conselho 72/166/CEE, de 24 de Abril de 1972 (em vigor na data do acidente) ser interpretado no sentido de que a obrigatoriedade de contratação de seguro de responsabilidade civil automóvel abarca mesmo as situações em que o veículo, por opção do proprietário, se encontra imobilizado num quintal particular, fora da via pública? ou, Independentemente da responsabilidade que venha a ser assumida pelo Fundo de Garantia Automóvel perante os terceiros lesados, designadamente em casos de furto de uso do veículo, naquelas circunstâncias não recai sobre o proprietário do veículo a obrigação de segurar? 2) Deve o art. 1º, nº 4, da Diretiva do Conselho 84/5/CEE, de 30 de Dezembro de 1983 (em vigor na data do acidente) ser interpretado no sentido de que o Fundo de Garantia Automóvel que, por falta de contrato de seguro de responsabilidade civil, efetuou o pagamento da indemnização aos terceiros lesados por acidente de viação causado por veículo automóvel que, sem conhecimento e autorização do proprietário, foi retirado do terreno particular onde se encontrava imobilizado, tem o direito de sub-rogação contra o proprietário do veículo, independentemente da responsabilidade deste pelo acidente? ou, A sub-rogação do Fundo de Garantia Automóvel relativamente ao proprietário depende da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, designadamente do facto de, na ocasião em que ocorreu o acidente, o proprietário ter a direção efetiva do veículo? Recebida a resposta foi proporcionada às partes a possibilidade de apresentarem alegações complementares.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – Factos provados: 1. No dia 19-11-06, cerca das 5h 10m, na EN nº 378, no Seixal, ocorreu um acidente de viação em que foi interveniente o veículo ligeiro de passageiros, de marca Rover, modelo 200, com a matrícula ...-...-MS; 2. Na data e hora do sinistro acima mencionado, o veículo MS circulava no sentido Sul/Norte (Sesimbra-Fogueteiro) da EN nº 378, sendo conduzido por DD (1º); 3. Após o viaduto de acesso à A-2 o referido veículo entrou em despiste, saiu fora da faixa de rodagem e passou a circular fora da via numa área de terra batida (2º); 4. Seguidamente, o mesmo foi embater com a sua parte dianteira numa caixa pertencente à EDP e na parede lateral de uma residência existente na Quinta … (3º); 5. O sinistro ocorreu numa reta de boa visibilidade, sendo a estrada constituída por duas faixas de rodagem no sentido do MS, com uma largura de 6 metros de piso betuminoso (4º); 6. À data desse sinistro o referido veículo era propriedade da R. AA, não dispondo, na mesma data, de seguro de responsabilidade civil automóvel; 7. Em virtude da insuficiência renal de que padecia e da hemodiálise que então tinha que realizar, a R. AA, antes da data do acidente, havia deixado de conduzir o veículo automóvel MS, tendo-o recolhido no seu quintal de onde nunca mais o retirou (30º); 8. No dia 18 ou 19-11-06 DD, sem o conhecimento e a autorização da R. AA, retirou as chaves da viatura de uma gaveta do quarto desta e retirou o referido veículo do quintal da mesma, colocando-o em circulação (31º); 9. DD não detinha habilitação legal para conduzir veículos automóveis e era portador, no momento do sinistro, de álcool no sangue na permilagem de 1,77 gr (5º); 10. Em consequência do sinistro faleceu o referido DD, filho da R. AA e pai da R. BB, e ainda EE, solteira e nascida no dia 10-8-85; 11. EE e CC seguiam no interior do veículo MS como passageiros (6º); 12. Este último foi imediatamente transportado de ambulância para o Hospital …, em …, onde foi submetido a vários exames e aos primeiros tratamentos (7º); 13. CC sofreu, em consequência do sinistro, feridas por todo o corpo, politraumatismo grave, traumatismo crânio-encefálico grave com edema cerebral difuso, tendo necessitado de ventilação mecânica e sedação para controlo da pressão intracraniana, tendo sofrido também higroma subdural e sido submetido a intervenção cirúrgica (8º); 14. Devido ao seu estado de saúde foi transferido para o Hospital de …, em …, onde foi sujeito a diversas intervenções cirúrgicas, designadamente, no dia 6-12-06 (9º); 15. No dia 24-11-06, CC foi submetido a encavilhamento estático do fémur esquerdo tendo sofrido embolia gorda (10º); 16. Durante o internamento no Hospital de … o mesmo esteve entubado endotraquealmente e ventilado, tendo sido realizada, posteriormente, traqueostomia temporária (11º); 17. No internamento o mesmo desenvolveu uma bacteriemia (12º); 18. No dia 18-12-06 CC foi transferido para o Hospital …, em …, encontrando-se totalmente dependente para as atividades da vida diária e carecendo de aspiração frequente de secreções brônquicas (13º); 19. Com a assistência a CC o Hospital de …/Centro Hospitalar de Lisboa (Zona Central) suportou a quantia de € 30.186,02, que o A. lhe pagou (14º); 20. Durante o internamento no Hospital …, CC manteve estabilidade neurológica com estado vegetativo persistente, sem interação com o meio envolvente, com várias intercorrências infeciosas e dependendo totalmente de terceiros para a atividade diária (15º); 21. CC foi sujeito a uma intervenção cirúrgica de “shunt ventricular para órgãos e cavidades abdominais", no dia 7-3-07, no Hospital Garcia …, em … (16º); 22. O mesmo teve alta no dia 3-5-07, permanecendo totalmente dependente nas atividades da vida diária (17º); 23. Em consequência direta do acidente, CC teve morte cerebral e ficou em estado vegetativo, com uma incapacidade permanente global de 100% (18º); 24. Com a assistência hospitalar prestada ao mesmo, o Hospital …, EPE, em …, suportou, pelo menos, o montante € 12.360,03, que o autor lhe pagou (19º); 25. No dia 3-5-07 CC foi internado na Casa de Repouso FF, em … (20º); 26. Com o internamento e assistência ao lesado CC na Casa de Repouso FF o A. suportou, pelo menos, € 19.057,38 (21º); 27. A data do acidente CC exercia as funções correspondentes à categoria profissional de servente, sob autoridade e direção da GG - Construções, S.A.

, auferindo mensalmente a quantia ilíquida de € 800,00, nela incluindo alimentação completa (22º); 28. A título de dano biológico, tendo em consideração a idade de CC, o seu rendimento mensal, o grau de incapacidade de que ficou a padecer, o tipo de trabalho que tinha e a esperança média de vida, o A. pagou àquele a quantia...

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