Acórdão nº 2416/16.1T8BRG.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelHELDER ALMEIDA
Data da Resolução25 de Outubro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1] I – RELATÓRIO 1. AA instaurou a presente acção declarativa, que corre termos no Juízo Central Cível de …, contra BB - Companhia de Seguros, S.A., formulando os pedidos de: "(…) condenação da demandada a pagar ao demandante a quantia de € 505.525,50 através de cheque cruzado emitido a favor do demandante e sem a inscrição não à ordem ou não endossável.

O demandante pode optar entre o pedido de uma indemnização actualizada nos termos do artigo 566.º n.º 2 do Código Civil ou o pedido em juros de mora a contar da citação, nos termos do artigo 805.º, n.º 3 do mesmo Código, mesmo com referência a danos não patrimoniais (Ac. S.T.J. de 12.3.98 - Relator Cons. Martins da Costa) Assim, opta pelos juros de mora a partir da citação." Alegou, em síntese, que a 3 de Junho de 2013 ocorreu um acidente de viação na E.N. 205, ao km 32,240, sito em …, Barcelos, em que foram intervenientes o ciclomotor ...-CG-..., por si conduzido, e o veículo pesado de mercadorias de matrícula ...-...-CB. Este acidente, que foi causado pelo condutor do ...-...-CB, originou-lhe diversos danos que pretende ver indemnizados. Nessa data, a responsabilidade civil por danos causados pelo ...-...-CB encontrava-se transferida para a Ré por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 96…7.

A Ré contestou reconhecendo a responsabilidade do condutor do veículo por si segurado na produção do acidente, mas impugnado alguns dos danos alegados pelo A..

  1. Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença, finda com o dispositivo seguinte: - "Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente por provada, e, em consequência, decide-se condenar a ré BB - Companhia de Seguros, S.A. a pagar ao autor a quantia global de € 133.047,63 (cento e trinta e três mil e quarenta e sete euros e sessenta e três cêntimos), acrescida de juros, sobre a quantia de € 88.047,63 (a título de danos patrimoniais), desde a data da citação e até efectivo pagamento, e sobre a quantia de 45.000,00 € (de danos não patrimoniais), contados desde a presente data e até efectivo pagamento.

    " 3.

    Inconformados, A e Ré a Ré interpuseram competentes recursos de apelação para a Relação de …, a qual, por Acórdão de fls. 337 e ss., decidiu nos termos que seguem: - “Com fundamento no atrás exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso pelo que: a) revoga-se a decisão recorrida nas partes em que condenou a ré a pagar ao autor a quantia total de € 133 047,63 e juros sobre € 88 047,63 e € 45 000,00; b) condena-se a ré a pagar ao autor o montante global de € 93 047,63, acrescido de juros sobre a quantia: - de € 63 047,63 contados desde a data da citação e até efectivo pagamento da dívida; - de € 30 000,00 contados desde a data da sentença do tribunal a quo e até efectivo pagamento da dívida.

    1. mantém-se no mais a sentença recorrida.” 4.

    De novo inconformado, o A. interpôs o vertente recurso de revista, o qual encerra com as seguintes conclusões: 1.ª O presente recurso versa sobre o quantum que foi atribuído pelo Tribunal da Relação de … para a compensação do dano não patrimonial sofrido e para a indemnização pela perda futura de ganho.

    1. Com efeito, e iniciando-se pela compensação que foi atribuída ao recorrente a título de dano não patrimonial, importa referir que nenhum facto, absolutamente nenhum, que foi tido por provado em sede de decisão de 1ª Instância sofreu qualquer alteração em consequência do recurso de apelação que foi interposto pela aqui recorrida.

    2. Por isso, e atendendo aos pontos 12 a 33, 36 e 37 dos factos provados facilmente se percebe que o recorrente sofreu, sofre e irá continuar a sofrer um fortíssimo e grave dano não patrimonial.

    3. E não tivesse sido essa matéria de facto dada por provada e, seguramente, jamais a Meritíssima Juíza de 1ª Instância teria arbitrado a esse título uma compensação de 45.000,00 €, e muito menos teria fundamentado essa sua decisão do seguinte modo: No geral, importa atender ao facto de ao autor ter sido imposta, para toda a sua vida, uma diminuição da sua qualidade de vida (não só menor desfrute dos prazeres da vida, como maiores sacrifícios físicos e psíquicos no normal acontecer dos dias).

      (...) Com este argumento, pretende significar-se que em casos como o dos autos, a indemnização por danos não patrimoniais pode alcançar a sua função, em toda a plenitude, qual seja a de o próprio lesado (a pessoa que é atingida nos seus direitos absolutos) ver esse mal contrabalançado com outros benefícios que, ele próprio, vai gozar – mas só alcança essa sua função se o seu montante for adequado e proporcionado a, efetivamente, contrabalançar o mal sofrido, o que implica que se atenda, primacialmente, à gravidade do dano (o sublinhado e destacado é nosso).

    4. Não nos esqueçamos que o recorrente, em consequência das lesões sofridas no acidente dos autos, foi submetido a três intervenções cirúrgicas, sofreu um défice profissional total de 653 dias e que ficou, com 49 anos de idade, totalmente incapaz para o exercício da sua profissão habitual de …/…, única profissão que conheceu na sua vida.

    5. E isto mesmo é realçado no acórdão recorrido quando ali se pode ler que “no caso dos autos, são significativos os danos sofridos pelo autor, dos quais se destacam os que se encontram nos factos 12 a 14, 17 a 20, 23 a 27, 29 e 30, designadamente as três intervenções cirúrgicas a que foi submetido e o quantum doloris de grau 5 na escala de 1 a 7 (o sublinhado é, de novo, nosso).

    6. Mas ainda assim, foi capaz, e mal, com o devido respeito, de, desvalorizando em absoluto o que acabou de se referir, de reduzir a compensação arbitrada ao recorrente da quantia de 45.000,00 € para a quantia de 30.000,00 €, certamente por entender – e, de novo mal – que esta seria suficiente para contrabalançar o mal com que o recorrente teve de passar a viver e que o acompanhará até ao fim dos seus dias (com tendência natural para se agravar com o avançar da idade).

    7. A Justiça do caso concreto impõe, como é sabido, que se indemnize igual o que é igual, e se indemnize de forma diferenciada o que é diferente; e se tivéssemos apenas como ponto de partida para a fixação do dano não patrimonial o dano morte, então uma de duas: a) – ou o dano morte teria de passar a ser, necessariamente, muitíssimo mais valorizado b) – ou um paraplégico, um tetraplégico ou um amputado teria de receber muitíssimo menos do que aquilo que, feliz e justificadamente, lhes vai sendo atribuído pelas mais diversas decisões dos nossos Tribunais, bem acima do dano morte.

    8. Daí que os factos tidos por provados a este respeito e já elencados na conclusão 3ª permitem, de forma serena, segura, justa, equitativa, ponderada e equilibrada, concluir que a quantia que foi arbitrada ao recorrente a título de compensação pelo grave, permanente e penoso dano não patrimonial sofrido em 1ª Instância não merece o mais ténue reparo, devendo, por isso, manter-se inalterada.

    9. Quanto ao dano patrimonial, na vertente da perda futura de ganho (seja ela tout court seja ela também com apelo ao dano biológico, que no caso dos autos é de fortíssima intensidade), com o devido respeito, pior andou o Tribunal da Relação de ….

    10. Antes de mais, e com muito respeito que nos merecem todos os nossos Tribunais, é Jurisprudência unânime, sedimentada e esclarecida aquela que entende – e muito bem – que sempre que exista concorrência entre uma incapacidade parcial para o trabalho e uma incapacidade total para a profissão habitual, é por esta última que deve ser calculada a perda futura de ganho, o que vai na esteira do douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.10.1992 in Colect. Jurisp. – Ano XVII – Tomo VI, págs. 29 e ss.

      E em nome da Justiça que se busca nos Tribunais, não poderia ser de outra forma.

    11. Assim, e tendo sido dado como provado que o recorrente auferia a quantia mensal de 880,00 €, 14 vezes por ano (facto 34), exercendo a profissão de oleiro/rodista (facto 33), deveria o Tribunal da Relação de … ter efectuado a seguinte operação matemática: 880,00 € x 14 x 100% x 21,884385, o que o levaria a concluir por uma quantia de 269.122,82 € correspondente à perda futura de ganho.

    12. Mas não; sabendo que o recorrente padece de uma incapacidade total para o exercício da sua profissão habitual, calculou, e mal, a perda futura de ganho levando em linha de conta uma I.P.G. de 8 pontos, o que, seja visto à luz de que princípio for, vai contra a Jurisprudência dos nossos Tribunais.

      E diga-se em boa verdade que dispunha aquele Tribunal da Relação de … de outros factos tidos por provados que contrariam aquelas suas “contas”, nomeadamente o facto de o recorrente nunca mais ter trabalho a partir do mês de Janeiro de 2014 (facto 36) e que até hoje (por referência à data da prolação da decisão de 1ª Instância, o que ainda se mantém) o recorrente ainda não encontrou uma ocupação remunerada compatível com a capacidade restante (facto 37).

    13. Não coloca o recorrente em crise que resultou do exame médico-legal a que se submeteu que as sequelas de que ficou a padecer definitivamente lhe provocam uma incapacidade total para o exercício da sua profissão habitual de oleiro/rodista, sendo que é compatível com o exercício de outras profissões dentro da sua área de preparação técnico-profissional, ou seja, que poderá, teoricamente, encontrar outra ocupação dentro da olaria.

    14. Vejamos, a este propósito, que tipo de actividades se podem desenvolver no exercício da olaria: a) – o ... é aquele que, à roda, puxa o barro ou fabrica qualquer peça em barro; b) – o enfornador/desenfornador é o trabalhador que, fora ou dentro dos fornos, coloca e retira os produtos a cozer ou cozidos (encaixados ou não) nas vagonetas, prateleiras, placas ou cestos; c) – o vidrador, é aquele trabalhador que tem à sua responsabilidade a vidragem de todas as peças cerâmicas; d) – o oleiro asador é aquele que prepara o barro e fabrica as asas ou bicos procedendo à sua colocação e acabamento.

    15. Como se percebe destas simples definições, a...

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