Acórdão nº 11/18.0JAPDL-B.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Julho de 2018

Magistrado ResponsávelLOPES DA MOTA
Data da Resolução31 de Julho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.

AA, arguida nos autos acima identificados, vem, “nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 31.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 222.º do Código de Processo Penal, requerer que lhe seja concedida a providência de habeas corpus”, apresentando petição com o seguinte teor (transcrição): «I – Introdução O pressuposto de facto e de direito da presente petição de habeas corpus é a ilegalidade da prisão da ora requerente, aplicada em 12 de Janeiro de 2018.

II – Do enquadramento de facto e de direito do questão sub judice A arguida AA, encontra-se sujeita à medida de coacção de prisão preventiva, aplicada por despacho judicial em 12 de Janeiro de 2018, encontrando-se ininterruptamente privada da sua liberdade, até os dias de hoje.

A arguida é de nacionalidade brasileira.

Em 1963, em Viena, deu-se origem à Convenção de Viena sobre Relações Consulares.

Trata-se de um tratado internacional em que se visou codificar as relações consulares, de forma a contribuir para o relacionamento amigável entre os países, além de garantir direitos fundamentais.

Tal convenção foi aderida por Portugal por meio do Decreto-Lei nº 183/72. Entre as proteções de direitos e previsão de assistência consular abrangidas pela Convenção de Viena, tem-se as hipóteses de prisão de estrangeiros.

Nestes casos, há uma série de dificuldades e particularidades envolvidas que exigem uma atuação da autoridade consular em ordem a garantir direitos fundamentais, à luz do princípio due process of law.

É nesse sentido que a Convenção de Viena sobre Relações Consulares dispõe, no seu artigo 36º, o seguinte: ARTIGO 36.º Comunicação com os nacionais do Estado que envia 1. A fim de facilitar o exercício das funções consulares relativas aos nacionais do Estado que envia: a) Os funcionários consulares terão liberdade de se comunicar com os nacionais do Estado que envia e visitá-los. Os nacionais do Estado que envia terão a mesma liberdade de se comunicar com os funcionários consulares e de os visitar; b) Se o interessado assim o solicitar, as autoridades competentes do Estado receptor deverão, sem tardar, informar o posto consular competente quando, na sua área de jurisdição, um nacional do Estado que envia for preso, encarcerado, posto em prisão preventiva ou detido de qualquer outra maneira. Qualquer comunicação endereçada ao posto consular pela pessoa detida, encarcerada ou presa preventivamente deve igualmente ser transmitida sem tardar pelas referidas autoridades. Estas deverão imediatamente informar o interessado dos seus direitos, nos termos da presente alínea; c) Os funcionários consulares terão direito a visitar o nacional do Estado que envia que esteja encarcerado, preso preventivamente ou detido de qualquer outra maneira, conversar e corresponder-se com ele e providenciar quanto à sua defesa perante os tribunais. Terão igualmente o direito de visitar o nacional do Estado que envia que, na sua área de jurisdição, esteja encarcerado ou detido em execução de uma sentença.

Todavia, os funcionários consulares deverão abster-se de intervir a favor de um nacional recluso, preso preventivamente ou detido de qualquer outra maneira sempre que o interessado a isso se opuser expressamente.

Dessa forma, sempre que um estrangeiro é preso em Portugal, seja qual for a modalidade de prisão, a Convenção de Viena prevê que a repartição consular competente deve ser avisada, o que não ocorreu.

Percebe-se que tal previsão honra o princípio da reciprocidade, o qual permite a solução dos conflitos envolvendo vários Estados, sem que se belisque a necessária igualdade ou ao respeito entre os Estados.

Assim, ao não se ter informado as autoridades consulares brasileiras sobre a prisão da arguida AA, no caso concreto, verificou-se uma concreta violação da Convenção de Viena, como também do princípio da reciprocidade.

Por essas razões, é imperioso que a prisão da arguida AA seja declarada ilegal e como tal revogada, porquanto não está de acordo com a Convenção de Viena sobre Relações Consulares, da qual Portugal é signatário.

Aliás, a previsão contida no art. 36º da Convenção de Viena sobre Relações Consulares, de que as autoridades consulares do país do estrangeiro devem ser avisadas sobre a sua prisão, tem como objetivo final proteger direitos fundamentais e o princípio do due processo of law.

De modo a que, sempre que o procedimento previsto não seja rigorosamente seguido, haverá necessariamente violações ao due process of law e aos direitos fundamentais, sendo, por conseguinte, ilegal a prisão.

Nesse sentido, é interessante destacar a resposta da Corte Interamericana de Direitos Humanos, dada em sede de solicitação de opinião consultiva, formulada pelo México (Opinião Consultiva nº 16/1999), vejamos: OPINIÃO 141. Pelas razões expostas, a Corte decide, por unanimidade, que é competente para emitir a presente Opinião Consultiva.

E é de opinião, por unanimidade, 1. Que o artigo 36 da Convenção de Viena sobre as Relações Consulares reconhece direitos individuais ao estrangeiro detido, entre eles o direito à informação sobre a assistência consular, aos quais correspondem deveres correlativos, por conta do Estado receptor.

por unanimidade, 2. Que o artigo 36 da Convenção de Viena sobre as Relações Consulares concerne à proteção dos direitos do nacional do Estado remetente e está integrada à normativa internacional dos direitos humanos.

por unanimidade, 3. Que a expressão ‘sem demora’, utilizada no artigo 36.1.b, da Convenção de Viena sobre as Relações Consulares, significa que o Estado deve cumprir com seu dever de informar ao detido sobre os direitos que lhe são reconhecidos pelo referido preceito no momento de privá-lo da liberdade e, em todo caso, antes de prestar a sua primeira declaração perante a autoridade.

por unanimidade, 4. Que a observância dos direitos reconhecidos ao indivíduo no artigo 36 da Convenção de Viena sobre as Relações Consulares não está subordinada aos protestos do Estado remetente.

por unanimidade, 5. Que os artigos 2º, 6º, 14 e 50 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos concernem à proteção dos direitos humanos nos Estados americanos.

por unanimidade, 6. Que...

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