Acórdão nº 2089/11.8TVLSB.L1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução25 de Outubro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL I – Relatório 1. AA, BB e CC instauraram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra DD - Sociedade Gestora de Patrimónios, pedindo a condenação da ré no pagamento às 1ª e 2ª autoras da quantia de € 15.632,40 e à 1ª e 3° autores da quantia de € 123.500,00, acrescidas do respetivo coeficiente de desvalorização monetária (desde Outubro de 2008 e até integral pagamento) ou, pelo menos, de juros moratórios, à taxa legal, a partir da citação, na qualidade de herdeiros do falecido, EE.

Alegaram que as duas autoras conferiram à ré a gestão das suas poupanças através de investimentos a efetuar em fundos de investimento, valores mobiliários e ainda em operações cambiais e instrumentos financeiros derivados. A ré anunciou às autoras que a modalidade de carteira escolhida - DD prime - se destinava a investidores que pretendem um retorno acima de uma taxa de juro de um depósito a prazo, mas "com uma componente de risco relativamente baixa".

EE e mulher, FF, celebraram com a ré, em 29.05.2007, um contrato de gestão de carteiras, confiando a esta a gestão de poupanças, no montante de € 80.000,00, a que mais tarde acresceu o montante de € 110.000,00, num total de € 190.000,00. Estes optaram por um perfil de risco elevado - DD dynamic.

A ré anunciou a estes que o investimento em derivados podia atingir 35% do investimento; em ações e obrigações teria o limite máximo de 35% do investimento e, em depósitos a prazo ou equiparados, uma alocação mínima de 30% do investimento.

Foi-lhes anunciado, nos termos da brochura, que o investimento tinha "uma componente de risco substancial, mas controlável".

Nunca foi dito ou explicado às 1ª e 2ª autoras, ao EE e mulher, nem aos herdeiros daquele que as parcelas do investimento não afetas aos instrumentos derivados poderiam ficar a caucionar ou garantir esses investimentos. Se isto lhes tivesse sido dito nunca teriam celebrado os contratos em apreço.

Até Setembro de 2008 nunca os extratos de conta remetidos identificaram o risco de perda total dos seus investimentos, nem lhes fizeram crer que os investimentos em depósitos a prazo, ações ou obrigações poderiam ser totalmente perdidos por estarem a caucionar investimentos em instrumentos derivados.

Todavia, foi isso que aconteceu porquanto a ré decidiu afetar a quase totalidade dos fundos a uma operação ligada à cotação da coroa islandesa, a qual terá sido exposta a movimentos de especulação que levaram a que, em 09/10/2008, praticamente todos os valores investidos pela ré se tivessem perdido.

Só em 15/10/2008 a ré informou os clientes da grave ocorrência ocorrida, responsabilizando o GG BANK.

Com o comportamento descrito, a ré violou, de forma grosseira e até leviana, os seus deveres de diligência, lealdade, prudência, cuidado, informação e respeito dos interesses que lhe estavam confiados, bem como as obrigações decorrentes dos contratos, constituindo-se na obrigação de indemnizar os autores em € 15.632,40 (70% de € 30.000,00 - € 6.867,60/quantia resposta pela R) quanto ao primeiro contrato e em € 123.500,00 (65% de € 190.000,00) quanto ao segundo contrato.

  1. Contestou a ré, sustentando que o falecido EE e a mulher foram, anteriormente, clientes noutras instituições financeiras e que aquele era um investidor experimentado, conhecendo bem os riscos do investimento que realizou.

    Negou ter violado o dever de informação e os demais deveres contratuais, argumentando que tudo se ficou a dever à crise económica financeira que atingiu os mercados em 2008. 3. Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, condenando a ré a pagar à autora AA a quantia de €15.632,40, acrescida de juros de mora, desde a citação até integral pagamento e absolvendo-a dos pedidos formulados pela mesma autora e pelo autor CC, na qualidade de herdeiros de EE.

  2. Inconformados com esta decisão, dela interpuseram os autores AA e CC recurso per saltum para o STJ.

  3. Remetidos os autos ao STJ, foi proferido despacho, que, considerando inverificado um dos requisitos estabelecidos na al. c) do n.° 1 do art. 678º do CPC, determinou, ao abrigo do nº 4 do mesmo artigo, abaixa do processo à Relação, a fim de o recurso aí ser processado.

  4. Pelo Tribunal da Relação de … foi proferido, em 19.10.2017, acórdão que julgou improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

  5. Inconformados com este acórdão, os autores AA e CC dele interpuseram recurso de revista, por via excecional, para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões, que se transcrevem: «A) O Acórdão da Relação manteve a decisão da 1ª instância, na parte em que absolveu a Ré do pedido formulado pelos ora Recorrentes, enquanto herdeiros/cessionários de EE e FF.

    1. Porém, o Acórdão da Relação foi tirado com base em fundamentação essencialmente diferente da que fora adoptada na 1ª instância, porquanto: • quanto à questão da violação dos deveres de informação, em que a Relação sufragou o entendimento da l.ª instância de que não ficara demonstrada tal violação, a posição da Relação assentou numa base legal substancialmente diferente, na medida em que a l.ª instância entendera que as alterações introduzidas ao CVM por força do DL 357-A/2007, de 31 de Outubro, seriam aplicáveis ao caso dos autos, enquanto a Relação se pronuncia pela sua inaplicabilidade in casu, o que é especialmente relevante quanto à regra introduzida no art. 321.°, n.º 1, b) do CVM ¬convocada no recurso na conclusão R) - , a qual estabelece que a informação do intermediário financeiro deve ser prestada por escrito; • a Relação teve o cuidado de expressamente afastar esse pressuposto - considerando inaplicável aquela regra, que a l.ª instância expressamente considerara aplicável ao caso -, o que só pode consubstanciar que lhe atribuiu um especial significado para a formulação do seu juízo conclusivo, no sentido de que não se demonstrava a violação do dever de informação em apreço; • por outro lado, a parte mais longa e incisiva da fundamentação do Acórdão da Relação, quando desatende o recurso interposto, acaba por ser a consideração de que não haveria nexo de causalidade entre o incumprimento do dever de informação e/ou do contrato de gestão e os danos sofridos, sendo certo que a I." instância não perfilhou esse entendimento, como até inequivocamente decorre da circunstância de ter condenado a R. - e nessa parte a decisão já transitou em julgado - a pagar a indemnização devida com referência aos prejuízos causados à ora Recorrente AA, no que diz respeito ao contrato por si celebrado.

      Da violação do dever de informação C) A Relação não tem razão na posição adoptada quanto à não violação do dever de informação da R. Em primeiro lugar, porque a Relação interpreta mal o art. 18.°, n.º 6 do DL 357- A/2007, uma vez que, nesse preceito legal, se estipula que o intermediário financeiro deve prestar aos seus clientes à data da sua entrada em vigor (01/1112007) a informação prevista na al. b) do n.º 1 do art. 312.º - a devida "à natureza de investidor não qualificado", ou seja, como não pode deixar de ser, aquela que, na nova redacção, é dirigida a esse investidor não qualificado (isto é, as regras expressamente previstas a tal propósito nos arts. 312.º-A, 312.º-B, 312.º-C, 312.º-D e 312.º-E do CVM) -, a prestar por escrito, porque a nova redacção do n.° 4 do art. 312.º se refere expressamente às informações que devem ser facultadas nos termos do n. ° 1.

    2. Em segundo lugar, e mesmo que assim não fosse, porque o contrato em apreço - cfr. FACTO PROVADO n.º 8 e documento de fls. 35 e 43, para onde se remete - foi celebrado em 29.05.2007, pelo prazo de um ano, renovado por idênticos períodos se não denunciado; assim sendo, com a renovação iniciada em 9 de Maio de 2008, inicia-se a vigência de um contrato igual, mas não do mesmo contrato, pelo que, nessa data, mesmo que fosse aplicável a tese da Relação, já se aplicariam ao contrato renovado todas as regras legais imperativas, cuja aplicação resulta da nova redacção introduzida no CVM, por razões de ordem pública, para garantir a eficiência e segurança do mercado de capitais.

    3. Em terceiro lugar, porque a maioria das regras introduzidas no CVM pelo diploma de 2007, maxime a circunstância de a informação ter de ser dada por escrito, deve ser considerada interpretativa, ou mesmo pedagógica, porquanto o conjunto das obrigações a prestar era já tão complexo, que só a comunicação escrita seria completa e clara, nos termos exigidos pelo art. 7.° do CVM.

      Ora, como resulta do art. 13.°, nº 1 do CC, tal regra interpretativa sobre a forma da comunicação aplica-se logo após o início da sua vigência, porque se integra nas normas que impõem deveres de informação.

    4. Pelo exposto, deve o Supremo Tribunal julgar que a Relação enquadrou, do ponto de vista legal, de forma errónea o caso dos autos, tendo assim violado o art. 18.° do DL 357-A/2007, quando não aplicou as alterações introduzidas no CVM por aquele diploma legal.

    5. Por outro lado, mesmo que se entendesse que a informação não tinha de ser dada por escrito - o que só por extrema cautela se pondera -, ainda assim ocorreria uma errónea aplicação das regras do ónus da prova.

      Em face da situação dos autos, em que as partes celebraram um contrato escrito, se houvesse mais alguma informação - porventura oral - que conferisse à sociedade gestora poderes mais amplos do que os que estão atribuídos por escrito, ou que, de qualquer forma, consubstanciasse um esclarecimento ao cliente do risco em que poderia ser envolvido com a utilização das parcelas destinadas a investimento em depósitos a prazo ou em acções ou obrigações em operações de alavancagem, parece incontornável que o ónus da prova dessa cláusula ou esclarecimento adicional sempre pertenceria à R., por ser um facto modificativo ou impeditivo do direito invocado, pelo que, mesmo que tal pressuposto existisse, o Acórdão da Relação teria...

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