Acórdão nº 2581/16.8T8LRA.C2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelBERNARDO DOMINGOS
Data da Resolução25 de Outubro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL * Relatório AA e mulher, BB, residentes na rua da …, n.º …, …, … …, Caldas da Rainha, propuseram a presente acção declarativa com processo comum contra Banco CC, pedindo: A condenação do réu a pagar aos autores a quantia de € 57 500,00 euros, a título de capital e juros vencidos até 22 de Agosto de 2016, bem como os juros vincendos desde a citação até ao integral e efectivo pagamento; Caso assim se não entendesse, se declarasse nulo qualquer eventual contrato de adesão que o réu invocasse para ter aplicado os € 57 500,00, que os autores entregaram ao réu e que este aplicou em obrigações subordinadas SLN ....; Se declarasse ineficaz em relação aos autores a aplicação que o réu tenha feito desses montantes; A condenação do réu, a restituir aos autores € 57 500, 00, que ainda não receberam dos montantes que entregaram ao réu e de juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a data da citação até ao efectivo e integral pagamento; Em qualquer caso, a condenação do réu no pagamento aos autores de 2 500,00 euros, a título de dano não patrimonial.

Os fundamentos da acção foram, em resumo, os seguintes: Em Outubro de 2004, o gerente da agência do BANCO DD de … disse ao autor que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BANCO DD e com rentabilidade assegurada; O autor aplicou 50 000,00 em obrigações SLN ..., sem que soubesse, em concreto, o que eram tais obrigações e sem que soubesse que a SLN era uma empresa; Se o autor se tivesse apercebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações de SLN ..., produto de risco e que o capital não era garantido pelo BANCO DD, não o teria adquirido.

Os autores não se recordam de ter subscrito as ditas aplicações e desconhecem todo o processo de aquisição de obrigações SLN; O negócio é nulo; O incumprimento do réu causou aos autores danos não patrimoniais.

O réu contestou, pedindo se julgasse improcedente a acção. Na sua defesa alegou com interesse para o recurso: Que qualquer direito sobre o intermediário financeiro por eventual responsabilidade em que haja intervindo está prescrito porque tal direito prescreve no prazo de dois anos a contar da conclusão da operação; Que as obrigações foram emitidas pela SLN, SGPS, SA, que era detentora de 100% do capital do Banco, o que aconteceu até Novembro de 2008, altura em que foi nacionalizado; Que o incumprimento da obrigação foi determinado por circunstâncias imprevisíveis e anormais, como uma nacionalização e a forma como a nacionalização foi feita; Que os autores foram esclarecidos sobre as condições do produto.

A autora respondeu.

O processo prosseguiu os seus termos e após a audiência final foi proferida sentença que julgou improcedente a acção.

Os autores não se conformaram com a decisão e interpuseram recurso de apelação, pedindo a revogação e a substituição por outra que condene o réu nos montantes pedidos.

Apreciando a apelação a Relação de … veio a julgá-la parcialmente procedente e, em consequência decidiu o seguinte: «Revoga-se a decisão que julgou improcedente o pedido de condenação do réu no pagamento aos autores da quantia de cinquenta mil euros (€ 50 000,00) e juros vencidos, substituindo-se esta decisão por outra a condenar o réu a pagar aos autores a quantia de cinquenta mil euros (€ 50 000,00) acrescidos de juros de mora legais desde Junho de 2015 até ao efectivo e integral pagamento; Mantém-se a decisão de julgar improcedente o pedido de condenação do réu no pagamento aos autores da quantia de dois mil e quinhentos euros (€ 2 500 euros), a título de dano não patrimonial; Julga-se improcedente a excepção de prescrição».

* Inconformado com esta decisão, veio o R. interpor a presente revista, tendo, nas suas alegações, formulado as seguintes Conclusões: 1) «Entendeu o Tribunal não haver fundamento para que se pudesse considerar existir responsabilidade civil do intermediário financeiro - ainda que tenha entendido ver causas de ilicitude na conduta do Réu! - por considerar inexistir qualquer nexo de causalidade entre o dito ilícito e o dano alegado pelo A. - mais, invoca o Tribunal a quo que nem sequer existiu qualquer tipo de relação de intermediação financeira entre os AA. e Réu 2) Repete a decisão recorrida que o Banco CC é sucessor do BANCO DD, S.A.

3) Ora, não vemos qualquer fundamento de facto, seja dos factos que resultaram provados nos autos seja de quaisquer outros factos notórios, para que se diga que o Banco CC, S.A. é sucessor do então BANCO DD! Dir-se-á que uma tal afirmação é feita por puro palpite ou por conhecimento vago de factos que são normalmente comentados nos meios públicos! 4) A decisão recorrida invoca que que esta sucessão constitui um facto notório! Mas não o él Nem notório, nem real! 5) O Banco-R. é a mesma pessoa jurídica do "antigo" BANCO DD, sendo que o resulta da compra do BANCO DD pelo Banco CC, S.A., e incorporação deste naquele e posterior alteração de firma! Dito isto, 6) Entendeu o Tribunal recorrido que o Banco-R. não praticou qualquer acto de intermediação financeira relativamente aos AA., simplesmente por não ter vislumbrado a pré-existência de um contrato de intermediação financeiro que suportasse a prática de qualquer actividade de intermediação financeira.

7) A relação entre um banco e o seu cliente caracteriza-se pela relação de abertura de conta. Esta constitui uma relação contratual complexa, no âmbito da qual cabem inúmeras e distintas relações contratuais com diferentes conteúdos, objectos e deveres! 9) Neste quadro, às entidades bancárias é, em geral, permitido ao banco a prestação de serviços de intermediação financeira, sendo certo que esses serviços se pautam pela celebração de um contrato de intermediação financeira entre Banco e cliente, que é pressuposto, ou implícito, sempre que é acordada ou solicitada a prática de um serviço de intermediação.

10) Desde Dezembro de 2007, e apenas desde então, com a entrada em vigor do DL nº 357-A/2007, este acordo implícito, de cobertura, passou a ser obrigatoriamente celebrado sob a forma escrita. Todavia, à data dos factos em discussão nos autos, não o era! 11) Mas mais... era um contrato a cuja existência, como se disse, bastava a contratação de uma qualquer actividade financeira. Ou seja, perante a prestação de um qualquer serviço de intermediação financeira é pressuposto que este seja prestado ao abrigo de um regime de natureza contratual de cobertura, e cujos objectivos mais não são do que a protecção da parte menos informada! 12) O que vimos de dizer faz tanto mais sentido quanto é certo que a relação entre o Banco e o seu cliente constitui a tal relação de abertura de conta, de natureza e conteúdo bastante complexos e diferenciados, e que inclui a possibilidade da prática de actividades de intermediação financeira.

13) Na pior das hipóteses, a partir do momento em que são prestados ao cliente os serviços de intermediação financeira. Questão diferente seria saber se um tal contrato é válido, material e formalmente, e eficaz! 14) O Banco é uma das entidades consideradas como intermediário financeiro, nos termos do disposto no art.º 293º do CdVM, nºs 1, al. a).

15) Por outro lado, no caso, ficou provado que, após a devida informação (melhor ou pior, mais ou menos completa) em Outubro de 2004, o autor marido subscreveu, junto dessa agência, uma obrigação SLN ..., no valor de €50.000,00 (vide facto provado 2) 16) Esta subscrição ao balcão do Banco-R. mais não é do que uma recepção de uma ordem dos AA., sua retransmissão e execução por conta também dos AA.! Ou seja, o serviço prestado corresponde especificamente ao serviço de investimento em instrumento financeiro, tal qual discriminado no artº 290, nº 1, als. a) e b) do mesmo código.

17) Este serviço, por definição, inclusivamente legal, constitui uma actividade de intermediação financeira, e supõe por isso mesmo, ainda que de forma tácita o acordo de intermediação que lhe serve de cobertura.

18) Parece-nos claro que entre o Banco-R. e os seus clientes, concretamente os aqui AA., existe uma relação de intermediação financeira, sendo-lhe aplicável integralmente o respectivo regime de direitos e deveres, e da consequente responsabilidade sempre que disso for caso.

18) Todavia, tomando por base a suposta inexistência de contrato de cobertura vem o tribunal recorrido a qualificar esta operação como de compra e venda! E depois, daqui retira, como que automaticamente, que é ao Banco, enquanto vendedor, que cabe cumprir a obrigação da emitente da Obrigação de reembolsar o investimento inicial.

19) Ora, não se percebe como elaborar este raciocínio! 20) É que além de se não ver aqui qualquer dos elementos do contrato de compra e venda, também não vemos evidenciado o objecto da venda, quem, e como, era o seu proprietário, para o Banco o poder vender legitimamente, e em sequência, se terá vendido as Obrigações em nome próprio, ou em representação de outrem, 21) E por fim, não se percebe como agindo em nome próprio, e muito menos se agindo em nome de outrem, acaba por assumir a obrigação de reembolso corporizada no instrumento financeiro vendido.

22) Ficamos, em suma, sem saber como a obrigação de reembolso passa da entidade emitente para o Banco! 23) Não podemos senão concluir que efectivamente o Banco-R., interveio junto do A. na qualidade de intermediário financeiro, apresentando um produto financeiro, e recebendo, retransmitindo e executando ordens do A., por sua conta e no seu interesse.

24) Nessa estrita medida, foi, na sequência dessas ordens debitada a conta bancária do A. com o valor de subscrição, e creditada a sua conta de títulos-razões, óbvias (dizemos nós) por que o Banco era igualmente destinatário do formulário da subscrição, pois que enquanto entidade depositária deveria dar cumprimento a todas as operações de débito e crédito implícitas no acto de subscrição e transmissão de propriedade! 25) Não reconhecemos, por outro lado...

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