Acórdão nº 56/18.0YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Agosto de 2018

Magistrado ResponsávelMANUEL AUGUSTO DE MATOS
Data da Resolução10 de Agosto de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - RELATÓRIO 1.

AA, sujeito à medida de coacção de prisão preventiva à ordem do processo n.º 347/10.8PJPRT do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Criminal do Porto – Juiz 3, vem apresentar petição de HABEAS CORPUS, redigida por si próprio, alegando que: «(…) no meu humilde entendimento já foram ultrapassados todos os prazos a que deveria estar sujeito à medida de coacção mais gravosa, que é a Privação da minha liberdade venho requerer ao venerado Supremo Tribunal de Justiça que declare prisão ilegal e me ponha desde logo em liberdade, pelo que passo a expor 1 – A 9 de Janeiro de 2015, por mandato europeu de detenção fui detido na minha terra natal pela Europol.

2 – A 4 de Fevereiro de 2015 dei entrada no EPL, dormindo lá uma noite.

3 – A 5 de Fevereiro de 2015 sou presente ai Juiz de Instrução onde me é decretada a prisão preventiva, estando na situação de preso preventivo até à data de hoje.

4 – Fui entretanto condenado em Tribunal de 1ª Instância a pena de 14 anos de prisão efectiva.

5 – Não conformado com tal pena de prisão, interpus recurso para o Venerado Tribunal da Relação do Porto.

6 – No Venerado Tribunal da Relação do Porto fixa a minha pena de prisão em 12 anos de prisão efectiva.

7 – Ora, como o Venerado Tribunal da Relação do Porto baixou a minha pena de 14 anos de prisão efectiva para 12 anos de prisão efectiva o prazo máximo que deveria estar em prisão preventiva deveria ser 3 anos e 4 meses, prazo já [há] muito ultrapassado.

8 – É de salientar que sou casado, tenho 3 filhos e encontro-me privado da minha liberdade à praticamente 3 anos e 6 meses, o que ultrapassa em muito os 3 anos e 4 meses, tempo máximo a que deveria estar a medida de coacção tão gravosa.

Assim, requeiro a Vossa Excelência pela minha libertação imediata por já ter ultrapassado o tempo máximo de prisão preventiva e a liberdade é um precioso e nunca se pode estar privado da liberdade mais de que humanamente aceitável.» 2.

O Ex.mo Juiz titular do processo exarou a seguinte informação, nos termos do artigo 223.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, doravante CPP: «Referência 7928618- Informe que o arguido AA foi detido em 08.01.2015 e preso preventivamente desde 05.02.2015, condenado na pena de 12 anos de prisão e que atinge o prazo máximo de prisão preventiva em 05.02.2021.

O despacho de revisão da medida de coacção-prisão preventiva- proferido nos termos do art. 213º do CPP e que manteve a mesma, data de 21.05.2018. Para o efeito, envie cópia de fls. 2054 a 2060.» 3.

Consta do processo que o peticionante foi condenado na Instância central – Secção Criminal – J3 – da Comarca do Porto, pela prática, em co-autoria material e em concurso real, de crimes de associação criminosa, furo (simples e qualificado) e burla informática (simples e qualificada) na pena única de 14 anos de Prisão.

No âmbito do recurso interposto, o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 21-02-2018, deliberou conceder-lhe parcial provimento, mantendo a condenação do arguido, agora requerente, pelos factos, com o enquadramento jurídico-penal e nas penas parcelares aplicadas na decisão da 1.ª instância, alterando, porém, a medida da pena única aplicada, fixando-a em 12 anos de prisão.

  1. Convocada a secção criminal e notificados os Ministério Público e o Defensor do requerente, teve lugar a audiência, nos termos dos artigos 223.º, n.

    os 2 e 3, e 435.º do CPP, cumprindo tornar pública a respectiva deliberação.

    II - FUNDAMENTAÇÃO A. Os factos Constam dos autos os seguintes elementos fácticos que interessam para a decisão da providência requerida: O peticionante AA foi detido em 08.01.2015 na sequência da emissão de mandado de detenção europeu (MDE); Encontra-se sujeito à medida de coacção de prisão preventiva desde 05-02-2015.

    Foi condenado em 1.ª instância na pena única de 14 anos de prisão, pena que foi reduzida para 12 anos de prisão pelo Tribunal da Relação do Posto no âmbito do recurso interposto.

    1. O direito 1.

    Estabelece o artigo 31.º, n.

    os 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, que o próprio ou qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos pode requerer, perante o tribunal competente, a providência de habeas corpus em virtude de prisão ou detenção ilegal.

    O instituto do habeas corpus «consiste essencialmente numa providência expedita contra a prisão ou detenção ilegal, sendo, por isso, uma garantia privilegiada do direito à liberdade, por motivos penais ou outros. (…). «Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa dos direitos fundamentais, o habeas corpus testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade», podendo ser requerido «contra decisões irrecorríveis, (…) mas não é de excluir a possibilidade de habeas corpus em alternativa ao recurso ordinário, quando este se revele insuficiente para dar resposta imediata e eficaz à situação de detenção ou prisão ilegal»[1].

    Visando reagir contra o abuso de poder, por prisão ou detenção ilegal, o habeas corpus constitui, para GERMANO MARQUES DA SILVA, «não um recurso, mas uma providência extraordinária com natureza de acção autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo em muito curto espaço de tempo a uma situação de ilegal privação de liberdade»[2].

    Como o Supremo Tribunal de Justiça vem afirmando, esta providência constitui «um processo que não é um recurso mas uma providência excepcional destinada a pôr um fim expedito a situações de ilegalidade grosseira, aparente, ostensiva, indiscutível, fora de toda a dúvida, de prisão e, não, a toda e qualquer ilegalidade, essa sim, objecto de recurso ordinário ou extraordinário…»[3].

    Daí que, a providência de habeas corpus tenha os seus fundamentos previstos, de forma taxativa, nos artigos 220.º, n.º 1 e 222.º, n.º 2 do CPP, consoante o abuso de poder derive de uma situação de detenção ilegal ou de uma situação de prisão ilegal, respectivamente.

    Tratando-se de habeas corpus em virtude de prisão ilegal, situação que se destaca por ser aquela que o requerentes invoca, esta há-de provir, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 222.º do CPP, de:

    1. Ter sido efectuada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto que a lei não permite; ou c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.

    Como este Supremo Tribunal vem sistematicamente decidindo, a providência de habeas corpus está processualmente configurada como uma providência excepcional, não constituindo um recurso sobre actos do processo, designadamente sobre actos através dos quais é ordenada ou mantida a privação de liberdade do arguido, nem sendo um sucedâneo dos recursos admissíveis, estes sim, os meios adequados de impugnação das decisões judiciais.

    Assim, como se considera no seu acórdão de 15-01-2014, proferido no proc.º n.º 1216/05.9GCBRG-A.S1 - 3.ª Secção, «está vedado ao Supremo Tribunal de Justiça substituir-se ao tribunal que ordenou a prisão em termos de sindicar os fundamentos que a ela subjazem, ou seja, de conhecer da bondade da decisão, já que, se o fizesse, estaria a criar um novo grau de jurisdição».

  2. A procedência do pedido de habeas corpus pressupõe ainda uma actualidade da ilegalidade da prisão reportada ao momento em que é apreciado o pedido. Trata-se de asserção que consubstancia jurisprudência sedimentada no Supremo Tribunal de Justiça, como se dá nota no acórdão de 21-11-2012 (Proc. n.º 22/12.9GBETZ-0.S1 – 3.ª Secção), onde se indicam outros arestos no mesmo sentido, bem como no acórdão de 09-02-2011 (Proc. n.º 25/10.8MAVRS-B.S1 – 3.ª Secção), no acórdão de 11-02-2015 (Proc. n.º 18/15.9YFLSB.S1 – 3.ª Secção), e no acórdão de 17-03-2016, relatado pelo ora relator, proferido no processo n.º 289/16.3JABRG-A.S1 – 3.ª Secção.

    Assim, à luz do princípio da actualidade, assim enunciado, o que está em causa no caso sub judice é unicamente a apreciação da legalidade da actual situação de privação de liberdade do requerente.

    1. Apreciação 1.

    O requerente invoca como fundamento do pedido de habeas corpus a alínea c) do artigo 222.º do CPP, alegando que a prisão preventiva a que se encontra sujeito se mantém para além dos prazos fixados na lei. Segundo alega, «o prazo máximo que deveria estar em prisão preventiva deveria ser 3 anos e 4 meses, prazo já há muito ultrapassado».

    O artigo 215.º do CPP, que fixa os prazos de duração máxima da prisão preventiva, na sua redacção actual, introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, dispõe, no que releva para a situação em apreço, o seguinte: «1 - A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido:

    1. Quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação; b) Oito meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória; c) Um ano e dois meses sem que tenha havido condenação em 1.ª instância; d) Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.

    2 - Os prazos referidos no número...

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