Acórdão nº 85/15.5GEBRG-N.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Agosto de 2018

Magistrado ResponsávelFRANCISCO CAETANO
Data da Resolução21 de Agosto de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

Relatório AA, invocando a ilegalidade da prisão preventiva em que se encontra no Estabelecimento Prisional de ... à ordem do processo de inquérito n.º 85/15.5GEBRG (actos jurisdicionais) do Juízo de Instrução Criminal de Guimarães - Juiz 2, Comarca de ..., por haver sido decretada após decurso do prazo de duração máxima do inquérito, veio através de Il. Advogado requerer providência de habeas corpus, nos termos e com os fundamentos que se transcrevem: “1. Na sequência da detenção efectuada pelo Órgão de Policia Criminal às 7:00 horas do dia 01 de Julho de 2018, o ora requerente foi apresentado, em 03 de Julho de 2018, ao Exmo. Senhor Juiz de Instrução Criminal, para a realização de primeiro interrogatório judicial.

  1. No âmbito do mencionado interrogatório, por considerar estar indiciada a prática de um crime de associação criminosa e de sete crimes de furto qualificado, com fundamento na alegada existência de perigo de continuação da actividade criminosa, de fuga e de perturbação do decurso do inquérito, foi proferido o despacho de fls. 3413 a 3498, através do qual, o Exmo. Senhor Juiz de Instrução Criminal aplicou ao aqui requerente a medida de coacção de prisão preventiva.

  2. Assim, o requerente encontra-se a cumprir a mencionada medida coactiva no Estabelecimento Prisional de ..., desde a referida data de 03 de Julho de 2018.

  3. Todavia, apesar de o requerente só ter sido detido em 1 de Julho de 2018, e preso preventivamente no referido dia 3 do mesmo mês e ano, o certo é que, conforme consta de fls. 3422, 3489 e 3495 dos autos, o inquérito teve o seu início na longínqua data de 16 de Abril de 2015, 5. ou seja, há 41 meses.

  4. O prazo do inquérito é único, não se interrompe, nem se suspende...

  5. Ora, conforme é consabido, nos termos do disposto no artigo 276.º do Código de Processo Penal, o Ministério Público, enquanto titular da fase de inquérito, independentemente do crime em investigação, tem de proferir despacho de arquivamento ou de acusação no prazo MÁXIMO de 18 meses.

  6. Pelo que, dúvidas não existem de que, no caso concreto, se encontra há muito esgotado o prazo de duração máxima da referida fase processual, 9. o que, aliás, já foi reconhecido expressamente, quer pelo Ministério Publico na promoção de fls. 4019, quer pelo Exmo. Juiz de Instrução Criminal, no seu despacho de 24 de Julho de 2018 – refª. 159352213.

  7. De facto, consta no mencionado despacho que se mostram inequivocamente findos os prazos previstos no artigo 276.º do Código de Processo Penal, considerando a data em que o inquérito passou a ter suspeitos, o que coincide temporalmente com o prazo em que foi reaberto o inquérito, e simultaneamente, os autos sujeitos a segredo de justiça.

  8. Por outro lado, importa referir que, da leitura do referido artigo 276.º Código de Processo Penal e do artigo 215.º do mesmo diploma legal, constata-se que o prazo de duração da prisão preventiva e o prazo máximo de duração da fase do inquérito são semelhantes, 12. o que permite concluir que o prazo máximo de duração daquela medida coactiva foi determinado pelo legislador de forma precisa e absolutamente dependente do tempo de duração das fases processuais previstas para o processo penal.

  9. De facto, é manifesto que a ideia central do legislador foi a de fazer coincidir o termo da prisão preventiva com o momento estabelecido para o termo das sucessivas fases processuais, de forma a promover a aceleração do processo e o seu andamento sem delongas, incentivando os titulares de cada uma das respectivas fases a respeitar os prazos de conclusão das mesmas.

  10. O arguido deve ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.

  11. Assim o estabelece o artigo 32.º da nossa Constituição e já o proclamava, em 1789/1791, a 6ª emenda à Constituição dos EUA.

  12. A morosidade penaliza quem está sujeito a medidas de coacção, a meios de obtenção de prova e a uma inexorável estigmatização social (apesar de se presumir inocente).

  13. A providência de habeas corpus é uma providência excepcional, destinada a garantir a liberdade individual contra o abuso de autoridade, como doutrina Cavaleiro de Ferreira (Curso de Processo Penal, 1986, pág. 273), que a rotula de «providência vocacionada a responder a situações de gravidade extrema ou excepcional», confluindo, no mesmo sentido entre outros. Germano Marques da Silva, ensina que a providência de habeas corpus é «uma providência extraordinária com a natureza de acção autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo, em muito curto espaço de tempo, a uma situação de ilegal privação de liberdade» (Curso de Processo Penal, tomo 2.º, pág. 260).

  14. A providência de habeas corpus não pressupõe o prévio esgotamento dos recursos que possam caber da decisão de onde promana a prisão dita ilegal, sendo compatível com a possibilidade de recurso de tal decisão, exactamente pela necessidade de pôr imediatamente cobro a uma situação de patente ilegalidade.

  15. A providência de habeas corpus não almeja a reanálise do caso; pretende a constatação da ilegalidade.

  16. No caso dos autos, para além de se detectar abuso de poder, também se patenteia a ilegalidade adjacente ao esgotamento do prazo legalmente fixado para o encerramento do inquérito, que constitui um erro, grosseiro e grave na aplicação do direito, por força dos quais é de detectar ilegal a prisão do requerente.

  17. Ou seja, de acordo com as regras e princípios aplicáveis ao processo penal, resulta que os prazos fixados no artigo 215.º do Código de Processo Penal não podem ser considerados de forma isolada, na medida em que, terá de ser necessariamente tida em conta a intenção específica do legislador, a qual, impõe que se conjugue o disposto no referido artigo 215.º do Código Processo Penal com os normativos que estabelecem os prazos de duração máxima de cada uma das fases do processo.

  18. Ora, conforme já se referiu, no caso concreto, os prazos de duração máxima do inquérito já se encontram largamente ultrapassados, pelo que, estamos perante um "vazio" processual, na medida em que, o inquérito enquanto fase de investigação e recolha de indícios terá de ser considerado, necessariamente, encerrado por força do decurso do referido prazo legal e obrigatório previsto no artigo 276.º do CPP.

  19. Isto é, apesar de formalmente o Ministério Público ainda não ter encerrado o inquérito, o certo é que, por se encontrarem, largamente, ultrapassados todos os prazos legalmente fixados para a duração do mesmo, impõe-se que a fase de inquérito, repete-se, enquanto fase de investigação e de recolha de indícios da prática de crime, se considere imediatamente encerrado, já que, neste momento impende apenas sobre o Ministério Público a obrigação de proferir, fora de prazo, despacho de arquivamento ou acusação, 24. pois, caso contrário, ou seja, caso inexistisse qualquer consequência para a ultrapassagem dos prazos de duração das fases processuais, teríamos inquéritos a durar ad aeternum, com o consequente prejuízo dos direitos defesa e interesses constitucionalmente protegidos do arguido.

  20. Face ao exposto, uma vez que o prazo de duração máxima da prisão preventiva tem de ser conjugado com o prazo de duração das várias fases processuais e sendo certo que, o prazo máximo de duração do inquérito já se esgotou, o que, necessariamente, implica que, neste momento, o processo esteja "suspenso" a aguardar que seja proferido o respetivo despacho de arquivamento ou de acusação, dúvidas não existem de que a prisão do requerente é manifestamente ilegal, por não estar devidamente suportada por uma fase processual válida, 26. pois, repete-se, o inquérito está findo, e, portanto, não podem continuar a decorrer diligências de investigação com o arguido preso, uma vez que não existe qualquer fundamento legal para o arguido continuar privado da sua liberdade sem ser proferido despacho de encerramento de inquérito com o respectivo despacho de arquivamento/acusação.

  21. De facto, é manifestamente ilegal que, passados 3 anos e quase 5 meses, ainda haja a pretensão de continuar a investigar no âmbito dos presentes autos de inquérito, com o arguido preso, sendo que o inquérito compreende um conjunto de diligências que visam investigar, dentro de um prazo legal a existência de um crime, determinar os seus agentes e a sua responsabilidade e recolher as provas.

  22. O processo de inquérito tem necessariamente que ser encerrado, com base nos factos apurados, sendo certo que cabe apenas ao Ministério Público concluir sobre a existência ou não da responsabilidade criminal de certa pessoa.

  23. Ora, após o decurso do inquérito durante 3 anos e quase 5 meses, é manifesto que o prazo legal do inquérito está largamente esgotado, pelo que não é aceitável que se justifique a prisão do arguido na existência de qualquer perigo de perturbação do inquérito, pois, este há muito devia estar encerrado...

  24. Por outro lado, é consabido que se o início da prisão preventiva apenas se verificar já depois de findo o prazo legal da fase de inquérito, não poderão colher os efeitos dos limites máximos previstos até à decisão instrutória, fase que ainda não teve o seu início.

  25. Por idêntica razão, se numa determinada fase se tiver esgotado o limite do prazo de duração do inquérito, o arguido pode voltar a ser preso se se passar a outra fase e se se mantiverem as razões para determinar a sua prisão, desde que não tenha sido ainda atingido o máximo da correspondente fase.

  26. Conforme já se referiu, o legislador teve o propósito de promover o andamento sem delongas dos processos, incentivando os respectivos responsáveis a respeitar os prazos de conclusão de cada fase, sob risco de insubsistência de uma prisão preventiva tida por essencial para a prossecução dos objectivos da justiça criminal.

  27. A ideia central do sistema é a de fazer coincidir, ao menos tendencialmente, a duração máxima (acumulada) de prisão preventiva com o termo das sucessivas fases processuais.

  28. Os prazos de limite máximo de prisão...

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