Acórdão nº 1006/15.0JABRG-D.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Julho de 2018

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução04 de Julho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório AA, com os sinais dos autos, foi condenado no Juízo Central Criminal de Braga, por acórdão de 27.4.2016, transitado em julgado a 27.3.2017, após decisões proferidas pelo Tribunal da Relação de Guimarães a 26.9.2016 e pelo Supremo Tribunal de Justiça a 9.3.2017, que o confirmaram, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nºs 1, a), e 2, do Código Penal (CP), na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, e ainda pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, nºs 1 e 2, 131º, 132º, nºs 1 e 2, b) e j), do CP, na pena de 8 anos de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 9 anos de prisão.

Dessa decisão interpôs agora o arguido recurso extraordinário de revisão, ao abrigo do art. 449º, nº 1, d) e e), do Código de Processo Penal (CPP), nos seguintes termos: A. Vem o presente recurso interposto do, aliás douto, acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo da Comarca de Braga em 27-04-2016 e transitado em julgado em 27-03-2017 que condenou o ora Recorrente pela prática de: – um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.º1, al. a) e n.º2 do Código Penal na pena de dois anos e seis meses de prisão; – um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º, 23.º, n.º1 e n.º2, art. 131.º, 132.º, n.º1 e 2, al. b) e j) todos do Código Penal na pena de oito anos de prisão; – em cúmulo jurídico na pena única de nove anos de prisão.

  1. Inconformado, dessa decisão recorreu o arguido para o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão transitado em julgado, negou provimento ao recurso e manteve integralmente a decisão recorrida.

    Recorreu, ainda, o arguido desta última decisão para este Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão transitado em julgado, confirmaria novamente a decisão recorrida.

  2. Desta feita, vem o arguido interpor recurso de revisão de sentença transitada em julgado, com a dignidade constitucional que lhe é conferida pelo nº 6 do art. 29.º da Lei Fundamental, pois que é o meio processual adequado para reagir contra clamorosos erros judiciários e casos de flagrante injustiça, como estes que se fazem sentir nos presentes autos.

    Isto porque, D. Descobriram-se novos factos/meios de prova que combinados com os demais apreciados nos autos suscitam graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação e, ainda, que serviram de fundamento à condenação provas proibidas, nos termos dos n.ºs 1 a 3 do art. 126.º do CPP.

  3. Os fundamentos do presente recurso são, por isso, os previstos nas alíneas d) e e) do n.º1 art. 449.º do CPP.

  4. Desde logo, o Recorrente lança mão deste recurso de revisão por só ter tido conhecimento após ao trânsito em julgado da decisão condenatória, da existência de uma testemunha que nunca foi ouvida nos autos (nem sequer arrolada) e que tem conhecimento directo de novos factos susceptíveis de gerar sérias dúvidas sobre a justiça da condenação.

  5. Pelos motivos desenvolvidamente apontados na motivação deste recurso, considera o Recorrente que estas novas factualidades advenientes deste novo meio de prova – seja pela justificada oportunidade e originalidade, seja pela isenção e credibilidade que se prevê merecer a testemunha – têm o condão de tornar qualificada a dúvida sobre a justiça da condenação.

  6. Nomeadamente, porque são susceptíveis de abalar seriamente o depoimento da Assistente (inegavelmente interessada na condenação) e, ainda, porque sublinham que a prova carreada para os autos carece em absoluto de fé e de confiança. Ora, I. Foi precisamente nesta prova supra referida que o Tribunal Colectivo estribou a sua convicção no que ao crime de homicídio qualificado na forma tentada concerne.

  7. Ora, valorando-se esta nova prova, que coloca em crise as declarações da Assistente e que reforça a ideia de que a prova está inquinada, não mais se pode afirmar, para além de toda a dúvida, que o Recorrente quis matar a Assistente, premeditou esse homicídio, actuando de forma calculada e reflectida e tentou ainda encenar o suicídio da vítima. Outrossim, K. Fundamenta-se este recurso na circunstância de se ter descoberto, já após a prolação do acórdão, que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º, as quais nunca foram invocadas pelo Recorrente em sede recursiva.

    Concretizando, L. Os factos pelos quais o arguido foi julgado e condenado ocorreram durante o casamento, pelo que era legalmente exigido que a Assistente fosse advertida de que se poderia recusar a depor relativamente a esses mesmos factos, conforme resulta da al. b) do n.º1 e do n.º2 do art. 134.º, aplicável ex vi art. 145.º, n.º3, todos do CPP.

  8. Como é bom de ver, não se realizou essa advertência e não se olvide que essas declarações da Assistente foram cruciais na condenação do ora Recorrente.

  9. Esta omissão consubstancia uma proibição de prova resultante da intromissão na vida privada sem o consentimento do titular (art. 126.º, n.º3 do CPP), aproximando-se igualmente da perturbação da liberdade de vontade da Assistente pela utilização de meios enganosos, absolutamente proibida pelos n.ºs 1 e n.º2, al. a) do art. 126.º do CPP.

  10. Reporta-se à intromissão da vida privada, porquanto a norma do art. 134.º do CPP tem subjacente a protecção de um direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar. Mas, P. Não menos acertado será falar-se em perturbação da liberdade de vontade e de decisão através da utilização de meios enganosos, já que a entidade competente para receber o depoimento ao não ter realizado a advertência a que estava legalmente obrigada, não informando e não esclarecendo, provocou activamente o erro e inquinou a liberdade do depoimento.

  11. De facto, a Assistente – como qualquer outra testemunha – viu-se compelida a depor, desde logo, porque não sabia que o podia recusar: numa palavra e em bom rigor, existiu engano. Com efeito, R. Em caso algum se silenciaria a Assistente com esta advertência.

  12. A Assistente poderia exercer esse direito e nada dizer a favor ou desfavor do arguido, recusando-se, sem mais, a depor ou, T. Pelo contrário, poderia renunciar a esse direito, prestar declarações – e até nos precisos termos em que o fez – mas sempre com uma condição: depois de devidamente informada do sentido e do alcance do direito que lhe assistia, pois só conhecendo o direito poderia a ele renunciar.

  13. Configurando-se a mera hipótese de a Assistente se recusar a depor, seria absolutamente proibida a leitura do depoimento anteriormente prestado, por força do n.º6 do art. 356.º do CPP.

    1. Mais, não poderia ser valorado o depoimento indirecto daqueles que relataram o que ouviram dizer à Assistente, na medida em que consubstanciaria um mecanismo hábil de contornar a lei e tornaria inútil a prerrogativa concedida no art. 134.º, n.º1 do CPP.

      Respondeu desta forma o Ministério Público: I. Nos presentes autos o arguido AA foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. nos termos do art. 152.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, do Código Penal (C.P.), na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, e pela prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. nos termos dos artigos 22.º, 23.º, n.ºs 1 e 2, 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, al. b) e j) do C.P., na pena de 8 anos de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 9 anos de prisão. Tal decisão condenatória foi integralmente confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26/09/2016 e bem assim por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9/03/2017.

    2. Vem agora o arguido AA suscitar recurso extraordinário de revisão, por em seu entender que terem sido descobertos “novos factos/meios de prova que combinados com os demais apreciados nos autos suscitam graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação” (cfr. fls. 7), tendo ademais servido “de fundamento à condenação provas proibidas, nos termos dos n.ºs 1 a 3 do art. 126.º do CPP” (cfr. fls. 7).

      Pretende o arguido ancorar o por si peticionado nas alíneas d) e e) do art. 449.º, n.º 1, al. e) do Código de Processo Penal (C.P.P.), ainda que, diga-se desde já, sem qualquer fundamento.

    3. Tendo sido determinada a inquirição da testemunha indicada pelo arguido (cfr. fls. 45), do teor do seu depoimento de forma alguma se poderá extrair o efeito pelo mesmo pretendido.

      Na realidade, face ao lapso de tempo decorrido e ao modo como foi prestado – com manifestos lapsos de memória quanto ao que fez na manhã do dia dos factos, quando estes ocorreram e apesar de ter tido conhecimento dos mesmos no próprio dia, mas recordando-se já com rigor ter visto a assistente no dia a seguir aos mesmos… –, nenhuma credibilidade merece tal depoimento, de forma alguma abalando o teor das declarações prestadas pela assistente, o concatenar de tais declarações com a demais prova produzida nos autos e que de forma límpida resulta do acórdão, em particular com o depoimento da testemunha Inspector BB e o relatório do exame pericial no próprio dia dos factos e também no dia 6 de Outubro (sendo de se sublinhar, como o fez a testemunha, que não apenas o lençol já lá estava no dia dos factos como a precisa localização do escadote no próprio dia dos factos apenas se compreendida para a sua utilização para aceder à barra do portão da garagem e puxando o corpo da assistente, após o ter morto).

    4. Pretende ainda divisar o recorrente o fundar do acórdão em provas proibidas por a assistente, que à data dos factos ainda era sua esposa, não ter sido advertida nos termos do art. 134.º, n.º 1, al. b) do C.P.P..

      Sucede porém que, não obstante tal advertência legal não tenha efectivamente sido realizada – e cuja obrigatoriedade até é discutível (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, UCP, 1.ª edição, pág. 409) –, o certo é que a sua omissão jamais configuraria uma proibição de prova para efeitos do disposto no art. 126.º, n.º 3 do C.P.P..

      Com efeito, a omissão da advertência a que...

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