Acórdão nº 4057/10.8TXLSB-K.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Julho de 2018

Magistrado ResponsávelVINÍCIO RIBEIRO
Data da Resolução24 de Julho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I. RELATÓRIO

  1. Pedido «AA, detido no E.P. de ..., à ordem do processo supra, vem aos mesmos nos termos do disposto do art.º 31º, C.R.P. e art.º 222º nº 2 al. c) do CPP, intentar providência de HABEAS CORPUS EM VIRTUDE DE PRISÃO ILEGAL.

    Excelentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça O requerente, por entender que se encontra preso ilegalmente, por ter ultrapassado o prazo fixado por lei, vem intentar a presente providência de habeas corpus, ao abrigo e para os efeitos do disposto no art.º 222º nº 2 al. c) do CPP, nos termos e com os fundamentos seguintes: Dos fundamentos da Admissibilidade 1º ‐ A providência de habeas corpus constitui um incidente que se destina a assegurar o direito à liberdade constitucionalmente garantido – art.º 27.º n.º 1 e 31.º n.º 1, da CRP –, e visa pôr termo a situações de prisão ilegal, motivada, entre outros, por ser mantida para além dos prazos fixados na lei ou por decisão judicial – art.º 222.º, n.º 1 e 2, al. c) do CPP.

    Ou seja, 2º ‐ A providência de habeas corpus tem como pressuposto de facto a prisão efectiva e actual e como fundamento de direito a sua ilegalidade.

    Ora, 3º ‐ Como adiante se tentará demonstrar, o Arguido encontra-se ilegalmente preso, porquanto a sua prisão mantém‐se para além dos prazos fixados por lei (art.º 222.º n.º 2 al. c) do CPP).

    1. ‐ De acordo como disposto no art. 61º, 4 do C. Penal “ (…) o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena”.

    2. ‐ Como se decidiu no Acórdão do STJ, de 06‐01‐2005 (Acórdãos do STJ, XIII, 1, 162), “a liberdade condicional prevista no n.º 5 (actual n.º 4) do art. 61º do Código Penal (nas penas superiores a 6 anos de prisão em que já tenham sido cumpridos 5/6 da pena) é obrigatória, no sentido de que se constitui pelo mero decurso do tempo. A única condicionante é a prévia aceitação do condenado, atenta a dignidade da pessoa humana”.

    3. ‐ In casu o arguido foi condenado na pena única de 14 anos de prisão.

    4. ‐ Iniciou o cumprimento da pena a 17/7/2001; 8º ‐ Saiu em liberdade condicional, antes de atingir os 5/6, ou seja a 14/12/2010; 9º ‐ Pelo que lhe restava para cumprir 4 anos, 7 meses e 13 dias, LC que duraria entre 14/12/2010 e 27/7/15.

    5. ‐ Atenta a condenação do arguido no Proc. Nº 53/13.1 GB VRE, por factos praticados no decurso do período de LC, foi a mesma revogada.

    6. ‐ Tendo sido determinado que tinha a cumprir 4 anos, 7 meses e 13 dias.

    7. ‐ Cujo cumprimento reiniciou a 13/5/16, ininterruptamente até a presente data (11/7/18).

    8. ‐ Assim da pena em que foi condenado, 14 anos, o arguido já cumpriu, até à presente data, 11 anos, 6 meses e 9 dias.

    9. ‐ Motivo pelo qual já ultrapassou os 5/6 da pena em que foi inicialmente condenado.

    10. ‐ Sendo certo que o regime obrigatório ou “ope legis” da concessão da liberdade condicional, previsto no art.º 61º, n.º 4 do C. Penal, é aplicável aos casos, como o presente, em que tenha havido revogação de liberdade condicional anteriormente concedida.

    11. ‐ Assim, no caso dos autos, relativamente à pena inicial (de 14 anos prisão), cuja liberdade condicional (antes concedida) foi revogada, deverá ser concedida nova liberdade condicional logo que atingidos os 5/6 dessa pena, pois para que tal ocorra basta apenas o decurso do tempo e a concordância do condenado.

    12. ‐ Foi este o entendimento seguido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25‐06‐2008, processo 08P2184, nos seguintes termos: “ (…) Mas a redacção do mencionado n.º 3 do art. 64.º não permite afastar a aplicabilidade de qualquer das modalidades de liberdade condicional do art. 61.º, para que expressamente remete”.

    13. ‐ Dispõe o art.º 61.º, n.º 4 do C. Penal que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a 6 anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena».

      19ª ‐ E se se compreende a consideração do remanescente, a cumprir em função da revogação da liberdade condicional, como pena autónoma para efeitos do n.º 3 do art. 64.º, o certo é que esse remanescente constitui o resto “da pena de prisão ainda não cumprida”, como se lhe refere o n.º 2 do art. 64.º 20º ‐ E, face ao acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2006, de 23/11/2005, DR IS‐A de 04‐01‐2006, não se pode argumentar em contrário com a descontinuidade entre o cumprimento inicial da pena e o posterior cumprimento do remanescente.

    14. ‐ Com efeito, decidiu‐se nesse aresto com valor reforçado que «nos termos dos números 5 do artigo 61.º e 3 do artigo 62.º do Código Penal, é obrigatória a libertação condicional do condenado logo que este, nela consentindo, cumpra cinco sextos de pena de prisão superior a seis anos ou de soma de penas sucessivas que exceda seis anos de prisão, mesmo que no decurso do cumprimento se tenha ausentado ilegitimamente do estabelecimento prisional.» 22º‐ Ora se a descontinuidade do cumprimento da pena superior a 6 anos motivada pela ausência ilegítima não obsta à concessão da liberdade condicional aos 5/6 da pena, por maioria de razão, também a descontinuidade motivada pela “ausência legítima” que constitui a liberdade condicional posteriormente revogada não deverá obstar.

    15. ‐ Entendimento também seguido no acórdão da Relação do Porto de 22‐02‐2006, proferido no processo 0640101, mostrando que a redacção do preceito em causa (n.º 3 do art. 64º) não pode ter o sentido de afastar a liberdade condicional “ope legis”, quanto tenha havido revogação da liberdade condicional: “ (…) É certo que a redacção do texto definitivo do preceito não é, nas palavras, rigorosamente coincidente com o Projecto.

      Neste, dizia‐se que “relativamente à prisão que venha a executar‐se, é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 61.º”; o texto definitivo diz que “relativamente à pena de prisão que vier a executar‐se pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61.º”.

    16. ‐ Mas não cremos que a diferença de redacção consinta a interpretação de que, no caso de revogação de liberdade condicional, só pode haver liberdade condicional “facultativa”, nos termos dos n.º 3 e 4 do artigo 61º, ficando excluída a liberdade condicional “obrigatória”.

    17. ‐ É que o legislador já tinha optado no sentido da obrigatoriedade da liberdade condicional aos cinco sextos da pena de prisão superior a seis anos mesmo para os condenados que tivessem interrompido o cumprimento da pena, por terem beneficiado de liberdade condicional “facultativa”, voltando à prisão para cumprir o remanescente em consequência da revogação dessa liberdade condicional.

    18. ‐ Tendo conferido uma redacção ao n.º 5 do artigo 61.º que não deixasse subsistir dúvidas interpretativas.

    19. ‐ Por isso, o que restava dizer, no n.º 3 do artigo 64.º, era que a revogação da liberdade condicional não constitui causa impeditiva de nova liberdade condicional “facultativa”, durante o cumprimento do remanescente da pena, se verificados os pressupostos de que ela depende.

    20. ‐ “A pena a executar‐se no caso de revogação de liberdade condicional não é uma nova pena, mas o que ficou por cumprir de uma pena, uma parte de uma pena. (…)”.

    21. ‐ Tendo o arguido já cumprido, até á presente data, 11 anos, 6 meses e 9 dias, foram ultrapassados os 5/6 da pena (prazo de duração máxima tal como supra referido).

    22. ‐ O presente procedimento é o único que poderá obstar, de forma célere, eficaz e cabal, a manifesta ilegalidade da prisão do Arguido.

      Nestes termos e nos mais de Direito, deve a presente providência de habeas corpus proceder, sendo declarada a ilegalidade da prisão e, consequentemente, declarada extinta pelo cumprimento a pena de 14 anos de prisão na qual o arguido foi condenado, só não devendo ser libertado por ainda não ter sido apreciada a LC, no âmbito da pena em que foi condenado no Proc. nº 53/13.1 GB VRE do qual havia sido designado o meio da pena, para cumprir a presente.» b) Informação Pela Mma Juíza do Tribunal de Execução de Penas de Évora foi prestada, em 12/7/2018, a informação prevista no n.º 1 do art. 223.º do CPP do seguinte teor: «Ex.mº Senhor Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça: Ao abrigo do preceituado no artº 223º do Código de Processo Penal, a informo V.ª Ex.ª o seguinte:

  2. AA, actualmente em reclusão no Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz, foi condenado no processo n.º 76/00.0GDEVR do Juízo Central Cível e Criminal de Évora – Juiz 3 na pena única de prisão de 14 anos pela prática de um crime de posse de arma, dois crimes de sequestro e três crimes de roubo.

  3. Iniciou o cumprimento desta pena em 03/08/2001 (com sete dias de anterior privação da liberdade que foram descontados), fixando-se o meio da pena em 27/07/2008, os 2/3 em 27/11/2010, os 5/6 em 27/03/2013 e o termo em 27/07/2015.

  4. Quando se encontrava na execução da dita pena de 14 anos de prisão, viu ser-lhe concedida a liberdade condicional até 27/05/2015, tendo sido libertado em 14/12/2010.

  5. Por acórdão transitado em julgado em 11/05/2015, proferido no processo n.º 53/13.1GBVRL do Juízo Central Criminal de Vila Real – Juiz 3, foi AA condenado na pena única de prisão de 05 anos, pela prática, como reincidente e em Julho, Agosto e Novembro de 2013, ou seja, no decurso da liberdade condicional, de quatro crimes de burla qualificada, um crime de burla qualificada na forma tentada, dois crimes de resistência e coacção sobre funcionário, um crime de detenção de arma proibida e um crime de falsificação de documento.

  6. Instaurado o competente incidente de incumprimento da liberdade condicional, no âmbito do mesmo foi proferida decisão de revogação da liberdade condicional.

  7. Intentado recurso junto do Tribunal da Relação de Évora, foi a referida decisão confirmada por acórdão transitado em julgado em 14/07/2016.

  8. Nessa sequência, veio o recluso requerer a realização do cômputo das penas (mais precisamente do remanescente da pena de prisão inicial aplicada do processo n.º 76/00 por revogação da liberdade...

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