Acórdão nº 533/16.7PBSTR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Abril de 2018 (caso . .)

Magistrado ResponsávelHELENA MONIZ
Data da Resolução19 de Abril de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório 1.

No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (Juízo Central Criminal, Juiz 2), a arguida AA foi condenada, em concurso real, pela prática: - de um crime de homicídio qualificado, nos termos dos arts. 131.º e 132.º, n.º 2, alíneas a) e c), ambos do Código Penal (CP), na pena de 19 (dezanove) anos de prisão, e - de um crime de profanação de cadáver, nos termos do art. 254.º, n.º 1, alínea a), do CP, na pena de 1 (um) ano de prisão, - e, em cúmulo jurídico da penas parcelares aplicadas, na pena única de 19 (dezanove) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Foi ainda decidido: “Determinar, após trânsito em julgado, a recolha ao arguida AA do perfil de ADN (ácido desoxirribonucleico) para fins de investigação, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 1.°, n.ºs 1 e 2, 8.°, n.° 2, e 18.°, n.° 3, da Lei n.° 5/2008, de 12 de Fevereiro)”.

  1. Inconformada co a decisão recorrida, a arguida interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão de 24.10.2017, decidiu “negar provimento ao recurso interposto pela arguida e, consequentemente, em confirmar na íntegra o acórdão recorrido” (cf. fls. 774 e ss, em particular, fls. 824).

  2. Inconformada, a arguida recorreu desta última decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto nos arts. 399.º, 400.º a contrario, 401.º, n.º 1, al. b), 406.º, n.º 1, 407.º, n.º 2, al. a), 408.º, n.º 1, al. a), 410.º, n.º 2, als. a) e C), e 432.º, n.º 1, al. b), todos do Código de Processo Penal (CPP), tendo apresentado as seguintes conclusões: «1.ª Entende-se que a Arguida não praticou os factos pelos quais vinha acusada, que não foi feita prova de que a arguida praticou os referidos factos, e como tal, pelo menos por aplicação do princípio “in dúbio pro reo” deverá a arguida ser absolvida do crime pelo qual foi condenada.

    1. Ora, com o devido respeito nunca poderia o Tribunal condenar a arguida pelo crime de homicídio qualificado, nos termos das disposições dos artigos 131.º e 132.º, n.º 2 alínea a) e c), do Código Penal, pelo que ao ter condenado a arguida, o douto acórdão recorrido, violou estas disposições legais.

    2. Todos os factos que são relatados e mesmo que fossem provados, levariam sempre a qualificação jurídica diversa, nomeadamente, um crime de infanticídio previsto e punido pelo art. 136.º do Código Penal, 4.ª ou caso assim, não se entenda o que apenas se admite por mero dever de patrocínio, para um crime de homicídio por negligência, nos termos do artigo 137.º do Código Penal, 5.ª ou caso assim não se entenda o que, sem conceder, se admite por mera hipótese académica, para um crime de homicídio simples p.p. pelo art. 131.º do Código Penal.

    3. A terem ocorrido os factos, percebe-se perfeitamente que não existe dolo de homicídio, pois não se demonstra que a arguida alguma vez tivesse posto a hipótese de com a sua conduta preencher este tipo de crime e que se tenha conformado com aquela realização.

    4. Pelo que, não pode o Tribunal deixar de ter em conta, com base nas regras da lógica e da experiência comum, como pode ser dolorosa física e psicologicamente a vivência de um parto, em especial de um bebé de termo, vivido sem ajuda ou apoio médico, como no caso em apreço – art. 410.º n.º 2 al. a) e c) do Código Processo Penal.

    5. A arguida não conseguiu em sede de audiência de julgamento, verbalizar a experiência vivenciada no momento do parto, não se recordando, tão pouco, como procedeu ao corte do cordão umbilical – tal o estado psicológico da arguida durante e logo após o parto (completamente perturbada, que nem se recorda de momentos tão marcantes, como o corte do cordão umbilical do filho recém-nascido) - Cfr. Registo áudio das declarações prestadas pela arguida, com a identificação 20170314145153_2698233_2871702, Passagem 8:29 a 8:52 e passagem 13:55 a 14:55.

    6. O que nos leva a afirmar que a arguida terá cometido um crime de infanticídio, previsto e punido pelo art. 136.º do Código Penal – ilícito cometido durante ou logo após o parto e estando a mãe ainda sob a sua influência perturbadora.

    7. Pelo que o douto Tribunal, devia ter condenado a arguida de acordo com este tipo de ilícito - crime de infanticídio, previsto e punido pelo art. 136.º do Código Penal.

    8. Por outro lado, sempre se dirá que, a arguida, não representou como possível a morte do recém-nascido, atendendo que para a arguida, o bebé nasceu sem vida, conforme as suas declarações, em que afirmou que o recém-nascido não tinha chorado após o parto, nem teve qualquer reacção - Cfr. Registo áudio das declarações prestadas pela arguida, com a identificação 20170314145153_2698233_2871702, Passagem 9:28 a 9:50.

    9. Pelo que a arguida, estava em erro sobre um estado de coisas que, a existir, excluiria a ilicitude do facto ou a culpa do agente (o bebé ter nascido sem vida), conforme o disposto no art. 16.º do Código Penal, já que para a arguida, o bebé nasceu sem vida, logo ao deixá-lo “num arvoredo” não implicava a sua morte – a arguida não agiu com dolo de homicídio.

    10. Verifica-se que a arguida se encontrava em erro, se se aceitar que o bebé nasceu com vida, e que a arguida convencida que o mesmo estava morto o deixou num arvoredo, de todo, não existe dolo de homicídio, está-se, perante um facto praticado por negligência, sem consciência da prática de um crime, já que a arguida não chegou sequer a equacionar a possibilidade, de que com esta sua conduta, vir a causar a morte ao recém-nascido, seu filho.

    11. Caso assim, não se entenda, o que apenas, sem conceder, se admite por hipótese académica e dever de patrocínio: se se entendesse que existira dolo de homicídio, o que se repudia veementemente, nunca deverá ser aplicado a sua vertente qualificativa, vejamos 15.ª A qualificação de homicídio no Código Penal é efectuada através da combinação de uma cláusula genérica de agravação, prevista no n.º 1 do art. 132.º - a especial censurabilidade ou perversidade do agente, ou seja, um especial tipo de culpa – com a técnica dos exemplos-padrão ou exemplos típicos, enunciados no n.º 2 do mesmo artigo.

    12. Os exemplos-padrão indiciam e explicitam o sentido da cláusula geral pelo que a verificação de um exemplo-padrão não significa, necessariamente, a realização daquele especial tipo de culpa e consequente qualificação do homicídio.

    13. A qualificação do homicídio baseia-se num especial tipo de culpa, espelhado na especial censurabilidade ou perversidade do agente e prende-se com a atitude do agente relativamente a formas de cometimento do facto especialmente desvalioso.

    14. No n.º 2 do art. 132.º do Código Penal indicam-se circunstâncias susceptíveis de revelar especial censurabilidade ou perversidade, ou seja, elementos indiciadores da ocorrência de culpa relevante, cuja verificação, atenta a sua natureza indiciária, não implica, obviamente, a qualificação automática do homicídio.

    15. Com o devido respeito, que é muito, o circunstancialismo em que os factos ocorreram não permite concluir pela especial censurabilidade, prevista no art. 132.º, n.º 1 do Código Penal, sendo certo que a arguida não vem condenada pelo n.º 1 do art. 132.º do Código Penal.

    16. Assim, nos presentes autos, não existe matéria factual que possa comprovar a existência dessa especial censurabilidade ou perversidade na conduta da arguida, para além da (caso se entenda existir dolo homicídio) ”normal” existente para a prática de homicídio.

    17. Caso se entenda existir dolo de homicídio, falta aquele “plus” que revelará a especial censurabilidade ou perversidade do agente.

    18. No caso em apreço, o douto Acórdão recorrido, condena a arguida com base única e exclusivamente, nas qualificativas, de acordo com o disposto nas alíneas a) e c) do n.º 2 do art. 132.º do Código Penal, 23.ª Sendo certo que, preenchidos os exemplos-padrão das al. a) e c) do n.º 2 do art. 132.º do Código Penal, ou seja, por ter vencido as contra motivações éticas que radicam dos laços de parentesco próximo (revelando uma maior energia criminosa),e face à conhecida impossibilidade de defesa em razão da idade, indiciam uma especial censurabilidade ou perversidade estas terão, em todo o caso, de se revelarem também através das qualidades desvaliosas da personalidade do agente, manifestadas no ato (cfr. Prof. Figueiredo Dias , ob. Cit., 30), o que não se verifica no caso e não sendo tal qualificativa de verificação automática só pelo simples facto de ser seu filho recém-nascido, não andou bem o douto Tribunal da Relação, com o devido respeito que é muito, em qualificar o crime de homicídio, com base única e exclusivamente no preenchimento dos exemplos padrão do art. 132. n.º 2 do Código Penal, atendendo que nada na conduta e personalidade da arguida permite concluir pela especial censurabilidade ou perversidade no cometimento do crime e a mesma não foi condenada com base no disposto no n.º1 do art. 132.º do Código Penal.

      24.º Além de que, e neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/03/2010, in www.dgsi.pt, que remete para o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Fevereiro de 2009, também disponível em www.dgsi.pt e que se dispensa de transcrever por estar supra, na motivação, evitando-se a sua repetição, para o qual se remete, por se entender ter aplicação no caso sub judice (caso se entenda, sem conceder, que a arguida teve dolo de homicídio).

    19. Pelo que mesmo que assim se entendesse, existir o dolo de homicídio, o que se repudia, deveria ser a arguida, aqui recorrente, condenada por homicídio, mas na sua forma simples, previsto e punido pelo art. 131.º do Código Penal, do qual vinha acusada.

    20. Relativamente à fixação em concreto da medida da pena, a culpa e a prevenção geral e especial, são os dois factores a considerar.

    21. O momento da aplicação da pena é aquele em que, no direito penal, se deve ter em vista a protecção subsidiária preventiva, quer geral quer individual, de bens jurídicos e de prestações estatais, ou seja, fim de prevenção geral, não no sentido de intimidação...

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