Acórdão nº 284/10.6PDVFX.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Junho de 2018 (caso . .)

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução06 de Junho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório AA, com os sinais dos autos, foi condenado no Juízo Central Criminal de Loures, da Comarca de Lisboa Norte, por acórdão de 20.9.2017, em audiência realizada para os efeitos do art. 471º do Código de Processo Penal (CPP), nos seguintes termos: - Em cúmulo das penas impostas nos procs. nºs 284/10.6PDVFX (presentes autos), 266/11.0PAVFX, 82/11.0PDVFX e 25/11.0PDVFX, na pena única de 5 anos e 4 meses de prisão e 140 dias de multa à razão diária de 5 €; - Em cúmulo das penas impostas nos procs. nºs 300/12.7PAVFX e 45/14.3 SULSB, na pena única de 6 anos e 3 meses de prisão.

Estas penas são de cumprimento sucessivo.

Desse acórdão interpôs recurso o arguido, que alega: I - Objecto do recurso O Recorrente AA vem condenado no Douto Acórdão em Cúmulo Jurídico nas penas de 5 anos e 4 meses de prisão aplicada em primeiro cúmulo e 6 anos e 3 meses de prisão em segundo cúmulo.

O presente recurso tem como objecto a matéria do Acórdão condenatório proferido nos presentes autos.

II - Da impugnação da Decisão Segundo a jurisprudência e a doutrina dominantes o cúmulo jurídico deve ser entendido como um instrumento através do qual se visa precisamente atingir, no caso de concurso de crimes, uma punição mais justa do que a decorrência da simples soma aritmética das penas parcelares a que um arguido foi condenado.

O cúmulo jurídico de penas decorrente de conhecimento superveniente do concurso, regulado nos artigos 77º e 78º, do Código Penal, pressupõe, por um lado, que alguém tenha praticado dois ou mais crimes antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles e, por outro lado, que essa situação só seja conhecida depois do trânsito em julgado da condenação por qualquer um desses crimes.

Como refere Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 279 e seguintes, só o sistema da pena única ou pena do concurso respeita o princípio da culpa e responde satisfatoriamente às finalidades especial-preventivas de aplicação das penas.

Com efeito, a mera adição mecânica das penas faz aumentar injustamente a sua gravidade proporcional e abre a possibilidade de ser deste modo ultrapassado o limite da culpa, posto que sendo a culpa reportada a cada facto, aferida por várias vezes, ganha um inegável efeito multiplicador.

Uma execução fraccionada, por mais que possa ser compensada por uma tendencial unidade de tratamento, colide inexoravelmente com qualquer tentativa séria de socialização.

Assumindo entre nós a pena única ou pena do concurso a configuração de uma pena conjunta, cuja medida, de acordo com a lei (parte final do n.º 1 do artigo 77º do Código Penal), é encontrada através da avaliação, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente, há que concluir que o legislador pretende seja o condenado punido pelo conjunto dos factos praticados, ou seja, pelo ilícito global perpetrado, analisado à luz da sua personalidade.

Como refere Lobo Moutinho, Da unidade à pluralidade dos crimes no Direito Penal Português, 1263 e seguintes, não é a personalidade do agente, em si e por si, ou na sua plenitude, que é materialmente co-fundamento da punição, mas tão-somente a personalidade do arguido considerada naquele momento singular e limitado da respectiva dinâmica que foi precisamente o facto criminoso; não o que o agente, de uma forma geral, “é ou tem sido”, mas o que o agente “foi” naquele facto e naquele momento. Não a personalidade no seu todo, mas só a personalidade manifestada no(s) facto(s), tendo em vista a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, Cf. Figueiredo Dias, ibidem, 291..

As regras de punição do concurso, estabelecidas nos artigos 77.º e 78.º do Código Penal têm como finalidade permitir avaliar em conjunto todos os factos que, num dado momento poderiam ter sido apreciados e avaliados, em conjunto, se fossem conhecidos ou tivesse existido contemporaneidade processual.

A medida da pena a atribuir em sede de cúmulo jurídico tem uma especificidade própria.

Como refere Figueiredo Dias, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72º, n.º1 (actual 71º.º, n.º1), um critério especial: o do artigo 77º, nº 1, 2ª parte. Explicita este Professor que, na busca da pena do concurso, “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”.

E acrescenta que “de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização.”, Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, págs. 290 a 292.

Por outro lado, ao efectuar-se o Cúmulo Jurídico é necessário ter em consideração para além dos factos a personalidade do agente, conforme estabelecido no Art. 77° n° 1 do Código Penal; O Arguido sabe que tem de pagar a sua dívida para com a sociedade pelos crimes que praticou mas acredita no futuro e é sua vontade reestruturar a sua vida pessoal e familiar de forma a integrar-se plenamente na sociedade; O Recorrente tem uma família que está disponível para lhe prestar todo o apoio possível na reorganização e reinício da sua vida, incluindo uma companheira que o tem acompanhado no percurso prisional.

O Recorrente é jovem, pelo que a sua plena reintegração social com a consequente recuperação para a sociedade ainda é possível.

Para que a reintegração e reabilitação social do Recorrente venha a ser uma realidade não basta apenas que aquele seja punido pelos crimes que cometeu mas também que se tenha em consideração a pessoa singular o seu arrependimento e comportamento actual, sendo imperativo que lhe seja dada outra oportunidade de recomeçar; Uma pena de 5 anos e 4 meses de prisão aplicada em primeiro cúmulo e 6 anos e 3 meses em segundo cúmulo são penas demasiado gravosas e longas para que no fim do cumprimento das mesmas ainda seja possível alcançar a almejada reintegração e reabilitação social do Arguido.

Pelo que, existiu, por parte do Tribunal “a quo”, uma inadequada ponderação de todas as circunstâncias pessoais e de facto, quer passadas quer actuais, do Arguido, conforme estabelecido no Art.º 77° n° 1 do Código Penal.

Nos termos da parte final do n.º 1 do art. 40.º do C.P., o fim último das penas a reintegração do agente na sociedade é inegável que a aplicação ao Recorrente de penas cumuladas tão gravosa como as que lhe foram impostas pelo tribunal a quo só poderá ter como consequência o desabonar de todo o trabalho e empenho que, no Estabelecimento Prisional onde se encontra preso, o mesmo tem demonstrado no sentido de se melhorar e convenientemente se preparar para o regresso à liberdade.

Ao decidir como decidiu, o Douto Acórdão recorrido violou as disposições previstas nos artigos 77.º e 40º do Código Penal.

Pelo que, deverão V. Ex.as determinar a redução das penas únicas aplicadas ao Recorrente em cúmulo jurídico.

E por todo o exposto deverão V. Exas conceder provimento ao presente recurso sendo, por efeito do mesmo, substituído o Douto Acórdão recorrido por um outro nos termos da antecedente motivação.

III - CONCLUSÕES

  1. O Recorrente AA vem condenado por Douto Acórdão numa pena de 5 anos e 4 meses de prisão aplicada em primeiro cúmulo e 6 anos e 3 meses em segundo cúmulo.

  2. O Arguido sabe que tem de pagar a sua dívida para com a sociedade pelos crimes que praticou mas acredita no futuro e é sua vontade reestruturar a sua vida pessoal e familiar de forma a integrar-se plenamente na sociedade; c) O Recorrente é jovem, pelo que a sua plena reintegração social com a consequente recuperação para a sociedade ainda é possível.

  3. Para que a reintegração e reabilitação social do Recorrente venha a ser uma realidade não basta apenas que aquele seja punido pelos crimes que cometeu mas também que se tenha em consideração a pessoa singular o seu arrependimento e comportamento actual, sendo imperativo que lhe seja dada outra oportunidade de recomeçar; e) Uma pena de 5 anos e 4 meses de prisão aplicada em primeiro cúmulo e 6 anos e 3 meses em segundo cúmulo são penas demasiado gravosas e longas para que no fim do cumprimento das mesmas ainda seja possível alcançar a almejada reintegração e reabilitação social do Arguido.

  4. Pelo que, existiu, também, por parte do Tribunal “a quo” uma inadequada ponderação de todas as circunstâncias pessoais e de facto, quer passadas quer actuais, do Arguido, conforme estabelecido no artigo 77° n° 1 do Código Penal.

  5. Nos termos da parte final do n.º 1 do artigo 40.º do Código Penal, o fim último das penas a reintegração do agente na sociedade, ora é inegável que a aplicação ao Recorrente duas penas cumuladas tão gravosas como as que lhe foram impostas pelo Tribunal a quo só poderá ter como consequência o desabonar para o regresso à liberdade.

    Respondeu o Ministério Público, dizendo: (…) Da leitura da motivação apresentada pelo Recorrente e respectivas Conclusões (que, como é sobejamente sabido, delimitam o objecto do recurso), resulta que o mesmo se insurge apenas e tão só quanto às medidas concretas de cada uma das duas penas únicas de prisão que lhe foram aplicadas, por, em síntese, as considerar exageradas face às circunstâncias pessoais e de facto, quer...

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