Acórdão nº 2511/10.0TBPTM.E2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelALEXANDRE REIS
Data da Resolução25 de Outubro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA e BB intentaram esta acção contra CC, pedindo a condenação deste a: - a construir ou reconstruir a suas expensas no estado de novo o seu prédio, composto de rés do chão e primeiro andar, de acordo com projecto a definir e a aprovar pelas entidades competentes, de forma a que o mesmo passe a encontrar-se dotado de todos os requisitos legais e regulamentares vigentes para um prédio habitacional; - desocupar uma sua faixa de terreno, com cerca de 4,40 m2, ou indemnizá‑los por tal ocupação; - pagar-lhes o valor das rendas vencidas e as que se vencerem no tempo em que não puderem usufruir na plenitude do seu prédio; - pagar-lhes o valor de € 25.000, a título de danos não patrimoniais causados pela ocupação abusiva da parcela de terreno bem como pela não utilização do prédio sua propriedade e pela tristeza e mágoa que o seu estado de derrocada causou aos AA.

Para tanto, os AA alegaram, muito em síntese: o R procedeu a obras de demolição do seu prédio, confinante com o dos AA, com vista à sua remodelação e ampliação, em cujo decurso, em 8-07-2008, o edifício dos AA ruiu parcialmente, ficando inabitável e, actualmente, em decomposição; apesar da derrocada, o R prosseguiu a sua nova construção, implantando-a em parte do terreno dos AA; à data da derrocada, o seu prédio encontrava-se arrendado, deixando os AA de usufruir a renda mensal de € 1.100; em consequência da derrocada, os AA sofreram tristeza, angústia e grande incómodo.

O R contestou, alegando que o prédio dos AA ruiu por razões não apuradas, mas o mesmo, à data, já apresentava deficientes condições de habitabilidade por má conservação e a sua cobertura tinha uma sobrecarga incompatível com as paredes de apoio, que são de taipa, o que culminou com a derrocada. O R também impugnou a existência de qualquer arrendamento e os valores de renda alegados pelos AA, por não serem compatíveis com as características do imóvel, e sustentou que é possível a reconstituição natural do prédio dos AA e que não tem fundamento a pretensão destes à reparação dos danos não patrimoniais, uma vez que só adquiriram o imóvel por doação em Fevereiro de 2010, já no estado em que actualmente se encontra.

Depois de diversas incidências, foi proferida sentença condenando o R a: a) - pagar aos AA o montante a apurar em liquidação correspondente a 75% do valor de reconstrução ou construção de um prédio novo no lugar do prédio dos AA (…), para que o mesmo passe a encontrar-se dotado de todos os requisitos legais e regulamentares vigentes para um prédio habitacional e com as características espaciais da antiga; b) - pagar aos AA o montante igualmente a apurar em liquidação relativo ao valor das rendas vencidas e das que se vierem a vencer até ao integral e efectivo cumprimento deste pedido, no tempo em que os AA não puderem usufruir na plenitude do seu prédio, ao qual deverão ser acrescidos juros de mora taxa legal desde a data da citação até ao integral e efetivo pagamento; c) - remover todas as saliências que aquando da construção da casa do R. foram deixadas a entrar para o espaço do prédio dos AA.

A Relação, julgando parcialmente procedente a apelação interposta pelo R, condenou este a: a) proceder à reconstrução a suas expensas do prédio dos AA, composto de rés-do-chão e primeiro andar, de acordo com projecto equivalente ao que se encontrava edificado, a aprovar pelas entidades competentes (…), de forma a que o mesmo passe a encontrar-se dotado de todos os requisitos legais e regulamentares vigentes para um prédio habitacional; b) pagar aos AA o montante a apurar em liquidação relativo ao valor locativo mensal do imóvel, no tempo em que estes não puderem usufruir na plenitude do seu prédio, ao qual deverão ser acrescidos juros de mora à taxa legal desde a data da citação até ao integral e efetivo pagamento, e que não pode exceder o valor mensal peticionado de € 1.100.

E no demais confirmou a sentença recorrida.

O R interpôs recurso de revista desse acórdão, cujo objecto delimitou com conclusões que colocam as seguintes questões: 1. As nulidades do acórdão.

  1. A responsabilidade do R.

  2. A indemnização devida aos AA por: (i) derrocada do seu prédio e (ii) privação do uso deste (valor locativo mensal).

    Nas suas contra-alegações os AA, para além de se pronunciarem sobre o arrazoado recursivo do R, suscitaram a questão da inadmissibilidade do recurso de revista, por força do disposto no art. 671º nº 3 do CPC, uma vez que o acórdão recorrido, segundo alegam, teria confirmado a decisão proferida na 1ª instância, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, e invocaram a “novidade” da questão, apenas colocada na revista, de a aquisição da propriedade do prédio por parte dos AA não ter sido acompanhada da cessão do crédito relativo ao valor locativo do imóvel.

    *Importa apreciar e decidir as enunciadas questões, para o que releva a factualidade que Relação considerou provada.

    *1.

    A admissibilidade do recurso.

    Como é entendimento uniforme da jurisprudência sobre as regras do processamento das impugnações das decisões, o âmbito do recurso, para além dos eventuais casos julgados formados nas instâncias, é confinado pelo objecto (pedido e causa de pedir) da acção, pela parte dispositiva da decisão impugnada desfavorável ao impugnante e pela restrição feita pelo próprio recorrente, quer no requerimento de interposição, quer nas conclusões da alegação (art. 635º do CPC). Portanto, é em face do objecto da acção, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação do recorrente que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver.

    Posto isto, importa considerar que o normativo do art. 671º nº 3 do CPC visa apenas impedir a rediscussão da matéria já dirimida pelas instâncias de modo coincidente: da interpretação racional-teleológica do preceito conclui-se que, pelo instituto da “dupla conforme” – a que «subjaz a ideia de que a concordância de duas instâncias é factor indiciador do acerto da decisão» ([1]) –, não é admissível revista do acórdão da Relação que tenha mantido (sem voto de vencido) a decisão da 1ª instância, se a fundamentação das duas decisões não for essencialmente diferente.

    O que pressupõe, para além da sobreponibilidade qualitativa e (pelo menos parcialmente) quantitativa do efeito útil das decisões, que as respectivas fundamentações não sejam essencialmente diversas, ou seja, que as instâncias não apliquem normas jurídicas e institutos jurídicos distintos na apreciação das questões essenciais, independentemente de divergências que se revelem relativamente a aspectos que se apresentem com natureza meramente complementar ou secundária ou que não redundem num decisivo enquadramento jurídico alternativo ([2]).

    Ora, como evidencia a simples leitura de ambas as decisões, enquanto na de 1ª instância o R foi condenado numa quantia pecuniária – correspondente a 75% do valor de reconstrução ou construção de um prédio novo – na da Relação o mesmo foi condenado a proceder à reconstrução do prédio propriedade dos AA.

    Mesmo que assim não fosse, a responsabilidade assacada ao R pela reparação dos danos directamente decorrentes da ruína do prédio dos AA foi fundamentada pela 1ª instância no instituto da responsabilidade civil extracontratual, prevista no art. 493º do CC, enquanto pela Relação o foi na norma alusiva aos efeitos de escavações em prédios vizinhos, contida no art. 1348º do CC.

    Assim, por não se verificar a dupla conformidade das decisões de ambas as instâncias, o recurso de revista é admissível 2.

    As nulidades do acórdão.

    Entende o recorrente que o Tribunal da Relação substituiu-se aos AA e considerou que os mesmos pretendiam uma indemnização por privação do uso do imóvel, equivalente ao seu valor locativo, alterando deste modo a causa de pedir subjacente ao pedido de pagamento de rendas por aqueles formulado, fundado num contrato de arrendamento cuja existência não lograram provar.

    Pese embora uma certa desarrumação que transcorre das respectivas conclusões, aparentemente, o recorrente sustenta com tal argumentação que o acórdão recorrido enfermaria das nulidades previstas no art. 615º nº 1 d) e e) do CPC e constituiria, ainda, uma decisão surpresa que, para além de ofender os princípios do dispositivo, do contraditório e da estabilidade da instância, não respeitaria o objecto do recurso, violando o nº 4 do art. 635º do mesmo código.

    Ora, contrariamente ao entendimento subjacente ao recurso, as causas de nulidade de sentença (ou de outra decisão), taxativamente enumeradas no citado art. 615º, visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável. A arguição de tal nulidade não procede quando fundada em divergências com o decidido, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei.

    Como tal, as nulidades consistentes no excesso de pronúncia e no desacato aos limites que conformam o pedido – quanto à quantidade ou ao objecto deste – ou, ainda neste caso, na desconsideração ao objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608º e 609º do CPC, só se verificam quando o tribunal se pronuncie sobre questões ou pretensões cuja apreciação lhe estava vedada por não lhe ter sido colocada.

    Mas a expressão «questões», que se prende, desde logo, com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir, de modo algum se pode confundir com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia. E o pedido, enquanto elemento identificador da ação, é entendido, na terminologia do art. 581º, nº 3, do CPC, como o efeito jurídico que se pretende obter com a ação, ao passo que a causa de pedir, de acordo com a teoria da...

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