Acórdão nº 99/17.0YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelJOSÉ RAÍNHO
Data da Resolução25 de Outubro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (Secção do Contencioso): I - RELATÓRIO AA, juiz de direito, recorre da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM) de 17 de Outubro de 2017 que, avocando o poder de decisão deferido em primeira linha ao respetivo conselho permanente, julgou improcedente a reclamação hierárquica (contra decisão de 4 de Janeiro de 2017 do Juiz Secretário do CSM) que o Recorrente deduzira (conjuntamente com outras duas juízas) com vista à “prolação de decisão ordenando o processamento e pagamento dos boletins itinerários e de ajudas de custo remetidos pelos juízes colocados na Secção de Comércio, agora Juízo de Comércio de Aveiro, transitoriamente deslocalizados em Anadia”.

O CSM respondeu, concluindo pela improcedência do recurso.

Foram produzidas alegações, onde Recorrente e CSM mantiveram os respetivos pontos de vista.

O Ministério Público, pela pessoa do Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

+ Da respetiva petição recursiva extrai o Recorrente as seguintes conclusões: 1ª) A deliberação recorrida, ao recusar o pagamento das ajudas de custo e despesas de deslocação, aos juízes colocados em secções transitoriamente deslocalizadas, que como tal se mantenham, não respeita a lei processual, a lei civil, a lei administrativa, o Estatuto dos Magistrados Judiciais e a deliberação do CSM de 16•05•2015.

  1. ) Para além disso, na interpretação seguida pela deliberação recorrida, a deliberação de 12.07.2016 e os arts. 26.° e 27.° do EMJ são inconstitucionais, por violação da tutela da confiança devida e dos princípios da igualdade, da inamovibilidade (ressalvando motivos disciplinares ou classificativos) e da independência dos juízes, garantidos nos artigos 13.°, 203.°, 216.° e 266.°, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

  2. ) A deliberação recorrida foi proferida para além do prazo de três meses após a apresentação da reclamação, quando já operara o indeferimento tácito desta, ex vi do disposto no art. 167.°, n.º 3, do EMJ, e quando, por força dessa omissão, o Recorrente havia já lançado mão, nos Tribunais Administrativos e Fiscais, de acção de condenação, acompanhada de providência cautelar de regulação provisória para pagamento de quantia devida, pendentes no TAF de Aveiro com os nºs 1384/17.7BEPRT e 1386/17.3BEPRT, contra o Conselho Superior da Magistratura e o Ministério da Justiça, para as quais o CSM, quando proferiu a deliberação, havia já sido citado.

  3. ) Em consequência, estava o CSM impedido de proferir decisão sobre a questão, pelo menos até ao trânsito em julgado das sentenças a proferir naqueles processos, pelo que, a deliberação em crise infringe as regras processuais previstas no artigo 167.°/3 e 4 do EMJ.

  4. ) Tal como, infringe as regras atinentes à pendência de causa prejudicial (art. 38.° do Novo Código de Procedimento Administrativo), padecendo por isso de anulabilidade, nos termos do art. 163.°, n.º 1, do NCPA.

  5. ) A deliberação recorrida obnubila e deturpa os fundamentos essenciais da reclamação, que não aprecia, não apreciando igualmente os factos relevantes que foram invocados para a sua procedência.

  6. ) Em consequência disso, tal deliberação padece de nulidade, por omissão de pronúncia, e invalidade, por insuficiência de fundamentação, infringindo o disposto nos arts. 615.°/1, al. d), do CPC e 153.°/2 do NCPA.

  7. ) Ao interpretar a deliberação de 12.07.2016 como tendo fixado o limite de 1 ano, ou seja, até Agosto de 2015, para o recebimento das ajudas de custo e despesas de deslocação, para os reclamantes, juízes colocados em secções deslocalizadas transitoriamente, que como tal se mantêm, a deliberação recorrida reduziu o prazo que para o efeito resultou da deliberação de 16.05.2015.

  8. ) Pois esta deliberação (de 16.05.2015) não definiu prazo certo para o final da atribuição das ajudas de custo, tal como esse prazo não ficou definido na deliberação do CSM de 27.08.2015, na qual foi apreciado o Regulamento dos juízes colocados em quadro complementar, daí tendo resultado o reconhecimento e efectiva atribuição das ajudas de custo, pelo menos, durante todo o 2. ano de exercício de funções em secção transitoriamente deslocalizada.

  9. ) Assim se explicando que o Recorrente, como as demais juízas do Juízo de Comércio de ..., que se mantém transitoriamente deslocalizado em ..., tenham recebido ajudas de custo e despesas de deslocação, no regime de dias sucessivos (correspondendo a 100% do seu valor), desde Novembro de 2015 (2. ano de exercício de funções em secção deslocalizada) até Outubro de 2016 (já em pleno 3. ano de exercício de funções).

  10. ) Aquela redução de prazo da atribuição das ajudas de custo e despesas de deslocação por dias sucessivos viola os princípios, que resultam do art. 12.°, n.º 1, do Código Civil para todo o ordenamento jurídico, de não retroactividade das alterações normativas e de preservação dos efeitos já produzidos à data dessas modificações.

  11. ) Tal como, não reconhecendo o direito ao recebimento das ajudas de custo e despesas de deslocação ao Recorrente até, pelo menos, ao final do 3. ano de exercício de funções em secção deslocalizado, a deliberação recorrida infringe as regras sobre alterações de prazos previstas no 297.° do CC, padecendo por isso de anulabilidade, nos termos do art.163.º, n.º 1, do NCPA.

  12. ) Uma vez que os juízes do Juízo de Comércio de ..., deslocalizado transitoriamente para ..., jamais foram ouvidos sobre uma eventual pretensão de fazer cessar a atribuição de ajudas de custo, a deliberação de 12-07-2016, no sentido que lhe é atribuído na deliberação recorrida, é ineficaz em relação aos referidos juízes ou, na terminologia administrativa, um acto que enferma de nulidade, por total preterição do procedimento administrativo legalmente exigido para a sua eficácia (art. 161.°, n.º 2, al. l), do NCPA).

  13. ) E como o acto nulo não produz quaisquer efeitos (art.162.º, n.º 1, do NCPA), não tem qualquer justificação que a entidade decisória se fundamente na referida deliberação de 2016 para, em relação aos reclamantes, fixar em 1 ano o período a que teriam direito ao recebimento das ajudas de custo e despesas de deslocação.

  14. ) A deliberação recorrida ofende igualmente a lei administrativa uma vez que, sendo a deliberação de 16-05-2015 constitutiva de direitos em relação aos reclamantes, no que concerne à atribuição de ajudas de custo e despesas de deslocação, por dias sucessivos, a fixação posterior de um prazo (de 1 ano) entretanto já extinto (seja na deliberação de 2016, seja na deliberação recorrida) para essa atribuição, representa, claramente, revogação administrativa de acto constitutivo de direitos, nos termos do art. 165.°, n.º 1, do NCPA.

  15. ) Por isso, a deliberação recorrida, ao atribuir efeitos retroactivos à revogação administrativa, é ilegal e anulável, por ofensa ao disposto nos arts.171.º/1 e 2 do NCPA.

  16. ) Pois o período relativamente ao qual existe a referida proibição de retroactividade, quanto aos reclamantes, inclui o 3. ano de exercício de funções em secção deslocalizada, cujo movimento estava já encerrado quando a deliberação de 12-07-2016 (e, ainda mais, a deliberação recorrida) foi proferida.

  17. ) A deliberação recorrida afronta ainda, e ostensivamente, o disposto nos arts. 26.° e 27.° do EMJ e o direito que estas normas concedem aos juízes de receberem de ajudas de custo e despesas de deslocação quando tenham de deslocar-se, em exercício de funções, para fora da área do Tribunal onde se encontrem sediados.

  18. ) A interpretação mais consentânea com a letra e o espírito das referidas normas é aquela que lhe é atribuída no parecer elaborado pelo Ex.mo Sr. Dr. BB, subjacente à deliberação do CSM de 16-06-2015, segundo o qual, “são devidas ajudas de custo, por dias sucessivos aos magistrados colocados em determinada secção sempre que esta esteja temporariamente deslocalizada para fora da área do município onde se encontra legalmente sediada, independentemente da distância dessa deslocação, atento o disposto no artigo 27.°, n.º 1, do EMJ (...)”.

  19. ) Todavia, mesmo assim não se entendendo, e ainda que fosse admissível, no que não se concede, restringir retroactivamente o direito a ajudas de custo ao 1. ano de exercício de funções em secção deslocalizada no regime de dias sucessivas, a recusa do pagamento de despesas de deslocação e de ajudas de custo, sequer no correspondente às percentagens (25% ou 50%) de acordo com o horário de exercício de funções efectivamente realizadas, sempre seria claramente contrária aos referidos arts. 26.º e 27.º do EMJ.

  20. ) A deliberação recorrida infringe ainda a deliberação do CSM de 16-06-2015, pois esta teve em decisiva conta a quebra de expectativa criada relativamente ao município em que seria exercida a função reportada ao momento da colocação em secção deslocalizada.

  21. ) A deliberação de 16-06-2015 visou tutelar a situação dos juízes que, como os reclamantes, concorreram em 2014 para tribunal de determinado município (..., no caso) e, por decisão posterior ao encerramento desse movimento, foram colocados, por via da deslocalização transitória, noutro município (in casu, ...), caso em que existe, notoriamente, e a própria deliberação em crise o reconhece, quebra das expectativas criadas.

  22. ) Ao reportar a quebra de expectativas para os anos seguintes ao da colocação em secção deslocalizada, quando tal deslocalização se mantenha em termos transitórios, a deliberação recorrida extrapola injustificadamente a ratio da deliberação do CSM de 2015, deturpando a tutela que ela visou conferir, sob o pretexto de que era possível a movimentação de juízes no movimento subsequente ao da colocação.

  23. ) O que faz de forma totalmente ilegítima, seja porque o juiz colocado em secção deslocalizada temporariamente que aí permaneça, e precisamente por se tratar de uma deslocalização temporária, não sabe se esta vai manter-se ou, ao invés, se vai cessar no ano seguinte.

  24. ) Seja ainda porque as condições do...

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