Acórdão nº 650/12.2TBCLD-B.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelCATARINA SERRA
Data da Resolução23 de Outubro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO Recorrente: AA Recorrido: BB. S.A.

Nos autos de reclamação de créditos apensos à insolvência de Investimentos Imobiliários e Turísticos Lda, veio AA, ora recorrente, reclamar um crédito no montante de €1.900.000,00 (um milhão e novecentos mil euros), por incumprimento de um contrato promessa de cessão de quota que celebrou em Setembro de 2008 com o insolvente, invocando direito de retenção sobre 20 fracções habitacionais de um prédio que a insolvente tinha em construção, denominado ..., ....

O administrador da insolvência não reconheceu o crédito, com fundamento na invalidade do contrato, e, portanto, tão-pouco reconheceu o direito de retenção.

Tal decisão foi impugnada pelo credor reclamante, nos termos do artigo 130.º do CIRE, devendo entender-se que, pelas vicissitudes relatadas nos autos, não houve resposta à impugnação.

Foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos e o crédito de AA não foi reconhecido.

Desta sentença apelou AA para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, em Acórdão de 26.11.2013 (transitado em julgado em 10.02.2016), deu razão ao apelante.

Foi proferida nova sentença de verificação e graduação de créditos, na qual o Tribunal de 1.ª instância decidiu, “[n]a sequência do douto Acórdão proferido pela decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, declarar verificado o crédito reconhecido ao credor AA sobre a insolvente, no valor € 1.900.000,00, com natureza garantida por força do direito de retenção sobre as fracções identificadas”.

Desta sentença de verificação e graduação de créditos apelou, por sua vez, o credor BB, S.A. (antes ...) para o Tribunal da Relação de Coimbra.

Atendendo às conclusões apresentadas pelo apelante, o Tribunal da Relação de Coimbra, em Acórdão de 8.05.2018 (Acórdão ora recorrido), entendeu que o recurso se circunscrevia à apreciação das seguintes questões: 1.ª - saber qual a interpretação a dar ao n.º 3 do artigo 131º do CIRE; 2.ª - saber se o acórdão da Relação de Lisboa de 26.11.2013 havia reconhecido o crédito do recorrido; e 3.ª - saber se este crédito estava garantido por direito de retenção sobre as 20 fracções integradas no património da insolvente.

Pronunciando-se sobre a 1.ª questão, entendeu o Tribunal da Relação de Coimbra que uma interpretação do n.º 3 do artigo 131.º do CPC, em que o juiz se limitasse a dar por reconhecido um crédito por não ter sido apresentada resposta à impugnação à lista de créditos não reconhecidos seria dificilmente sustentável no plano constitucional, por implicar um efeito cominatório pleno.

Quanto à 2.ª questão, considerou o Tribunal da Relação de Coimbra que o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa não se havia pronunciado sobre o mérito da impugnação apresentada pelo recorrido, determinando apenas que o crédito fosse verificado.

Vale a pena expor o raciocínio do Tribunal da Relação de Lisboa: “A fase da verificação de créditos inicia-se, como resulta do art. 128º, com a reclamação dos créditos sobre a insolvência. Ao administrador da insolvência cabe elaborar e apresentar uma lista dos créditos por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos (art. 129º), listas estas que podem ser alvo de impugnações nos termos previstos no art. 130º.

Ora, o nº3 deste preceito dispõe que: “Se não houver impugnações, é de imediato proferida sentença de verificação de créditos, em que, salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste da lista.” Por sua vez, estatui o art. 131º: 1. Pode responder a qualquer das impugnações o administrador da insolvência e qualquer interessado que assuma posição contrária, incluindo o devedor.

2. (…).

3. A resposta deve ser apresentada dentro dos 10 dias subsequentes ao termo do prazo referido no artigo anterior ou à notificação ao titular do crédito objecto da impugnação, consoante o caso, sob pena de a impugnação ser julgada procedente.

Tem-se entendido e pensamos que bem, que o conceito de erro manifesto não se resume ao erro formal, podendo assumir natureza substancial por não ser possível deduzir a existência do crédito dos elementos de facto invocados. (Ac. Relação do Porto de 02.06.2014, P. 3953/12.2TBVNG-B.PI) Por outro lado, Uma interpretação do nº 3 do art. 131º, em que o juiz se limita dar por reconhecido o crédito por não ter sido apresentada resposta à impugnação à lista de créditos não reconhecidos, é dificilmente sustentável constitucionalmente, por implicar um efeito cominatório pleno, que foi afastado pelo Novo Código de Processo Civil, e que pode ser violador do acesso ao direito e à tutela jurisdicional fixada no art. 20º da CRP. Como bem refere Mariana França Gouveia, in Themis, edição especial 2005, 'Novo Direito da Insolvência', a 'Verificação do Passivo': 'Os efeitos cominatórios plenos (ou semi-plenos) só se justificam quando não há contestação, quando não há litígio. E nos casos que tratamos, há já impugnação, o que significa que há um litígio trazido e apresentado ao tribunal. O litígio apenas pode ser resolvido pelo juiz e de acordo com o apresentado ao tribunal pelos sujeitos em discórdia.' Perfilhamos assim o entendimento propugnado por Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, 2ª edição, pág. 555, para os quais o conceito de erro manifesto deve interpretar-se em termos amplos, devendo o juiz 'verificar a conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes da lista que vai homologar'.

Decidiram neste sentido os Acórdãos do STJ de 30.09.2014, P. 3045/12.4, e desta secção e Relação de 28.04.2015, CJ, ano XL, tomo, 2, pag.44, com o seguinte sumário: 'Apelando aos critérios interpretativos previstos no art. 9º do Cód. Civil, em especial à unidade do sistema jurídico, o disposto no art. 131º, nº3 do CIRE, deve interpretar-se restritivamente no sentido de consagrar um cominatório semipleno, solução que é harmónica com a inequívoca natureza declarativa da reclamação e graduação de créditos, com importação da disciplina do processo declarativo comum.' Atento o fim visado pelo processo de insolvência, de protecção e satisfação dos direitos dos credores (art. 1º do CIRE), conjugado com os princípios processuais gerais que conferem ao juiz poderes de gestão do processo, com vista a obter a 'justa composição do litígio' (art. 6º do CPC), não pode aceitar-se uma interpretação em que o juiz se limita a homologar 'cegamente' a lista por um eventual efeito cominatório pleno (Ac. do STJ de 30.09.2014 supra citado).

Em suma, e com o devido respeito, carece de razão o Recorrido quando sustenta que o Acórdão da Relação de Lisboa de 26.11.2013 reconheceu o crédito por si reclamado.

Nem aquele acórdão nem o tribunal recorrido verificaram a validade do crédito reclamado, 'a conformidade substancial e formal dos elementos probatórios pertinentes ao crédito invocado”, pelo que não existe caso julgado formal que impeça a apreciação do crédito'.

Por fim, passando à apreciação do crédito, concluiu o Tribunal da Relação de Coimbra que, sendo o crédito respeitante ao incumprimento de um contrato promessa que estava ferido de nulidade, não existia qualquer crédito. Ainda que assim não fosse, nunca haveria direito de retenção.

O Tribunal recorrido julgou, em suma, procedente o recurso interposto da sentença de verificação e graduação de créditos pelo credor BB SA, e, em consequência, revogou a sentença na parte em que reconheceu e graduou o crédito de AA.

Desta decisão do Tribunal da Relação de Coimbra vem agora AA interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, pedindo que esta decisão seja revogada e mantida a sentença de verificação e graduação de créditos proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.

Alega o recorrente, no essencial, que: 1.º - o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 8.05.2018, revogando a sentença de verificação e graduação de créditos na parte em que esta reconheceu e graduou o crédito do recorrente, ofendeu o caso julgado e a autoridade de caso julgado decorrente do trânsito em julgado, em 10.02.2016, do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.11.2013; e - o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 8.05.2018, defendendo que o artigo 131.º, n.º 3, do CIRE tem um efeito cominatório semipleno e não, como afirmado noutra jurisprudência, designadamente o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.11.2013 (Proc. 710/11.7TJPRT-C.P1), um efeito cominatório pleno, fez uma interpretação errada da lei.

Contra-alega o recorrido, no essencial, que: 1.º - o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 8.05.2018, ao revogar a sentença de verificação e graduação de créditos na parte em que esta reconheceu e graduou o crédito do recorrente, não ofendeu o caso julgado nem a autoridade de caso julgado, uma vez que aquele crédito não tinha ainda, até aí, o sido apreciado; e 2.º - o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 8.05.2018 interpretou correctamente o disposto no artigo 131.º, n.º 3, do CIRE, ao atribuir à falta de resposta à impugnação um efeito cominatório semipleno.

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