Acórdão nº 2258/16.4T8CBR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Outubro de 2018
Magistrado Responsável | MARIA OLINDA GARCIA |
Data da Resolução | 16 de Outubro de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
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RELATÓRIO 1. “AA, Unipessoal, Ld.ª”, com sede no Centro Social e Comunitário ..., Rua ..., ..., propôs ação comum contra “BB – …, Ld.ª”, com domicílio na Av. ..., n. ..., 1º, sala …, ..., invocando o incumprimento pela Ré, na qualidade de empreiteira, do contrato de empreitada celebrado com a Autora (dona da obra).
A Autora alegou que aquele contrato foi celebrado em 13.9.2012, destinando-se à construção de um hotel, e dele constava a seguinte cláusula: “Para resolução de todos os litígios decorrentes deste contrato fica estipulada a competência do Centro de Arbitragem da AICCOPN – Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (…)”[1].
A Autora alegou ainda ter revogado a convenção de arbitragem, em 9.11.2015, com fundamento em justa causa e perda superveniente da idoneidade do Centro de Arbitragem, tendo solicitado ao Ministro da Justiça a revogação da autorização concedida à Associação de Construtores de Obras Públicas para criação de um centro de arbitragens.
2. A Ré contestou a ação, alegando a incompetência do tribunal judicial, por existir cláusula compromissória que impunha o recurso à arbitragem, e invocou a exceção de litispendência por se encontrar já a correr uma ação no tribunal arbitral (com os mesmos sujeitos, causa de pedir e pedido).
3. A Autora respondeu às exceções invocadas, afirmando a competência do tribunal judicial, pelo facto de ter procedido à revogação da convenção de arbitragem. Quanto à litispendência, afirmou que não se verificavam os requisitos dessa figura.
4. Em 04.11.2016, o tribunal da primeira instância, através de saneador-sentença, absolveu a Ré da instância “quer por via da incompetência do tribunal, quer por via da procedência da exceção de litispendência”. 5. A Autora, não se conformando com tal decisão, interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de .... A Ré não apresentou contra-alegações.
6. O Tribunal da Relação de ... considerou o recurso procedente e revogou a decisão da primeira instância, tendo sumariado a sua decisão nos termos que se transcrevem: “1. A nulidade da decisão por falta de motivação (art.668.º, n.º 1, al. b), do CPC – 615º NCPC) só é realidade quando sucede falta absoluta, ausência total, de fundamentos de facto de direito que justificam a decisão, importando saber distinguir da motivação menos pródiga e/ou sábia. O que, aqui, nos termos expostos, não acontece.
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Descontado o direito de recurso, quando exista, o direito à protecção judicial efectiva (art. 20º CRP), não existe perante as próprias decisões judiciais que sejam eventualmente lesivas de direitos ou interesses legalmente protegidos, visto que o nosso sistema de justiça constitucional não reconhece o «recurso de amparo» ou «queixa constitucional» perante o Tribunal Constitucional contra tais decisões judiciais, salvo na medida em que elas tenham aplicado norma inconstitucional ou desaplicado norma com fundamento na sua não inconstitucionalidade.
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A declaração de resolução de contrato, fundada na lei ou em convenção, não se traduz em declaração negocial, mas em simples acto jurídico e não está sujeita a forma especial, podendo (até) ser feita verbalmente (art. 436.º, n.º 1, do Cód. Civil). Por sua vez, a relação contratual pode ser declarada extinta por uma das partes com fundamento na lei ou em convenção, mediante comunicação à outorgante, nisto consistindo a resolução do contrato. A declaração da resolução não tem que seguir a forma do respectivo contrato por que consiste numa simples comunicação à outra parte de ir exercer o direito da resolução e produz efeitos jurídicos no próprio momento se a outra parte não se opuser.
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O art.21º, n.1 da Lei de Arbitragem Voluntária consagra expressis verbis que o tribunal arbitral pode pronunciar-se sobre a sua competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção; apenas nos casos em que for manifesta a nulidade, a ineficácia ou a inaplicabilidade da convenção de arbitragem, o juiz pode declará-lo e, consequentemente julgar improcedente a excepção.
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A quebra do monopólio do Estado na função judicial (ao permitir a arbitragem voluntária) apenas se mostra permitida e justificada quando através dela possam ser conseguidos (pelo menos) os mesmos objectivos que através dos órgãos de soberania Tribunais o Estado tende a conseguir. Por essa razão, sendo o direito de acesso à justiça um direito fundamental, que se encontra em plano superior ao direito potestativo a exigir a arbitragem, unicamente a verificação da existência de uma situação de absoluta impossibilidade, e não tão-somente de mera difficultas praestandi (em respeito pela autonomia privada), que torne inexigível que seja cumprido o acordo de arbitragem, constitui legitimo fundamento justificativo do seu incumprimento.
Tal como nos presentes Autos, por todas as razões, designadamente, por se haver demonstrado que: - em 9 de Novembro de 2015 a A. procedeu à resolução do compromisso arbitral; - a presente acção judicial de condenação só deu entrada no Tribunal o quo em 22 de Março de 2016 e que o Réu não impugnou a resolução efectuada, - não tendo, sequer, nestes autos deduzido pedido reconvencional, no sentido de ser declarado a ilicitude da resolução do compromisso arbitral; E, em especial, pelo que decorre do documento de fls. 931/931v, consubstanciador de “decisão de encerramento do presente processo arbitral”! 6. E este tópico é o de que a parte estará impossibilitada de obter justiça para o seu caso, isto é, ver-se-á impedida de ver satisfeito o seu direito de acesso à justiça para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos; num tal caso, a parte veria ser-lhe denegada justiça. Ora, este é um resultado que a Constituição, com este esquisso procedimental, agora em perfil, não aceita - cfr. n. 1 do artigo 20º CRP. Mas, se assim é, então é razoável concluir que a força expansiva dos direitos - ou melhor, do direito de acesso aos tribunais - impõe que, na hipótese que se figurou de a parte na convenção arbitral que, posteriormente à celebração desta, se viu, sem culpa sua, arrastada para uma situação destas, possa deixar de cumprir tal convenção e recorrer aos tribunais estaduais, pedindo a resolução do caso, sem que seja possível opor-lhe a competente excepção dilatória.
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Sem deixarmos de ter em conta, pelo menos enquanto admite a possibilidade de afastamento de uma determinada convenção arbitral e o recurso aos tribunais judiciais/estaduais, no caso «sub judice» poderemos chegar à mesma conclusão com recurso à figura da alteração das circunstâncias prevista no art.437º do C.Civ., embora devidamente adaptada. Como tal, nenhum obstáculo haveria a que a demandante recorresse aos tribunais comuns para dirimir litígio decorrente do contrato supra mencionado.
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Nesta conformidade, não pode deixar de se assentir, em que “nem o Réu impugnou a resolução efectuada, nem algum tribunal declarou a ilicitude da mesma”. A resolução operou os seus efeitos e o compromisso arbitral cessou em 9 de Novembro de 2015. O que significa não existir, como tal, na data de entrada do presente acção em juízo, qualquer convenção de arbitragem. Assim, a poder-se considerar vigente e eficaz e, por isso, capaz de determinar a declaração de incompetência do tribunal a quo. Tanto mais, que, do nº 1 do art° 5° da LAV promana que os tribunais judiciais só se podem declarar incompetentes se na data em que a acção ali der entrada houver convenção de arbitragem vigente e eficaz. O que, no caso dos Autos não acontece.
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Com a litispendência, trata-se de evitar que duas decisões sejam proferidas ou que se tenha de aguardar o momento em que a decisão seja proferida e transite numa das causas para que a outra seja impedida de prosseguir. O n.1 do art.581º (requisitos da litispendência e do caso julgado), dá a definição de repetição da causa, que está na base dos conceitos de litispendência e caso julgado (art.580º-1) e que o art.362º-4 utiliza em sede cautelar (ver art.362º): a causa repete-se quando, entre as mesmas partes, há nova ação com o mesmo objeto, isto é, com o mesmo pedido fundado na mesma causa de pedir (art.552º).
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Contudo, e perante tais elementos de caracterização, não é esse o esquisso que os Autos fazem funcionar. Com efeito, na sequência da matéria considerada assente, e que importa relevar, não há como obstar a que: «com a resolução cessa o compromisso arbitral e, portanto, não pode juridicamente haver no Tribunal arbitral qualquer acção que tenha a A. por sujeito processual». O que se sedimenta, em definitivo, quando dos Autos consta decisão de encerramento do processo arbitral (fls. 931/931v, dos Autos). Desta forma, havendo de concluir não se perfilarem “os pressupostos exigidos pelos art.s 580° e 581 ° do CPC para a Iitispendência”. Antes se tratando de acção que, pelos motivos que se elencam, sofreu, nesta sentido específico, justificado “desaforamento”, permanecendo una, incindível e incindida.” 7. Inconformada com aquela...
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