Acórdão nº 52/14.6TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelROQUE NOGUEIRA
Data da Resolução16 de Outubro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1 – Relatório.

Na 1ª Secção Cível da Instância Central da Comarca de Lisboa, AA instaurou, em 13/1/14, acção declarativa de condenação com processo comum contra B...– B..........., S.A. e contra BB e CC, pedindo a condenação solidária dos réus a pagarem-lhe uma indemnização por danos decorrentes do não pagamento do cheque no montante de € 189.997,51, já incluídos os juros de mora desde 24/1/11 até 31/1213, bem como todos os que se vencerem até efectivo e integral pagamento.

Pede, ainda, a autora a condenação solidária dos 2º e 3º réus a pagarem-lhe uma indemnização por danos morais no valor de € 10.000,00, acrescida dos juros à taxa legal desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Para o efeito, alega que celebrou contrato promessa de compra e venda com a sociedade de construção e urbanização Q............ de que os 2º e 3º RR. eram gerentes, para aquisição de duas fracções de um prédio então em construção, pelo preço de € 370.000,00, tendo entregue a título de sinal, em 08/06/08, o montante de€ 185.000,00.

Mais alega que, como garantia de devolução do sinal em caso de resolução do contrato, a promitente vendedora, procedeu à entrega à A. de um cheque subscrito pelos 2º e 3° RR. no montante de€ 185.000,00, sem data, para que esta em caso de incumprimento o datasse e cobrasse.

Alega ainda que o referido contrato promessa foi incumprido pela promitente vendedora, que nunca convocou a A. para a escritura, tendo ocorrido o incumprimento definitivo do contrato, pelo que a A. datou o cheque e apresentou-o a pagamento no prazo de oito dias a contar da data dele constante, tendo o 1 º R. recusado o pagamento indicando como motivo "cheque revogado com justa causa-extravio".

Mais alega que a comunicação só poderia ter sido efectuada pelos 2º e 3º RR., bem sabendo que tal declaração era falsa, visando impedir o pagamento do cheque, lançando a suspeita sobre o crédito e honra da A. e que o 1 º R. não podia desconhecer a falsidade de tal declaração, impondo-se-lhe ainda o dever legal de exigir junto da sociedade sacadora o comprovativo do alegado extravio, não actuando com a diligência de um gestor consciencioso.

Alega que esta actuação indicia antes a falta de fundos na conta do devedor e que o 1 º R., ao aceitar a declaração de extravio, permitiu que a sociedade devedora não ficasse obrigada a regularizar a situação, impediu a falta de comunicação da devolução de cheque por falta de provisão ao Banco de Portugal e privou a A. dos meios normais legais para pressionar a devedora ao pagamento, nomeadamente de o utilizar como título executivo ou de o apresentar de novo a pagamento.

Mais alega que, tendo intentado a notificação judicial avulsa da sociedade Q...... Lda., veio posteriormente a ter conhecimento da sua insolvência, tendo a A. reclamado na insolvência os seus créditos, reconhecidos pelo administrador pelo montante de € 167.479,50, estando a insolvência em fase final de liquidação e não tendo a A. recebido quaisquer valores inerentes ao cheque.

Por último, alega que sofreu danos materiais e morais com a conduta dos RR. e que o 1 º R. responde pela omissão dos seus deveres de diligência, agindo com culpa e que os demais RR. respondem a título pessoal, enquanto representantes da sociedade e a título individual pelos crimes de falsificação de documento, de burla e de difamação.

O .... contestou em 24/2/14, alegando que nunca lhe foi transmitido pelos demais RR. qualquer extravio de cheque, mas antes a sua anulação, com o fundamento de a data de validade do cheque estar ultrapassada, o que fizeram por comunicação datada de Julho de 2009, sendo a data de validade do cheque de 09/03/09.

Alega que devido a esta comunicação, o Banco R. decidiu devolver este cheque, logo que fosse apresentado a pagamento, com fundamento em "apresentação fora de prazo".

Mais alega que, em Julho de 2009, o sistema operativo do .... só tinha duas opções disponíveis para alerta de não pagamento - cheque anulado ou cheque extraviado - não podendo o funcionário do .... utilizar a primeira opção, por não ter o cheque em seu poder, tendo assim optado pela utilização da segunda opção, como alerta para não pagamento, caso o cheque viesse ser apresentado.

Alega ainda que apresentado o cheque a pagamento em Janeiro de 2011, o serviço de compensação do ...., constatando o alerta introduzido no sistema, veio a devolver o cheque com esse fundamento, por desconhecimento das verdadeiras razões para devolução do cheque em causa. Por último alega que o Banco pode recusar o pagamento e devolver o cheque, quando não tenha sido observado o respectivo prazo de validade, sendo que neste caso o cheque foi datado e apresentado a pagamento para além do prazo de validade que dele constava o que era do conhecimento da A., porque constante em dizeres legíveis no próprio impresso de cheque.

O 2º réu BB também contestou, em 5/5/14, alegando que, quer o cheque quer a declaração junta pela A., foram assinados por si na qualidade de legal representante da firma Q...... Lda., expirando o cheque em 09/03/2009.

Mais alega que nunca a referida sociedade acordou com a A. o preenchimento da data do cheque em apreço, tendo emitido e entregue o cheque na convicção de que este serviria de garantia de pagamento, no caso de qualquer das partes utilizar o direito de resolução do contrato promessa, o que nunca veio a acontecer.

Alega ainda, que a data limite para outorga do contrato prometido era o dia 09/03/09, razão pela qual a A. poderia preencher a data de emissão do cheque até essa data, conquanto fosse operada a resolução do contrato.

Mais alega que a sociedade acordou com a A. na venda das fracções em causa a um terceiro, devolvendo posteriormente o sinal entregue, devolução que não ocorreu por dificuldades financeiras da sociedade, a qual efectuou contactos e negociações com a A. no sentido de proceder ao pagamento em espécie, o que foi aceite apenas parcialmente por esta.

Por último, alega que nunca houve intenção de prejudicar a A. e que a comunicação ao banco alertando para o prazo de validade do cheque, se deveu a ter sido atingido este prazo, sem que o cheque tivesse sido presente a pagamento ou estivessem reunidas as condições para o ser e que os créditos da A. o são sobre a referida sociedade, reclamados já na insolvência da mesma, não existindo qualquer facto pessoal dos RR. que os constitua no dever de indemnizar a A.

Por requerimento de 25/2/15, o ...., alegando que, depois da apresentação da sua contestação, ocorreu um evento que fundamenta a sua ilegitimidade substantiva, já que, por Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal (BP) de 3/8/2014, foi sujeito à aplicação de uma medida de resolução, por via da qual a responsabilidade eventualmente em causa nestes autos se transferiu para a sociedade B.........., S.A. (NB), nova entidade constituída nesse momento, requer que esta última seja investida na posição processual anteriormente assumida pelo requerente .....

Sobre esse requerimento recaiu o despacho proferido em 11/3/2015, que determinou a substituição nestes autos do .... pelo NB, ao abrigo do disposto no art.269º, nº2, do CPC.

Por requerimento de 7/4/2015, o NB pediu a reforma daquele despacho, por entender que não podia ter sido efectuada a aludida substituição processual com base no citado artigo.

Tal requerimento foi indeferido por despacho de 13/4/2015, onde se considerou que os fundamentos invocados não se integram no conceito de reforma, quer dos despachos, quer das sentenças.

Entretanto, foi admitida a alteração da causa de pedir requerida pela autora, no sentido de deixar de se ter por fundamento da responsabilidade dos réus singulares o ilícito decorrente de falsificação de documento, devendo a declaração de extravio ser tomada por declaração de anulação.

Após o saneador, foi proferido despacho onde se identificou o objecto do litígio e se mencionaram os temas da prova.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, em 14/1/2016, julgando a acção parcialmente procedente e condenando o NB a pagar à autora a quantia de € 166.300,00, acrescida de juros vencidos e vincendos à taxa legal de 4% desde 24/1/11 até integral pagamento, tendo os demais réus sido absolvidos do pedido, sendo que, tal sentença foi notificada ao NB em 25/1/16.

Antes dessa notificação, porém, por requerimento de 20/1/16, o NB, invocando as deliberações do BP de 29/12/15, publicadas no site do BP em 13/1/16, havia pedido que se determinasse a substituição da posição de sujeito processual passivo, ora ocupada pelo NB, pelo .....

Sobre este requerimento não chegou a recair qualquer despacho, já que, entretanto, o NB, ao ser notificado da sentença da 1ª instância, interpôs recurso de apelação da mesma, bem como do referido despacho de 11/3/15.

Foi, então, proferido o Acórdão da Relação de Lisboa, de 29/11/16 (fls.605 e segs.), onde, na procedência do recurso interlocutório, se decidiu: - revogar o despacho recorrido; - absolver o NB da instância; - anular todos os actos praticados nos autos a partir da substituição do .... pelo NB, nos termos do art.269º, do CPC; - ordenar o prosseguimento dos autos contra o ...., precisamente a partir daquele momento processual em que foi substituído pelo NB.

Inconformada, a autora interpôs recurso de revista daquele acórdão.

Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2 – Fundamentos.

2.1. A autora-recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões: Deliberações do Banco de Portugal, de 03.08.2014 e de 11.08.2014 1. Não se trata, nos presentes autos, de "sindicar a validade formal e substancial da deliberação do Banco de Portugal", mas sim de interpretar e aplicar essa mesma deliberação - atividade que compete exclusivamente aos Tribunais [aqui comuns], para uma correta aplicação do Direito ao caso concreto; 2. O Tribunal da Relação de Lisboa, independentemente da validade formal ou substancial da...

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