Acórdão nº 1937/13.2TBPVZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelFERNANDA ISABEL PEREIRA
Data da Resolução13 de Setembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório AA, LDA., instaurou acção declarativa de condenação, que segue hoje a forma comum, contra BB SPORT CLUB, colectividade desportiva com sede na Praça …, n.º …, …., pedindo que o réu seja condenado: a) A pagar à autora a quantia de 12.472.463,74 €, emergente do incumprimento definitivo do contrato-promessa por culpa exclusiva do réu; b) A pagar à autora o montante de 2.796.565,57 €, a título de juros vencidos; c) A pagar à autora os juros vincendos até integral pagamento e os compulsórios que se acharem devidos.

Caso assim não se entenda e se considere ter existido resolução contratual sem culpa do réu, em alternativa: d) A pagar à autora a quantia de 7.521.727,22 €, emergente da resolução do contrato-promessa; e) A pagar à autora o montante de 1.678.073,82 €, a título de juros vencidos; f) A pagar à autora os juros vincendos até integral pagamento e os compulsórios que se acharem devidos.

Para fundamentar o peticionado alegou, em resumo, que celebrou com o réu um contrato-promessa, em 24/3/2006, contrato que foi objecto de onze aditamentos, nos termos do qual o réu prometeu vender à autora e esta prometeu comprar-lhe um prédio urbano. O réu incumpriu esse contrato, pelo que foi obrigada a resolvê-lo, tendo direito à indemnização devida pelo incumprimento.

Caso se entenda que não houve culpa do réu, deve o mesmo indemnizar a autora tal como previsto no dito contrato.

O réu contestou, por excepção e impugnação, e deduziu reconvenção.

Excepcionou a ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário activo, por falta da sociedade CC Imobiliária, S.A.., como co-autora na lide.

Impugnou os factos alegados pela autora e alegou o incumprimento do contrato-promessa por parte desta, pedindo: 1. A procedência da excepção dilatória de preterição de litisconsórcio necessário activo; 2. A improcedência da acção; 3. A procedência da reconvenção, declarando-se o incumprimento definitivo do contrato-promessa por causa exclusivamente imputável à autora/reconvinda, condenando-se a mesma, em consequência, na perda das quantias entregues a título de sinal.

A autora replicou, pugnando pela improcedência da excepção da ilegitimidade activa, e requerendo, por mera cautela, a intervenção principal provocada da Sociedade CC Imobiliária, S.A..

Impugnou ainda a matéria invocada na reconvenção, concluindo pela sua improcedência.

Admitida a requerida intervenção, foi citada a sociedade CC Imobiliária, S.A., que assumiu a posição de co-autora na lide, declarando aderir aos articulados já apresentados por esta.

No despacho saneador as partes foram declaradas legítimas e foi admitida a reconvenção.

A autora AA apresentou articulado superveniente, em 17/05/2016, ampliando o pedido formulado na al. d) da petição inicial para o montante de 7.719.614,83 € e requerendo a intervenção principal provocada da sociedade BB Sport Club - Futebol S…, Lda.

O réu opôs-se, tendo, por despacho de 4/07/2016, sido indeferido o pedido de intervenção e admitida a ampliação do pedido.

No início da audiência de discussão e julgamento foi corrigido o pedido formulado no artigo 128.º al. h) da petição inicial para 205.700,00 €, o que foi admitido, alterando-se em conformidade o valor final peticionado.

Em 7/4/2017 foi lavrada sentença, cuja decisão, depois de rectificada, foi a seguinte: “A-) Julga a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência, condena o réu a pagar às autoras (AA e interveniente CC) o valor de 672.682,76 euros, com inerentes juros de mora calculados desde a data da citação do réu até efectivo pagamento, a título de devolução do valor liquidado pela autora à DGCI; B-) Julga a reconvenção totalmente procedente por provada, e, em face do incumprimento definitivo da autora, opera a consequente perda do sinal prestado por aquela a favor do réu/reconvinte.” Desta sentença apelaram autora, interveniente e réu.

O Tribunal da Relação …, por acórdão proferido em 14 de Novembro de 2017, decidiu: “1. Julgar a apelação da autora e da interveniente improcedente; 2. Julgar a apelação do réu procedente e revogar a sentença na parte em que o condenou a pagar às “autoras” o valor de 672.682,76 € e respectivos juros, que deles se absolve; 3. Manter a sentença recorrida no que se refere à reconvenção, aliás não posta em causa no recurso”.

Inconformada, interpôs a autora recurso de revista, formulando nas suas alegações a seguinte síntese conclusiva: «1. As partes, no presente processo, ambas peticionaram a aplicação do mecanismo do sinal ao contrato promessa em apreciação; 2. O montante do sinal prestado ficou determinado no processo desde logo em sede de matéria dada como provada no despacho saneador, assim se mantendo até final; 3. O Tribunal de primeira instância decidiu pela procedência do pedido reconvencional e apenas deste, naturalmente, na medida do peticionado; 4. O Tribunal de primeira instância decidiu, ainda, condenar a Ré, aqui recorrida, à devolução dos montantes percebidos no âmbito do contrato promessa celebrado e que não tinham a natureza de sinal por considerar ser abuso de direito a sua manutenção; 5. A A., aqui Recorrente peticionou a devolução do montante em apreço; 6. A R., aqui Recorrida, recorreu da decisão de condenação à restituição do montante em apreciação porquanto entendeu que a decisão havia sido tomada ultra vel utra petitum e por defender tratar-se de montante incluído no sinal prestado; 7. O Venerando Tribunal da Relação deu provimento ao recurso da Ré, aqui Recorrida, porém, por motivos distintos dos alegados, com os quais não concordou; 8. O Venerando Tribunal da Relação entendeu ser procedente o recurso apresentado pela Ré, aqui recorrida, e revogada a sentença na parte em que condenou a pagar às "autoras" o valor de €672.682,76 e respetivos juros por não considerar tratar-se de abuso de direito a quantia assim entregue no âmbito de um contrato promessa; 9. Entende a Recorrente que o Venerando Tribunal da Relação não interpretou os factos comprovados da forma devida, motivo que levou ao afastamento da aplicação da norma contida no artigo 334° do Código Civil; 10. O Artigo 334° do código civil deve ser aplicado ao caso sub judice; 11. Da procedência do pedido reconvencional formulado pela R. aqui Recorrida resulta o direito desta manter na sua esfera jurídica as quantias recebidas a título de sinal do contrato promessa celebrado e nenhumas outras; 12. Em consequência da procedência do pedido reconvencional resulta que qualquer quantia recebida a outro título que não o de sinal deve ser restituída por inexistir título ao abrigo do qual a Recorrida tenha legitimidade para o manter; 13. Facto que o tribunal de primeira instância clarificou, condenando a Recorrida à entrega do valor à Recorrente, valor este, aliás, peticionado por esta, alegado e comprovado; 14. Fê-lo, e bem, ao abrigo da norma do artigo 334° do Código Civil que prevê as situações em que um direito é exercido de forma abusiva e, como tal, sancionado pela lei; 15. O abuso de direito constatado emerge da procedência do pedido reconvencional, não existindo em data anterior; 16. Existe abuso de direito a partir do momento em que a R., aqui Recorrida, mantém na sua esfera jurídica um montante que não lhe pertence na sequência da condenação.

17. Diz o Tribunal da Relação que a devolução do montante em crise à Recorrente é atendível, pois afirma: "e devolução dessa quantia sempre pode ter lugar por outra via, que não lançando mão do abuso de direito" 18. A obtenção do efeito jurídico já decidido por outra via obriga a uma actividade processual inútil e contrária à economia processual pretendida no nosso ordenamento jurídico; 19. Estipula o artigo 442° n° 4 do Código Civil que: "Na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste (...)" 20. Estipula o artigo 334° do Código Civil que: "É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito" 21. Aplicado ao caso sub judice questiona-se: É legítimo, tem a Recorrida o direito de manter na sua esfera jurídica a quantia que obteve com os pagamentos realizados pela Recorrente à DGCI e que não tinham natureza de sinal" 22. A resposta é não, não é legítimo, esse direito não lhe assiste pelo que 23. Ao manter o referido valor na sua esfera jurídica, ao pretender que o Tribunal não a condene à devolução do referido valor, abusa do referido direito porque excede os respectivos limites, 24. O limite em apreço constitui uma violação da boa fé como decidiu, e bem, o tribunal de primeira instância.

25. Assim, encontra-se preenchida a previsão do artigo 334° do Código Civil e este deve ser aplicado ao caso concreto, contrariamente ao decidido no Acórdão de que ora se recorre.

Termos em que, (…), deve ser concedido provimento ao presente recurso, alterando-se o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação … na parte em que este julga procedente a apelação do réu e revoga a sentença proferida na parte em que esta o condena a pagar às "autoras" o valor de €672.682,76 e respectivos juros, deles o absolvendo, e confirmando a decisão proferida em primeira instância».

Contra-alegou o réu e ampliou o objecto do recurso, para o que aduziu as seguintes conclusões: «1. A quantia de 672.682,76€ que foi entregue pela recorrente ao Estado para pagamento de impostos devidos pelo recorrido, ao abrigo do clausulado no 10º aditamento ao contrato-promessa, haveria de se considerar como integradora do sinal prestado e, como tal, perdida a favor do recorrido em virtude do incumprimento culposo da recorrente.

2. Com efeito, como bem se evidencia no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/11/2004, proc. 04B2978, Relator Conselheiro Bettencourt de Faria: "Como é também irrelevante que se tenha consignado apenas que certa...

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