Acórdão nº 6513/15.2T8CBR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Data da Resolução04 de Outubro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Relatório I – AA, viúvo, atualmente recluso no Estabelecimento Prisional de …, e seus filhos, BB, solteiro, maior, residente em …, e CC, solteira, menor, representada pelo seu padrinho civil DD, residente em …, instauraram acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra EE - Companhia de Seguros, S.A.

e Banco FF, S.A.

[1]., alegando, em síntese, que: O autor AA foi casado com GG, falecida em 29 de Novembro de 2009, a que sucederam os autores BB e CC, seus filhos.

Na constância do casamento, o autor AA e a falecida GG adquiriram o prédio que identificam com recurso a empréstimo concedido pelo Banco réu, no montante de €60.000,00, pelo prazo de 30 (trinta) anos, amortizável em 360 prestações, mensais e sucessivas.

Na altura, subscreveram também um seguro de proteção pessoal (ramo vida), mediante o qual transferiram para a ré Seguradora a responsabilidade de pagamento da dívida bancária derivada desse empréstimo, no caso de algum deles vir a falecer.

Apesar do falecimento da GG, que lhe foi comunicado, a ré seguradora recusa-se a assumir a sua responsabilidade perante a entidade bancária ré, beneficiária do seguro contratado.

Com tais fundamentos, concluíram por pedir que seja proferida decisão a: 1. Habilitar os AA. BB e CC, como únicos e universais herdeiros da falecida GG, reconhecendo-se a sua legitimidade ativa.

2. Declarar o contrato de seguro de vida celebrado entre a “de cujus” GG e seguradora EE S.A., como válido e eficaz; 3. Condenar a 1ª R a liquidar à 2.ª R., todo e qualquer montante em débito referente ao contrato de mútuo celebrado entre o A. AA, a falecida GG e o Banco HH, S.A., actual Banco FF, S.A.

4. Declarar que, após o pagamento do montante em débito referente ao contrato de mútuo celebrado entre o A. AA, a falecida GG e o Banco HH, S.A., actual Banco FF, S.A., os AA. AA, BB e CC nada devem ao Banco FF, S.A., por conta de tal contrato de mútuo.

O Banco réu apresentou contestação em que, além de arguir a ineptidão da petição inicial, sustentou que o seguro só “cobre” a dívida de capital e não de juros e que os AA. lhe devem €56.371,66 de capital emprestado e €11.519,93, a título de juros vencidos e não pagos.

Por sua vez, a ré Seguradora contestou a confirmar a celebração do invocado contrato de seguro, mas a refutar a sua responsabilidade, por se encontrar excluída nos termos da cláusula 3.2, al. b) das condições gerais da apólice de seguro, dado que a morte da GG foi dolosamente provocada pelo autor AA que, por isso, foi condenado por um crime de homicídio qualificado, invocando ainda o abuso de direito em que o mesmo incorre.

Os autores responderam a pugnar pela inverificação da arguida ineptidão da petição.

Realizada a audiência prévia, foi proferido saneador/sentença que, depois de refutar a invocada ineptidão da petição inicial, na parcial procedência da acção, decidiu nos seguintes termos: “1. Reconheço e declaro como habilitados os AA. BB e CC, como únicos e universais herdeiros da falecida GG, reconhecendo-se a sua legitimidade ativa.

2. Declaro o contrato de seguro de vida celebrado entre o autor AA e seguradora EE, S.A., como válido e eficaz; 3. Condeno a 1ª R a liquidar ao 2º R, a quantia de 56.371,66 € referente ao capital em dívida respeitante ao contrato de mútuo celebrado entre o A., AA, a falecida GG e o Banco HH, S.A., atual Banco FF, S.A.

4. Absolvo os RR. do resto do pedido.

Inconformados, apelaram a ré Seguradora e o autor BB, este subordinadamente, após convolação da ampliação que apresentara (cfr. fls. 475 e 478), com total êxito da primeira e inêxito do segundo, tendo a Relação de … revogado a impugnada decisão da 1ª instância, absolvendo a apelante do pedido de pagamento ao Banco réu da quantia fixada pela 1ª instância.

Discordando dessa decisão, interpuseram recursos de revista o autor BB e o Banco réu, finalizando o primeiro a sua alegação, com as complexas, repetitivas e redundantes[2] conclusões que se transcrevem: 1º - A douta sentença de primeira instância, relativamente à invocada exclusão da responsabilidade da ré seguradora com base na clausula 3.2 alínea b) das condições gerais da apólice julgou que: "Invocando que o autor AA foi condenado por um crime de homicídio qualificado praticado sobre a vítima GG, a seguradora invoca a exclusão da responsabilidade ao abrigo da cláusula 3.2, al. b) das condições gerais da apólice, que cominam a não abrangência do "sinistro" em causa pelo contrato de seguro.

De facto, o contrato de seguro exclui expressamente do seu âmbito de garantia o sinistro originado por qualquer "acto doloso de que 6 Tomador do Seguro, Pessoa Segura ou Beneficiário sejam autores materiais ou morais ou de que tenham sido cúmplices e que se traduzam na activação das coberturas contratadas" (cfr. art.° 3°, sob a epígrafe "Exclusões Gerais", n.° 3.2. "Riscos Excluídos", alínea b) das referidas Condições Gerais - vide documento n.° 3, a folhas 2 de 12).

Por beneficiário segundo o mesmo clausulado deve entender-se a pessoa ou a entidade a favor da qual é celebrado o contrato, isto é, e como se viu acima, o Banco credor do mútuo hipotecário - o FF que nada teve a ver com o referido homicídio.

Não será, pois, pelo aludido clausulado que se justificará tal exclusão." 2° - No douto acórdão proferido, a segunda instância julgou que: "Com efeito o autor AA foi condenado por um crime de homicídio qualificado praticado sobre a vítima GG e o contrato de seguro exclui expressamente do seu âmbito de garantia o sinistro originado por qualquer "ato doloso de que o Tomador do Seguro, Pessoa Segura ou Beneficiário sejam autores materiais ou morais ou de que tenham sido cúmplices e que se traduzem na ativação das coberturas contratadas" - cf. art. 3, sob a epígrafe "Exclusões Gerais", n° 3.2 "Riscos Excluídos", alínea b) das referidas Condições Gerais (vide documento n° 3, a folhas 2 de 12).

Por conseguinte, basta que exista um sinistro originado por qualquer "ato doloso de que o Tomador do Seguro, Pessoa Seguro ou Beneficiário sejam autores materiais ou morais ou de que tenham sido cúmplices e que se traduzam na ativação das coberturas contratadas", para que o contrato de seguro não opere por não comportar qualquer garantia.

E um homicídio doloso como o ocorrido, praticado pelo tomador do seguro, na pessoa falecida e 2ª segurada, é um ato/sinistro que ativa, pois, as "Exclusões Gerais", n° 3.2 "Riscos Excluídos", alínea b) das referidas Condições Gerais - vide documento n° 3, a folhas 2 de 12.

Assim, salvo o devido respeito, é indiferente que o homicida seja o tomador do seguro, a pessoa segura ou o beneficiário do seguro: há sempre esta exclusão das garantias contratuais.

De facto, se contrato de seguro é aquele pelo qual a seguradora, mediante retribuição, se obriga, a favor do segurado, a determinada indemnização ou pagamento de um valor pré-definido, em função da realização de um determinado evento futuro e incerto cujo risco assume, é evidente que não devem ser atendíveis; para efeitos de cobertura, riscos decorrentes da prática de um crime pelo próprio Tomador do Seguro.

Aliás, como bem refere a recorrente, a entender-se o contrario - que o homicídio doloso da segurada pelo Tomador do Seguro constituíra um evento de risco ou sinistro coberto - sempre teria de ser declarado nulo o contrato de seguro à luz do disposto no art. 280° do Código Civil, porque implicaria a cobertura do risco da prática de homicídio pelo Tomador.

Nem o Tomador do Seguro poderia razoavelmente esperar que o contrato de seguro, que negociou e celebrou cobrisse o risco relativo a uma atividade ilícita, aliás, criminosa, por si praticada.

Portanto, como refere a recorrente, mesmo que, à total revelia do teor daquela cláusula contratual, se entendesse ser devido qualquer montante pela seguradora ao(s) beneficiário(s) do seguro porque estes "nada tiveram a ver" com o homicídio (o que, como já se referiu, não faz sentido), sempre a cobertura do sinistro pela Ia Ré Seguradora (pressuposto necessário e anterior à formação de direito de credito dos beneficiários sobre aquela) estaria inviabilizada pela nulidade do contrato de seguro, porque o seu objeto seria ilícito e contrario à ordem publica (Cf. art. 280°, n°s 1 e 2 do CC).

  1. - Ora salvo o devido respeito, que é muito, assim não entende o autor BB, porque como bem vislumbrou a douta sentença de primeira instância o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 05.05.2011, no processo n.° 283/10.8TVLSB.S1, disponível em www.dgsi.pt. versa sobre temática semelhante à situação dos autos e firmou jurisprudência nos seguintes termos: I - No contrato de seguro de grupo destinado a garantir o pagamento de crédito à habitação, concedido por um banco no âmbito de um contrato de mútuo a ele associado, beneficiário do mesmo contrato é essa entidade financeira, devendo considerar-se terceiro face ao mesmo, o segurado que a ele adere.

    II - O homicídio doloso do segurado às mãos do herdeiro não exclui o risco nem desvincula a seguradora face aos demais herdeiros que nele não tiveram qualquer participação.

    III - De qualquer modo, assumindo-se o contrato de seguro de grupo como seguro sobre a vida de terceiro, a seguradora nunca ficaria desobrigada da entrega do capital seguro ao respectivo beneficiário, por efeito do disposto no art. 458.°, § único, do CCom.

    IV - Incorre em mora, obrigando-se à reparação dela decorrente, independentemente de interpelação, o devedor que, de forma categórica e definitiva, manifesta ao credor intenção de não cumprir.

  2. - E mesmo que tal Acórdão verse sobre um contrato de seguro que tem algumas diferenças relativamente ao dos autos, porquanto o contrato de seguro dos autos ser individual e o tomador ser o primeiro autor, sempre se poderá citar outro Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente o proferido em 06-02-1997, no processo 96B527, no qual se decidiu igualmente que: I - Os contratos de seguro, como contratos de adesão que são, devem ser...

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